Da periferia de Fortaleza ao Bolshoi: a história do cearense que enfrentou preconceito para dançar balé

Morador do Canindezinho, Leonardo Germano conheceu a dança aos 11 anos. Hoje, é solista no Ballet Nacional do Peru

Há quem acredite que a arte é algo inato ao ser humano. O cearense Leonardo Germano, de 24 anos, se identifica com essa corrente. Ainda menino, aos 11 anos, descobriu nos movimentos sublimes do corpo uma potente forma de expressão. Formado pela Escola de Teatro Bolshoi, há quatro anos ele atua como solista na companhia de Ballet Nacional do Peru.  

O caminho até alcançar esse objetivo não foi fácil. Até conquistar o trabalho dos sonhos e a independência financeira em outro país, Leonardo teve de enfrentar o preconceito dos pais, as dificuldades financeiras e as limitações impostas pela sociedade para um morador da periferia.  

“Eu sempre achei impossível, sempre quis sair do Brasil, mas, pra mim, era uma realidade inalcançável. Não lembro de ninguém da minha família ter sequer saído do país. Era inimaginável e tudo isso foi graças ao balé, a quem viu meu potencial, tudo isso foi proporcionado pela dança”, relata. 

Leonardo conheceu a dança pela ginástica rítmica, quando a mãe fez a inscrição dele e da prima em um projeto na Vila Olímpica do Canindezinho, bairro onde morava. “Minha prima foi fazer ginástica e eu fui fazer judô. Tinha uns 11 anos, mas ficava olhando a aula dela e me interessava muito. Pedi a minha mãe pra fazer a ginástica, mas ela disse que era coisa de menina”.  

“Continuei admirando as aulas e ficava repetindo os passos na porta da sala. Uma vez a professora me chamou pra participar, mas eu disse que não podia. Até que, um tempo depois, chegou uma nova professora, Dalyane Barbosa, que insistiu pra que eu participasse. Acabei indo e contei pra minha mãe”. 
Leonardo Germano
bailarino

‘Descobri o que queria pra vida’ 

Quando um outro professor, Felipe Porfírio, chegou ao projeto, o jovem teve a oportunidade de conhecer outras danças. “Ficava cada vez mais apaixonado pela arte, conheci o balé contemporâneo e eu fiquei maravilhado. Ali, descobri o que queria fazer pra vida”, diz. Porém, o fim do projeto, alguns anos depois, adiou o sonho do jovem.  

Foi só no ensino médio, aos 15 anos, que a oportunidade ressurgiu. Prestes a ter que decidir para o que iria prestar vestibular, Leonardo, incentivado pelos professores, decidiu ceder à veia artística e tomou coragem para dizer a mãe: “vou fazer balé clássico”.  

Sem condições financeiras para arcar com as aulas, o bailarino trocou o videogame, que ia ganhar de presente de um tio, pelo dinheiro para bancar o curso.  

"Na primeira aula que eu vi as meninas subindo nas pontas, os meninos fazendo piruetas, eu fiquei apaixonado. Lembro muito dessa cena, porque eu tava me controlando pra não chorar. Naquele dia, eu soube que era realmente isso com o que eu queria trabalhar e pra isso que queria me dedicar”. 

Durante esse período, o pai de Leonardo, que até então não tinha conhecimento do talento do filho, entrou em depressão, o que tornou a aceitação da mãe ainda mais difícil. “Eu tinha que esconder minhas roupas do balé. Minha mãe me disse que eu tava arrumando mais um problema pro meu pai, mas hoje eu entendo, porque ela ficou muito sobrecarregada”. 

Da escola de bairro ao Bolshoi  

Na escola de balé do bairro, Leonardo passou seis meses até fazer uma audição para uma escola maior em Fortaleza. "Consegui a vaga e passei dois anos lá, onde conheci uma bailarina da modalidade de balé adulto, Valdênia Carvalho, que me perguntou se eu não queria fazer a audição do Bolshoi". 

A pergunta o pegou de surpresa e aquela chance, na verdade, não parecia ser uma oportunidade para um jovem da periferia. Porém, ela, vendo a persistência e o talento do menino, decidiu o ajudar a angariar fundos para que ele pudesse viajar para fazer a audição. 

"Ela foi um anjo na minha vida, sou muito grato. Consegui ajuda pra fazer a audição do Bolshoi aos 17 anos e era o último ano que eu podia fazer. Passei, foi uma grande conquista, mas sabia que viriam outros perrengues de como me manter na cidade. Consegui me formar, aos trancos e barrancos", relembra. 

Após estudar por dois anos na sede do Bolshoi no Brasil, localizada em Joinville (SC), Leonardo foi para São Paulo tentar vagas de emprego. Lá, começou a mandar o currículo e vídeos de dança para diversas companhias do mundo, quando uma proposta chegou. 

"O Ballet Nacional do Peru foi a única que me respondeu. Recebi a proposta pra ser corpo de baile, mas chegando lá o diretor me ofereceu a vaga de solista, de primeira. Fiquei sem acreditar e hoje estou aqui, há 4 anos sendo solista em outro país".   

Oportunidade em Fortaleza 

Para quem quiser tentar os mesmos passos de Leonardo, as inscrições para participar da pré-seleção do Bolshoi no Brasil estão abertas até esta quarta-feira (15). Os interessados devem fazer a inscrição no site da Escola e efetuar o pagamento da taxa, que é R$ 25. A pré-seleção de novos alunos acontece no dia 16 de junho, a partir de 8h, no Theatro José de Alencar (TJA). 

As vagas são para candidatos de ambos os sexos, de 9 a 17 anos, com e sem conhecimento em dança. Nesta primeira etapa, os profissionais do Bolshoi irão analisar as habilidades físicas e artísticas dos candidatos, como flexibilidade, projeção cênica, postura e biótipo. 

Aqueles selecionados com o maior potencial são indicados para participar da Seleção Nacional, que acontece nos dias 7 e 8 de outubro, na sede da Escola Bolshoi, em Joinville (SC). 

A Escola apresenta ainda, nesta semana, o espetáculo Gala Bolshoi, também no TJA, formado por variações de conhecidos e aclamados espetáculos do balé, como ‘Don Quixote’ e ‘Quebra-Nozes’. As apresentações acontecem nos dias 15 e 16 de junho, às 20h.  

Serviço  

Pré-seleção 

Espetáculo Gala Bolshoi 

  • Dias 15 e 16 de junho, às 20h, no Theatro José de Alencar.
  • Valores: de R$ 25 a R$ 80.