Cidade de Deus retorna em formato de série: 'me interessa menos a violência e mais o efeito dela'

Exibido no Festival de Cinema de Gramado, primeiro episódio da série “Cidade de Deus: A Luta Não Para” traz diálogos com o filme de 2002 e aponta para novos caminhos

Indicado em quatro categorias do Oscar, o filme “Cidade de Deus” (2002) se tornou um marco do cinema brasileiro e gera discussões até hoje, principalmente sobre as abordagens narrativas utilizadas para registrar as histórias dos moradores da Zona Oeste do Rio de Janeiro. O longa é inspirado no livro de Paulo Lins e teve direção de Fernando Meirelles e Kátia Lund.

Agora, a história ganhará uma continuação em formato de série de TV de seis episódios, ambientada 20 anos após os acontecimentos do filme. “Cidade de Deus: A Luta Não Para” tem produção da O2 Filmes e reúne parte do elenco original, incluindo o personagem Buscapé (Alexandre Rodrigues), que agora é um talentoso fotógrafo profissional que registra os embates diários entre moradores e polícia.

Segundo o cineasta Aly Muritiba, que divide a direção dos episódios com Bruno Costa, foi essencial decidir com cuidado sobre a temporalidade e a ambientação da série para evitar repetições e pensar os conflitos. Por isso, a equipe decidiu estudar a história da CDD no começo dos anos 2000 em busca de inspiração para a trama inédita.

“O livro e o filme são crônicas de uma determinada comunidade, num determinado período de tempo, os anos 70 e 80, e essa comunidade seguiu existindo. Então, contar uma nova história e fazer mais uma crônica daquele lugar me parecia algo coerente e possível, desde que a gente escolhesse um ponto de vista diferente do que havia sido feito pelo Paulo Lins, pelo Fernando Meirelles e pela Kátia Lund”, afirma Muritiba.

Exibido fora de competição durante o 52º Festival de Cinema de Gramado, o episódio piloto da série se utiliza da estilização marcante do primeiro filme, reproduzindo o ritmo dinâmico da narração, os cortes rápidos e diferentes tomadas de câmeras. Para Muritiba, as escolhas estéticas ajudam o público a reconhecer a dinâmica que é característica ao filme, mas que devem se diluir em outras propostas de linguagem.

“Aos poucos e ao longo dos episódios, essa estética vai sendo gradativamente deixada e passamos a acompanhar uma abordagem muito mais a ver com o cinema que eu faço, que é um pouco mais contemplativo, com muitos planos-sequências. Diante de tudo que foi discutido a respeito do filme, acerca de suas muitas qualidades e sua abordagem estética da vida da comunidade, tudo isso reverberou em nós quando estávamos escrevendo os roteiros e discutindo a estética”, diz Muritiba.

Inspiração e renovação

No episódio de apresentação, Buscapé relembra o que aconteceu com os outros personagens no filme e, em especial, nos últimos, para situar o espectador em quais circunstâncias cada um deles está agora.

Personagens inéditos também surgem, como a Jerusa interpretada por Andréia Horta, responsável por libertar um jovem traficante (papel de Thiago Martins) da cadeia e recolocá-lo de volta no jogo.

“Muito embora haja violência porque a vida nas comunidades infelizmente ainda é permeada pela violência, a perspectiva da nossa série é a perspectiva do morador, então me interessa menos a violência e mais o efeito da violência na vida das pessoas. Nesse sentido, a estética é muito mais crua, cotidiana e menos estilizada do que o filme, e esse é um dos seus grandes méritos”
Aly Muritiba
Diretor

Com data de lançamento marcada para o dia 25 de agosto na plataforma de streaming Max e no canal HBO, “Cidade de Deus: A Luta Não Para” também traz de volta as atrizes Roberta Rodrigues e Sabrina Rosa, duas personagens que terão uma participação mais incisiva na trama.

“Já que o filme contava a história principalmente da criminalidade e da violência dentro da perspectiva masculina dentro daquela comunidade, agora na série a gente também iria falar de violência, mas principalmente falar de resistência dentro daquela comunidade. E gradativamente nós íamos mudar o foco do protagonismo para que ele fosse menos masculino e mais feminino, e é o que a série faz”, finaliza o diretor.

*Colaboração especial para o Verso do Festival de Gramado