Quem planeja uma festa de casamento sabe das dificuldades de encontrar tudo quase perfeito para o grande dia. Dos detalhes de decoração à celebração, o momento é aguardado com ansiedade pelos noivos que querem celebrar o amor. Desejando uma cerimônia mais personalizada, uma profissão tem despontado como tendência no ramo: celebrantes de casamento.
Na busca pela celebração do próprio casamento, em 2014, Naira Oliveira se deparou com a dificuldade de não encontrar alguém que realizasse a cerimônia sem cunho religioso ou de forma genérica. “Eu não queria um discurso idealizado sobre o amor, porque não é nisso que eu acredito, nem algo que pudesse me agredir, de eu ter que ser submissa e eu não achei essa pessoa”.
Por isso, foi ela quem escreveu o texto da cerimônia e pediu a dois amigos que fizessem a condução. Apesar de ter sido um momento sublime e retratando a verdade do casal, Naira conta que sentiu falta de algo mais profissional, porque, para ela, a celebrante tem o poder de evocar e resgatar a essência do evento.
“Eu sempre tive afinidade com a escrita então eu decidi me tornar essa pessoa. Sete anos atrás eu estava celebrando minha primeira cerimônia, eu casei em maio e a primeira foi em dezembro”, relata.
No começo, Naira conciliava as celebrações com a profissão de analista de Comércio Exterior, até ser demitida da empresa onde trabalhava após retornar da licença maternidade.
Perspectivas individuais
Esse processo para ‘conectar pessoas com a força de seus encontros e de seus afetos’ é iniciado com um questionário respondido pelo casal interessado na celebração para que ela possa conhecer mais dos noivos.
Após esse momento, Naira se reúne com o casal em um bate-papo. “A ideia é transformar essa trajetória em algo mais leve e pra que eles relembrem a história do casal. É impressionante como as pessoas esquecem detalhes das próprias histórias, então acaba sendo um momento bem bonito. A cerimônia não é só o grande dia, é muito sobre o processo também”, destaca.
A ideia, ainda de acordo com Naira, é que sejam realizados encontros com cada parte do casal individualmente.
“Acredito muito na individualidade do casal, casamento não é se tornar um. É muito bonito quando a gente olha pra essas pessoas como um indivíduo único, a perspectiva que um tem sobre a outro”.
Relatos de amor
Quem também se debruça nessas histórias é a jornalista Luciana Barroso. Em 2019, ela decidiu de última hora fazer uma festa para o casamento e, sem encontrar profissionais disponíveis para a data, convidou um casal de amigos para a celebração.
“Esse foi meu primeiro contato com o universo das celebrantes. Eu curti tanto as coisas do casamento e comecei a pesquisar sobre, tinha muito do olhar jornalístico, mas uma sensibilidade maior. Na época, tava concluindo uma pós-graduação em Escrita Literária e meu trabalho de conclusão eram crônicas sobre amor, então tudo casou”, afirma.
Porém, em 2020, quando decidiu tentar a nova profissão, veio a pandemia. Nesse período, sem fazer celebrações, Luciana conta que aproveitou para estudar sobre o assunto, fez cursos, iniciou a faculdade de Psicologia, até que em janeiro de 2021 fez a primeira celebração profissional.
“Não parei mais e cada casal que eu conheço tem uma história que me envolve, por mais comum que o casal se ache, a história tem uma delicadeza que é só deles. A fase inicial é uma delícia, eu fico querendo ficar amiga de alguns casais, delicioso ouvir as histórias”.
Assim como Naira, Luciana também realiza entrevistas com os casais para conhecer mais da história e poder colocá-las em palavras. Porém, faz um encontro pessoalmente com o casal antes de fecharem o contrato para “bater as energias”. “Quero que eles tenham certeza que me querem contando essa história”.
“A partir daí monto esse texto com tudo o que eu coleto deles, busco referências do que me deram, livro, filme, música, esporte, coisas que o casal se identifica e mesclo com a história deles”, explica
Do café ao altar
Insatisfeita com a profissão, Juliana Julião decidiu se reinventar, fechou a cafeteria que comandava e se tornou celebrante. Para isso, dedicou-se a estudar e entender como funcionava a celebração, já que é preciso saber celebrar. “A gente se prepara bastante pra chegar ali segura e entregar o melhor pro casal, não é só um bom texto”.
“É preciso entender a dinâmica de celebração, como acessar às pessoas, como entregar a versão da história, como inserir a essência do casal em cada celebração. A nossa grande função é inserir essa personalidade, ao mesmo tempo que é se enxergar dentro daquele ritual, dentro daquele simbolismo”.
Dentro das conversas que realiza com o casal, Juliana conta que parte importante desse processo para ela é reparar nas reações quando deparados com as perguntas. "Nessa conversa a gente aborda alguns temas que eu vou guiando, mas não vou manipulando. A gente fala do encontro deles, da história, do que acreditam para o casamento, de onde vieram”.
Mergulho nas histórias
O mergulho nessas histórias faz Juliana se sentir como uma guardiã desses relatos e encara como uma grande responsabilidade, já que não tem segunda chance nem ensaio, e são, geralmente de pessoas desconhecidas.
“Pra mim, é um grande presente, esses casais entregam a mim o que têm de mais precioso: a história. A função celebrante culmina no dia do evento, mas é só uma ponta do processo. A gente vem desde o primeiro encontro construindo essa relação, é uma honra merecer essa confiança”.
Já Naira pondera que ser celebrante é colocar a escrita em favor de algo muito importante. "O casamento é um daqueles momentos que as pessoas lembram pro resto da vida e a cerimônia tem muito potencial de ser algo que marca os noivos e os convidados pra sempre”.
A profissão, para Luciana, renova as esperanças, pois enxerga novos amores. Além disso, ela destaca que tem sido um processo de muito aprendizado, tanto para ela quanto para os casais. “Num desses encontros, o noivo me falou que numa relação de casal é preciso dizer o óbvio, não é só sobre o outro achar que você gostou. Tomei aquilo pra mim”.
Ter uma cerimônia personalizada e conduzida por uma celebrante, custa a partir de R$ 3,5 mil, segundo as profissionais. Os preços variam conforme o pacote contratado.
Fora do lugar comum
As celebrantes destacam que as cerimônias assim saem do lugar comum, já que não têm cunho religioso nem para efeitos civis e afirmam perceber uma demanda crescente pelo gênero. “Vejo que os casais estão cada vez menos se identificando com discursos machistas, homofóbicos ou idealizados”, pondera Naira.
“O meu discurso não é só poético, é um discurso sobre o amor possível. O relacionar passeia por valores assim, que fazem sentido um pro outro, por isso que a celebração não toca só os noivos, toca o coletivo. Um manobrista uma vez veio me dizer que ficou bastante tocado com a cerimônia”.
Luciana pontua ainda que essa busca pode estar relacionada com as limitações do casamento em uma religião. Para a Igreja Católica, por exemplo, a união de marido e mulher só pode acontecer uma vez.
“A Igreja não prestigia o casamento homoafetivo e eles têm sim direito de celebrar seu amor, não prestigia a segunda união. O que eu acho que é essa busca, além de ser pelo texto personalizado, é que não vai haver o risco de alguém errar seu nome no altar, você não exclui ninguém, é muito inclusivo”.
Por sua vez, Juliana destaca que é preciso compreender o que faz sentido para o casal: seja uma cerimônia religiosa ou não. "Tem casais que sentem a necessidade de passar por um ritual mas não congregam de nenhuma fé, não entende casamento como algo burocrático e é aí que a gente entra", conclui.