Espetáculo reflete sobre as violências vivenciadas por mulheres negras no mercado de trabalho

Trazendo como plano de fundo o cenário das lojas de departamento, a dramaturga Carol Carvalho revela suas trajetórias e subjetividades em um projeto cênico que será disponibilizado gratuitamente no YouTube

O projeto cênico "Sin&Nhá, entre o palco, a vida real e os bastidores” existe nos pensamentos da atriz e pesquisadora Carol Carvalho desde 2016, quando ela deixou sua cidade natal, Salvador, para tentar a vida artística em São Paulo. Mas foi só quatro anos depois, em março de 2020, que o espetáculo ganhou os palcos, denunciando as violências simbólicas e estruturais vivenciadas pela mulher negra no mercado de trabalho. 

Nesta quinta (11), um ano depois, o projeto volta ao teatro, em um formato diferente, mas com a mesma proposta. Entre os dias 11 e 20 de março, "Sin&Nhá, entre o palco, a vida real e os bastidores” será exibido no YouTube, com uma narrativa que se constrói a partir de três ações que se intercomunicam: a exibição inédita em plataformas digitais do espetáculo, um documentário e rodas de conversa sobre negritude no mercado de trabalho ao final de cada transmissão. 

“Eu nunca quis que o espetáculo fosse apenas um espetáculo. E sempre pensei que deveria ser um espaço de diálogo, denúncia, escuta e empoderamento. Por isso, desde o princípio, eu idealizava roda de conversas, oficinas, performances e diversas linguagens artísticas possíveis que fossem ferramentas de emancipação para as mulheres negras”, afirma Carol Carvalho.

A partir dessas múltiplas abordagens cênicas e documentais, o espetáculo promove reflexões sobre a exploração e a subjetividade do corpo da mulher negra no mercado de trabalho e suas relações sociais. Com uma estrutura fragmentada e performativa, o espetáculo traz como plano de fundo o universo das lojas de departamento e as diversas camadas do racismo estrutural. 

O cenário dialoga com a experiência pessoal da atriz, que mesmo com ensino superior completo em uma universidade federal, encontrou apenas nas lojas de departamento oportunidades de emprego.

“No meu currículo tinha minha foto, e não imaginava que a minha foto no meu currículo limitaria as minhas oportunidades de trabalho e designaria meu lugar na sociedade”, conta.

Foi nesse espaço que Carol fez parte de uma equipe diversa, formada por mulheres negras, nordestinos, nortistas e moradores da zona metropolitana de São Paulo. Mas foi lá também que a pesquisadora vivenciou violências das quais ela prefere não compartilhar. 

As oportunidades no ramo artístico também eram raras. Era necessário indicação. Conforme a estadia em São Paulo foi se prolongando, Carol se viu obrigada a escolher entre a carreira de atriz e as contas, e os boletos falaram mais alto. 

“Muitas coisas aconteciam dentro da loja, e eu sempre tive a sensação que precisava um dia fazer um espetáculo sobre tudo o que eu vivi e presenciei ao meu redor. A experiência foi muito forte, e fiquei com receio de acessar novamente essas memórias e deixei de lado”, relembra.

Sair da gaveta

O projeto só saiu da gaveta quando Carol retornou a Salvador em 2019. Partindo de relatos, depoimentos, documentos e pesquisas acerca da violência simbólica e psicológica sofrida pela mulher negra contemporânea, ela retomou a escrita. O  "Sin&Nhá” foi aprovado em um edital da Secretaria de Cultura do Governo da Bahia, pelo qual conseguiu apresentar o espetáculo por 3 dias na capital baiana, em março de 2020. 

Foi também em março do ano passado que a pandemia chegou, e com ela as expectativas de estrear a segunda temporada do espetáculo se esvaziaram. “Sin&Nhá” só retornou aos palcos por intermédio da Lei Aldir Blanc, a qual possibilitou a construção de um projeto mais completo. 

Documentário

Junto com a equipe que compartilhou as vivências na loja de departamentos, a dramaturga se propõe a dar voz para as histórias de cada mulher negra que a inspirou no seu processo criativo do documentário “Sin&Nhá: entre o palco, vida real e os bastidores”. Para isso, ela questiona: Como é ser uma gerente negra, dentro de um setor profissional de hegemonia branca? Qual é a diferença entre ser atendente e ser atendente negra?

A partir das respostas, Carol revela suas trajetórias e subjetividades amplas: sonhos, personalidade, empoderamento, violências, preconceitos e manifestos contra o racismo estrutural.

“Como mulher preta e artista, em muitos momentos fui silenciada e invisibilizada,  vivenciei todo tipo de violência e segregação possível no mercado de trabalho, e me autoproduzir foi o caminho que encontrei pra levar o meu discurso político adiante. É sempre um caminho mais lento e doloroso, porém são as armas que eu encontrei pra enfrentar as violências estruturais que me atravessam”, completa.

Serviço

Sin&Nhá: entre o palco, a vida real e os bastidores

Dias 11, 12, 13, 18, 19 e 20 de março, às 20h, no YouTube. Gratuito. Mais informações no Instagram @espetaculosinha.