Clube do livro: como funciona, de que forma criar e por que você deveria participar de um grupo

Presenciais ou virtuais, com diferentes apelos e temáticas, grupos mergulham na literatura ao mesmo tempo que otimizam novos encontros e saberes sobre o outro e sobre si

Se você não participa, com certeza já ouviu falar sobre ou até cogita ingressar em um. Clubes do livro estão se tornando cada vez mais populares, seja pela oportunidade de colocar a leitura em dia, seja pela possibilidade de conhecer novas pessoas devotadas à literatura e ao encontro. Um combo de coisas boas que nos fazem te aconselhar: vá!

No mês em que celebramos o Dia do Leitor, conversamos com os responsáveis por três clubes de leitura de Fortaleza para saber como funcionam, quais são as características de cada um e de que forma você pode colaborar. Mais: parte do diálogo envolve os mecanismos necessários para criar um – chance imperdível para formar o próprio grupo.

Comecemos pelo Clube de Leitura (A)Normal. Idealizado e mediado por Maria Camila Moura – escritora, psicóloga clínica, mestre em Psicologia, doutoranda pela Universidade Federal do Ceará e colunista do Diário do Nordeste – existe desde 2021 e totaliza três edições, caminhando para a quarta neste ano. É estruturado de modo 100% online, rompendo as barreiras geográficas.

“Como o próprio nome sugere, nossa proposta é justamente fugir de uma leitura ‘normal’ de um livro. Nossa intenção não é ficar na superficialidade do texto, mas, ao contrário, propor uma imersão, desafiar o leitor a explorar temáticas mais profundas”.

Para Maria Camila, refletir sobre a vida das personagens desdobra pensamentos sobre nossa própria vida – potencial literário nem sempre tão explorado. “Em cada ano lemos 10 livros, de março a dezembro, e a curadoria é escolhida a dedo”, detalha, enfatizando ainda que, para facilitar esse mergulho livresco, foi criada uma metodologia própria.

A análise de cada livro é dividida em cinco aulas gravadas que exploram a vida do autor, o contexto histórico e sócio-político, o enredo, as reflexões e dicas. Nesta última parte, os integrantes conectam o livro a outras expressões artísticas, a exemplo de pintura, escultura, fotografia etc. “Essas aulas são liberadas no começo do mês, juntamente com um vasto material didático de apoio (em 2023, foram mais de 500 páginas desse material)”.

Além disso, ao término do mês, há uma aula tira-dúvidas ao vivo, momento sempre especial. Outro diferencial é que o clube sempre tenta trazer autores para falar sobre a própria obra. O escritor português David Machado, o francês Fabien Toulmé e as escritoras brasileiras Socorro Acioli e a Micheliny Verunschk já participaram do (A)Normal.

Senso de comunidade

Quase dois mil leitores já passaram pela iniciativa ao longo do (A)Normal e, segundo a idealizadora, é muito prazeroso ver uma comunidade forte nele. “Nosso foco é sempre mesclar obras da literatura clássica e contemporânea, do Brasil e do mundo, para que o leitor possa também ter contato com várias realidades e sair um pouco da zona de conforto”.

Na conta, estão Machado de Assis (O Alienista), Franz Kafka (Carta ao Pai e A Metamorfose) e Tolstói (A Morte de Ivan Ilitch), e autores mais recentes, a exemplo de José Saramago (As Intermitências da Morte), Socorro Acioli (A Cabeça do Santo) e Elena Ferrante (A Filha Perdida). 

“Já tivemos muitos instantes especiais, principalmente nas aulas tira-dúvidas, em que muitos leitores trazem relatos emocionantes, de como determinada obra impactou sua vida ou os fez lembrar e se reconectar com momentos delicados. São sempre encontros fascinantes”.

A curadoria completa de 2024 do clube ainda não foi divulgada. As inscrições para a próxima turma abrem em 5 de fevereiro e a previsão é que a lista completa das obras seja divulgada entre 15 a 18 de janeiro. Até lá, Maria Camila soltará aos poucos os livros escolhidos. mas já adianta: nomes como Albert Camus e Svetlana Alexievich serão presença.

“Clubes de leitura vêm ganhando cada vez mais adeptos por duas razões: criar ou aperfeiçoar o hábito da leitura e a necessidade de direcionamento. Somos bombardeados com chuvas de informações fragmentadas nas redes sociais. Esse cenário desfavorece o hábito de uma leitura mais longa, como de um romance, por exemplo. Por outro lado, ler sozinho, sem um direcionamento, pode ser muito desafiador. Então, uma boa mediação e uma boa curadoria de livros pode ajudar muito para instalar o tão sonhado hábito da leitura”.

Gente, livros, café

E se esse hábito for alimentado por cheirinho de café e cobertura de bolo? São algumas das propostas do clube de leitura da Confeitaria Sublime, na ativa desde 2016. A ação começou a partir da vontade do empresário Airton Correia Junior e de alguns amigos. “Iniciamos com três pessoas e hoje o grupo é bem maior”, diz.

Os encontros são mensais, sempre nos últimos sábados de cada mês, às 14h na própria Sublime, localizada no bairro São João do Tauape. Durante boa parte da pandemia, os encontros aconteceram no formato virtual, mas logo que ficou seguro retornou-se ao presencial. A participação é gratuita. 

Por ser um grupo aberto, não existe quantidade fixa de participantes. Alguns encontros já chegaram a reunir quase 80 pessoas presencialmente. “Nessa época, foi preciso a gente fazer inscrição porque o espaço na confeitaria é pequeno e estávamos trabalhando a dinâmica do encontro”, divide Airton, proprietário da Sublime.

“Atualmente, não exigimos mais inscrições e temos uma média de 20 participantes. Tivemos muitos momentos especiais durante esse tempo de clube. Alguns foram a participação presencial do escritor Valter Hugo Mãe e as participações virtuais das escritoras Aline Bei, Cidinha da Silva e Maria Valéria Rezende e Carola Saavedra”.

Já há algum tempo, inclusive, a curadoria busca escolher pelo menos metade dos livros escritos por mulheres. Airton diz que ler e discutir em grupo tornou-se uma experiência muito mais enriquecedora do que uma leitura solitária, a ponto de ele já passar pelas páginas imaginando as conversas geradas durante o encontro. “Isso aqui dará um bom papo, isso aqui será polêmico etc. Acredito na coletividade, no potencial transformador do coletivo”.

Rotina puxada, mas ainda lendo

Certo, mas se seu tempo for escasso para a leitura, ainda assim é possível desenvolver o hábito em grupo? Talvez o clube de leitura Burnoutinho seja uma boa solução. Há  alguns anos, sempre no mês de janeiro, a idealizadora da ação, a psicanalista Larissa Vasconcelos, faz uma lista de livros que gostaria de conferir ao longo dos próximos 12 meses. 

No começo de 2023, decidiu jogar uma garrafa no mar e perguntar aos amigos quem gostaria de lhe acompanhar nessa tarefa. “E assim foram chegando os amigos dos amigos, e o clube virou uma boa desculpa para se encontrar em algum lugar mensalmente para comer coisas gostosas, tomar uma caipirinha e falar de livros. Hoje somos cerca de 15 pessoas”, conta.

Além de engraçado, o nome do clube tem tudo a ver com a proposta dele. Trata-se de uma brincadeira com a situação de muitos integrantes – a maioria, jornalistas – com rotina de expediente bastante puxada. Logo, se já não bastasse as chances de desenvolver burnout – distúrbio emocional com sintomas de exaustão extrema resultante de situações de trabalho desgastante – ainda há um grupo de leitura para dar conta. Mas, desse, ninguém reclama.

“O clube não tem tema e a escolha dos livros se dá de forma bastante livre: os participantes indicam o que querem ler e todos votam. A única exigência é que o livro escolhido ainda não tenha sido lido por ninguém dentre os votantes”.

Ano passado foram seis livros lidos. O momento mais legal, segundo Larissa, é quando a turma decide os locais onde acontecerão os encontros. O critério é ter alguma relação com o livro do mês. Quando conferiram “Aos prantos no mercado”, por exemplo, romance da americana Michelle Zaune, a reunião foi na praça do mercado do Joaquim Távora.

“Acho que as pessoas estão em busca de trocas verdadeiras, interlocuções mais consistentes que talvez, por um tempo, as redes sociais nos fizeram acreditar que experimentávamos. Não é só sobre postar fotos das leituras que estamos fazendo e receber um comentário ou outro sobre aquele fato. É sobre trocas mais consistentes”.

Para 2024, a meta é manter melhor a periodicidade e chegar a mais pessoas, para além dos amigos da idealizadora. “Acho que a primeira coisa que se transformou em mim foi o ritmo da leitura. Como tenho um prazo para concluir o livro, adoto uma postura mais disciplinada. Também insisto em algumas leituras que talvez deixasse pela metade, não fosse o compromisso com o coletivo. Sigo na leitura, mas ocupada em elencar meus incômodos para debater com o grupo”.

Como montar um clube de leitura

Se você se interessou em participar ou, quem sabe, até em montar um clube de leitura, não é difícil. As dicas são dos nossos próprios entrevistados. Maria Camila Moura enfatiza que a recomendação para qualquer mediador é estudar e pesquisar, se tornar íntimo do livro que será abordado. “O mediador tem de ser uma bússola para o leitor - por isso não recomendo o que alguns mediadores fazem, como ‘ler junto’ com os leitores”.

Para ela, as pessoas buscam um clube de leitura não apenas para ler, mas também para ter direcionamento, comunidade e um local de debate frutífero. Por isso, o mediador precisa de um repertório amplo, tanto de outras leituras como também noções de filosofia, sociologia, arte, história, psicologia etc. 

“E, sobretudo, pesquisa: ler o que a fortuna crítica já falou sobre uma determinada obra, ler artigos, ensaios, biografias do autor. Depois, é preciso pensar em uma metodologia, de como transmitir aos leitores a síntese de todo o conhecimento extraído da obra. Enfim, o mediador precisa dosar bem o conhecimento teórico com a sensibilidade prática em repassar esse conhecimento, mas sem fechar as portas para que os próprios leitores façam suas reflexões”.

Airton Correia Junior, por sua vez, acha que o mais importante é saber o que quer, que formato o clube terá, se terá algum tema específico, tipo de literatura, qual a periodicidade, como irá divulgar e, especialmente, fazer com que as pessoas que estão chegando se sintam acolhidas para que queiram continuar. 

Por fim, Larissa Vasconcelos é bastante prática: “Acho que o mais importante é tentar não dar um passo maior que as pernas na escolha de livros. Eles têm um número de páginas que é possível ler no período escolhido? É um livro fácil de encontrar, tem um preço razoável?”.