Rachel de Queiroz (1910-2003) marcou época, em vida, pela habilidade em contar e criar histórias. No entanto, ela mesmo tornou-se personagem de "causos" curiosos, típicos dos caminhos de alguém que viveu em estado de observação e sensibilidade diante da existência.
A memória dá conta de como Rachel viu disco voador no céu do Sertão Central cearense, se arriscou a cantar com Mário de Andrade e também teve uma missa em respeito a sua morte, rezada por Dom Hélder Câmara, quando ainda nem havia falecido de fato. Confira detalhes dessas e de outras histórias, abaixo:
Visita ao túmulo de Bárbara de Alencar
No final de agosto de 2001, Rachel estava às vésperas de completar 91 anos de idade e sofria as consequências de um acidente vascular cerebral (AVC). Mesmo debilitada, a escritora fez questão de visitar o túmulo de Bárbara de Alencar no Forte de Nossa Senhora da Assunção, no Centro de Fortaleza. Emocionada durante a visita, ela passava uma temporada no Ceará e retornaria ao Rio de Janeiro, onde morou até falecer, logo depois. Rachel cumpriu um sonho antigo, pela admiração que nutria frente a trajetória de Bárbara - uma das primeiras presas políticas do Ceará e líder do movimento da Confederação do Equador no Crato (CE).
Visão de disco voador
A escritora contava uma história de que teria visto um OVNI enquanto observava o céu no Sertão Central, no terreno da Fazenda Não me Deixes, em Quixadá (CE). Rachel observava como os moradores sertanejos contemplam o céu e são habituados aos movimentos das constelações. Em 1960, ela recebia uma tia na fazenda e percebeu uma luz fazendo "movimentos estranhos" no céu. De cor meio verde, meio amarela, aquilo cruzava o alto variando a intensidade luminosa e um morador chegou a confundi-lo com uma estrela cadente. O objeto se movimentava na horizontal, como um helicóptero, e passou 15 minutos sendo observado. Rachel concluiu que aquela coisa "não era da terra".
Canto em 1940
Rachel de Queiroz passou a vida muito dedicada à escrita, mas, em 1940, a escritora se arriscou a cantar e gravou, à capela, a música "Aribu". A canção é de domínio público e tem origem no cancioneiro popular de raiz africana. Rachel gravou a música na companhia do poeta Mário de Andrade (1893-1945, que também era musicólogo). A gravação dura pouco mais de 50 segundos e foi feita pelo linguista americano Lorenzo Turner. O andamento da canção segue o ritmo de gêneros populares nordestinos e a letra passeia pela simplicidade do universo sertanejo, com o refrão "Aribu, Aribu...".
Missa por engano
O acidente aéreo que provocou o falecimento do ex-presidente da República Humberto Castello Branco e da escritora Alba Frota, em 1967, causou ainda uma confusão envolvendo Rachel de Queiroz. Como se não fosse suficiente a tragédia em si, circulou um rumor de que Rachel teria morrido no acidente, pois a escritora de Quixadá tinha semelhança física com Alba. E o nome desta também não constava na lista original de passageiros da aeronave, que se chocou com um jato da Força Aérea Brasileira (FAB). Dom Helder Câmara chegou a rezar uma missa pela partida de Rachel, até que houve a confirmação da identidade das vítimas.
Recusa do Nobel
Rachel teve uma relação histórica com a Academia Brasileira de Letras (ABL). Foi escolhida, em 1977, para ser a primeira mulher a se tornar uma acadêmica da instituição. Ela ocupou a posição 5 da cadeira 5 até morrer, há 17 anos. No entanto, a escritora foi taxativa quando membros da ABL foram ao seu apartamento no Rio de Janeiro e quiseram indicá-la para o Prêmio Nobel de Literatura em 2001. "Me inclua fora dessa", teria dito Rachel de Queiroz. A ABL já especulava a indicação desde o ano 2000, quando a instituição fez uma homenagem à escritora cearense pelos seus 90 anos de idade.