Estátua em tamanho real, iate no Mucuripe e outros ‘causos’ do Rei Roberto Carlos em Fortaleza

Recuperamos notícias e reportagens que narram a passagem de Roberto Carlos no Ceará. A lista de feitos inclui shows memoráveis e até entrevista favorável à censura de um filme

Já saciando a curiosidade, o filme responsável pela ira de Roberto Carlos foi “Je vous salue, Marie"(1985), de Jean-Luc Godard. Como o objetivo do astro em terras cearenses nem sempre foi cinema, falaremos do episódio mais para frente. O astro completa 80 anos de vida e parte dessa história com Fortaleza foi contada pelo Diário do Nordeste.

Começamos com a seleção de alguns shows que marcaram época. Ao longo das décadas, o Rei lotou diferentes espaços da capital cearense. Além de eventos em espaços privados (caso da extinta Obá-Obá), apresentações em pontos públicos aconteceram no "Castelão", Ginásio Paulo Sarasate e Aterro da Praia de Iracema.

Noite para 400 mil

Em 2008, Roberto realizou o concerto "Fortaleza: como é grande o meu amor por você", em comemoração aos 282 anos da cidade. Segundo estimativas da Polícia Militar, cerca de 400 mil pessoas foram até o aterro da Praia de Iracema.

Para atender a demanda, o esquema de segurança contou com 300 guardas municipais, 326 policiais militares, 11 civis e 30 homens do corpo de bombeiros. Bem de frente ao palco, um grupo de convidados teve uma visão única. 

Reportagem publicada no dia 14 de abril trouxe um detalhe bacana da festa.

"Era impossível não notar a plateia especial que ocupava uma área privilegiada na frente do palco. Pessoas de necessidades especiais diversas foram cadastradas pela prefeitura e puderam ficar numa área reservada, como direito a um acompanhante".

PV não aguentou

Se você guarda a recente imagem do Robertão, todo trabalhado na seda e linho azul, na década de 1980 o jogo era outro. Nos 70, o cantor progrediu de “Rei da Jovem Guarda” para "Rei". Sucesso absoluto de vendas atestavam a popularidade do artista. Em maio de 1983, o capixaba trouxe o show  "Emoções".

Os números da turnê impressionavam. "Um Boeing 737 transportará toda a delegação. O equipamento de som e luz será transportado por quatro carretas, que percorrerão mais de 12 mil quilômetros, de 11 de maio a 16 de junho. 

O Presidente Vargas foi escolhido. A promessa da organização era montar camarotes e cadeiras especiais. O palco, tamanho de 42 por 16 metros. 600 seguranças contratados. O previsto não ocorreu. No dia marcado para o encontro, a notícia:

A mudança parece não ter desanimado os cearenses. Mesmo assim, o Aderaldo Plácido Castelo (hoje, Arena Castelão) recebeu um ótimo público.

"O show "Emoções" de Roberto Carlos levou, ontem a noite, aproximadamente 60 mil pessoas ao Estádio Castelão, fazendo com que metade do gramado e grande parte das arquibancadas fossem ocupadas pelo grande público. Roberto Carlos cantou velhos e novos sucessos, durante quase duas horas", revelou matéria veiculada no dia seguinte.

Roberto baqueado

Num 6 de janeiro de 1990, rolou o primeiro show do cantor na década em Fortaleza. Naquele momento, Roberto ostentava aquele visual da pena.

A reportagem "Roberto Carlos repete as mesmas emoções" contou detalhes da apresentação. O texto, de cara, solucionava um mistério. A identidade do pássaro doador:

"Às 22 em ponto, ele subiu ao palco pela esquerda e salvo a tal pena de harpia, tudo estava igual como era antes, quase nada se modificou. É óbvio que vestia azul e branco, que tratou logo de botar o microfone em plano inclinado e atacou de cara com um coquetel kitsch que ele faz como ninguém". 

Uma "harpia". 

Em pleno período brazuka de Fernando Collor, o cantor encarava concorrência de peso. Exemplo notório estava na turma do sertanejo. Leandros e Xororós, de faca nos dentes, emplacando hit atrás do outro. A lambada dizendo vem axé. Não chegou a perder o trono, mas a década, artisticamente, foi cansada.

A expectativa era de 20 mil. Cerca de 5 mil pessoas colaram no Paulo Sarasate. A equipe ouviu depoimentos de aficionados pelo Rei. Uma entrevistada disse ter visto Roberto pela primeira vez na TV, em 1963, quando veio a Fortaleza. A adolescência foi ouvindo Roberto na radiadora de Santana do Cariri.

"Ele usava jeans, tinha o cabelo encaracolado e um jeito bem doidinho". 

Já um vendedor de refri e cerva que trabalhava no Ginásio, declarou a devoção por  "Cavalgada", impecável música de "Roberto Carlos" (1977), famoso como o "disco da capa laranja".

"É a música que tocava na churrascaria quando viu pela primeira vez sua atual namorada, há sete anos", descreve a matéria.

No entanto, ainda na noite do show, três admiradoras estavam insatisfeitas."Está parecendo um índio velho com aquela pena na orelha", apontou uma das integrantes do trio queixoso.

Se o look não era de todo agrado, o lado pessoal da estrela preocupava. A possível separação dele com a então esposa, Míriam Rios era o papo quente da vez. 

"Separou-se mesmo? Ele está baqueado." 

Censura a "filme cult"

Em abril de 1986, um "acessível" e "risonho" Roberto conversou com a imprensa local (algo raro no correr dos anos seguintes). O cantor topou responder perguntas, até mesmo ligadas à vida pessoal. O Rei andava preocupado com certo filme internacional.

“Je Vous Salue, Marie” (1985) gerou polêmicas na época de seu lançamento. O longa foi criticado pelo papa João Paulo II (1920-2005) e censurado no Brasil de José Sarney. Dirigido pelo cineasta francês Jean-Luc Godard, a produção trouxe uma releitura da história da Virgem Maria e de José.

Conhecido pelo fervor e devoção à fé, Roberto Carlos disparou contra a obra e reafirmou a postura contrária à exibição do filme.

"Não sou a favor da exibição do filme. Sou a favor do veto. Eu considero o filme uma agressão e desrespeito à História Sagrada e ao sentimento cristão. Não vejo porque, de repente, fazer um filme agredindo a essas coisas. Não acho que ele traria benefício cultural ao nosso País", defendeu. 

À época, Caetano Veloso, amigo e criador de clássicos na discografia do Rei ("Força Estranha", "Muito Romântico") considerou o amigo de "reacionário". Roberto disse estranhar a deselegância do baiano e alfinetou: 

"O que não me surpreende é que o Caetano tenha opinião contrária à minha".  

Roberto justificou a censura e citou uma pesquisa de opinião do público a respeito do filme do Godard, "E a resposta foi que o povo não queria a exibição. Felizmente, a minha opinião é a do povo". 

Luxo em alto mar

Um ano depois, outubro de 1987, um fato inusitado. "O novo iate de Roberto Carlos está em Fortaleza", anotou a sessão de "Variedades" do Diário do Nordeste. O "Lady Laura III" atracava na cidade. Sem Roberto.

A embarcação vinha de Manaus e ancorou no late Clube. De Fortal, o destino era o Rio de Janeiro, cruzando por Recife e Salvador. O comandante, Manuel Valença, afirmou que o Lady Laura III não é luxuoso.

Ele não é chegado a grandes luxos. É pessoa simples, mas de muito bom gosto, explica o depoimento do profissional náutico. "Mesmo assim, o late é de fazer inveja a qualquer milionário", descreveu rigorosamente  o repórter. 

"Tem um salão principal,  estúdio na proa, um deck solarium ligado a uma área com bar; um camarote principal e mais quatro camarotes suítes para hóspedes. Além de tudo isso, tem lavanderia completa, cozinha e central de ar condicionado. A mecânica é a mais moderna do País: dois motores MTU de 850 cavalos cada". 

Mesmos assim, o Lady Laura III ainda não estava completo. Em Manaus (Estaleiro Rio Negro) rolou só a construção pesada. "Toda a decoração — a chamada parte leve — será feita no Rio de Janeiro com a supervisão direta de Roberto Carlos e Míriam Rios (sua esposa à época)". 

Homenagem à realeza

Em 1995, outra apresentação de Roberto por Fortaleza causava a comoção entre os súditos do Rei. Como o astro não era muito de conversar com a imprensa, a reportagem tratou do tema a partir da voz dos fãs. O tipo que coleciona. Não só discos, como outras raridades.

Dos representantes entrevistados, Odival Limeira Lima mostrou todo um diferencial. Fã desde a adolescência, vivida em Juazeiro do Norte, ouviu o Rei pela primeira vez cantando a música "Fora de Tom" (da fase bossa nova do cantor).

A coleção era recheada de curiosidades. Lima mostrou um disco com a trilha sonora de "O Bofe", novela exibida pela Rede Globo na década de 70 (gravado só com músicas dele e de Erasmo Carlos). Outra peça do acervo exibe o astro interpretando "A Guerra dos Meninos" em francês, num disco intitulado "Rendez Vous" que reuniu nomes como Júlio Iglesias e Yves Montand.

A coleção tem até a fase "escritor" do artista. São quatro volumes da coleção "Prosa e Versos", lançado pela Editora Formar em 1967. Nos livros, o Rei oferece ao leitor crônicas, contos e poemas. Para sorte dos fãs, a experiência literária não mais se repetiu e Roberto dedicou-se à música.

Porém, o que chama atenção entre os itens do colecionador é uma estátua do Rei em tamanho real. Odival encomendou a obra ao escultor Bosco Neves e foi instalada no sítio "Recanto do Rei Roberto Carlos"

Assim como Roberto Carlos, a estátua segue firme e forte. Está no sítio até hoje. Procuramos Lima pelo Instagram e encontramos imagens atuais da escultura. Até o fechamento dessa matéria, o proprietário não retornou o contato.