Quantas obras são lidas, em média, pelos brasileiros? Que fatores influenciam na escolha de um livro? E quais dificuldades interrompem os horizontes de leitura? Desde 2001, essas e várias outras questões referentes ao universo do consumo de livros são mapeadas pela pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil”, único levantamento feito em âmbito nacional com o objetivo de avaliar o comportamento leitor do País.
A quinta e mais recente edição – realizada em 2019 e lançada no ano passado – consolidou a já conhecida abrangência do estudo ao atentar para uma série de fatores que dialogam com famílias, escolas, agentes de leitura, políticas públicas, crianças, jovens e adultos.
Um compilado de perspectivas que poderá ser acessado, de forma gratuita, por meio da obra disponível no portal do Instituto Pró-Livro. A instituição está à frente da pesquisa desde 2007, em parceria com o Itaú Cultural e com aplicação pelo Ibope Inteligência. “Retratos da Leitura no Brasil 5” é organizado por Zoara Failla, coordenadora do levantamento, e também pode ser conferido em formato impresso, publicado pela editora Sextante.
Em entrevista ao Verso, Zoara sublinha que o material foi construído em parceria, desde a aplicação da pesquisa. Para o livro, foram convidados especialistas que desenvolvem estudos sobre os principais temas abordados pelo mapeamento, a fim de analisarem os resultados advindos dele. Eles acessaram os relatórios estatísticos a partir das investigações e experiências desenvolvidas em universidades ou organizações que fomentam atividades, voltadas sobretudo para a formação de leitores e a promoção da leitura.
“Uma avaliação recorrente nas análises dos especialistas é a necessidade urgente de contar com professores leitores e mediadores de leitura. A formação do professor leitor; a universalização das bibliotecas escolares – com configuração e atividades integradas e orientadas pelo currículo e projeto da escola; e o envolvimento da comunidade escolar nas atividades de promoção da leitura”, elenca a organizadora. “É unânime a defesa da necessidade de políticas públicas que garantam essas ações e sua sustentabilidade”.
Ecossistema do livro
Os textos trazem análises a partir das diferentes inserções dos autores no ecossistema do livro e das pesquisas e formação na área da educação e leitura. Todos constroem um panorama sobre a realidade leitora no Brasil e a respeito dos desafios para mudar esse “retrato”.
Entre os temas trabalhados, estão “O analfabetismo funcional e os não leitores”, “Trajetórias de leitura na formação de um autor”, “A plataformização da leitura e redes sociais: impactos no consumo de livros”, entre outros. Ao término da obra, ainda são listados todos os dados referentes à quinta edição da “Retratos da Leitura no Brasil”.
“Tomara que essas reflexões cheguem onde devem chegar e que sejam lidas pelos formuladores e executores de políticas públicas, gestores na área da educação e da formação de leitores”, torce Zoara Failla que, além de organizar o material, assina a Introdução da obra.
No texto, ela sintetiza um pouco das ponderações desenvolvidas pelos autores convidados. “Minha intenção é convidar à leitura dos artigos que aprofundam cada uma dessas questões”.
Responsável pelo capítulo destinado ao tema “Leitores que perdemos pelo caminho”, Rita Jover-Faleiros destaca que, entre aqueles que se declaram leitores de literatura, 52% atribuem a seus professores a motivação para ler obras nesse segmento. Uma porcentagem que aponta diretamente para o papel central do professor na mediação entre os alunos e o universo da leitura e suas potencialidades.
“Isso considerando, sobretudo, que para muitas crianças e jovens a escola é o único lugar onde há livros acessíveis e leitores que estimulem a leitura”, dimensiona a autora – professora do Departamento de Letras da Universidade de São Paulo, além de mestre e doutora na área pela mesma instituição, com pesquisa no ramo da didática da leitura literária.
Para que esse caminho ao livro seja realizado de modo otimizado, Rita defende que é necessário que os professores sejam leitores em seu sentido pleno: que gostem de ler, compartilhem impressões sobre o que leem com os alunos e escutem o que os alunos-leitores queiram ler ou tenham lido. Enfim, que se constitua um ambiente em que se propicie situações de leitura não apenas como uma disciplina escolar, mas também como um interesse global por esse universo.
“Os dados da pesquisa no tocante ao que leem os professores não apontam para esse quadro, pois o que eles afirmam ler – dentre aqueles que se declaram leitores – não se distingue de maneira expressiva daquilo que leem os demais entrevistados. Em certa medida, a formação de alunos-leitores depende da formação de professores-leitores em razão desse papel exercido pela escola na sociedade”, diz.
No estudo, consta que entre o conjunto dos professores, 80% são leitores e que apenas 43% são leitores de literatura. Na visão de Rita, isso possivelmente significa que a maioria dos leitores em formação na educação brasileira hoje não conta com professores-leitores de literatura, algo que reduz significativamente as chances de as crianças e jovens conviverem em um ambiente de estímulo à leitura e à leitura literária, de forma específica.
Estamos perdendo leitores?
Nesse sentido, a autora reflete exatamente sobre a provocação que faz no título do capítulo assinado por ela: por que estamos perdendo leitores pelo caminho? “As razões são muitas , e abordadas por vários especialistas na obra dedicada à análise dos dados. Da valorização à leitura na formação do professor – e não apenas ao professor de língua portuguesa, acho importante registrar – às políticas públicas de promoção das bibliotecas e espaços destinados à leitura dentro e fora da escola”, destaca.
Passa também, a seu ver, pela maneira como a leitura literária vai se transformando no ensino fundamental, onde se concentra a maioria dos leitores que leem “por gosto” ( compreendendo estudantes entre 5 e 10 anos). Esse número, segundo ela, vai diminuindo progressivamente à medida que os entrevistados avançam em seu processo de escolarização, quando a literatura passa a ser “ensinada” e onde talvez haja uma falha ao se perder espaço, em sala de aula, da leitura por gosto em benefício do ensino da história literária.
“A meu ver, deveríamos conciliar um hiato entre as razões por que se lê literatura na escola e fora dela, buscando promover situações de leitura que articulem uma formação para a leitura literária ‘por gosto’ ao ensino formal da literatura”, sugere, ao mesmo tempo que menciona a relevância fundamental das políticas públicas e das iniciativas de cunho popular/comunitário para que haja um maior estreitamento entre crianças e jovens e os livros.
Para Rita, apesar de não haver garantia de que todas as crianças e jovens venham a se encantar pelo mundo da leitura porque cresceram em ambientes em que há circulação de livros, as pesquisas mostram que espaços onde a leitura é valorizada tendem a favorecer o despertar do interesse pela atividade nos integrantes das primeiras faixas de idade.
Trabalho em sala de aula
No que toca ao que precisa ser refletido e superado nesse panorama, a autora também traz à superfície o fato de que talvez ainda sejam muito incipientes as iniciativas didáticas que propiciem situações efetivas de leituras integrais – seja dos clássicos da literatura, seja de obras que se aproximem mais do universo de interesse dos alunos – no tempo e/ou no espaço.
“Em outras palavras, acredito que um dos caminhos seja falar menos sobre ‘A Literatura’ e dedicarmo-nos, em sala de aula, a falar sobre as leituras literárias efetivas – realizadas, concretas, compartilhando impressões, sentidos, afetos sobre esse processo onde o sujeito leitor possa falar daquilo que leu, construindo um espaço de interlocução sobre a produção de sentidos no ato da leitura”, defende.
Formando, assim, leitores literários não porque dominam determinado corpo de leituras obrigatórias, mas porque sabem estabelecer relações de sentido que passam por uma dimensão de subjetividade e de diálogo que os preparem para ler, potencialmente, toda e qualquer obra literária.
“Do ponto de vista da obra gerada a partir dos dados da pesquisa ‘Retratos da leitura no Brasil’, ela oferece um espectro de leituras complementares de diferentes agentes sociais comprometidos com o desenvolvimento dos leitores e das leituras no Brasil. As análises podem subsidiar tantos ações de políticas públicas para o incremento da leitura, bem como nos oferecer pistas de trabalho, do ponto de vista da escola, por exemplo, quanto às práticas pedagógicas relacionadas à leitura”, sugere.
Retratos da Leitura no Brasil 5
Organização: Zoara Failla
Sextante
2021, 328 páginas
Disponível gratuitamente para download neste link