Brasil no Oscar: conheça a trajetória do país na maior premiação do cinema

Desde 1945, produções nacionais são indicadas ao prêmio em diferentes categorias

Embora ainda não tenha conquistado nenhuma estatueta na maior premiação do cinema, o Brasil possui uma ampla trajetória de indicações ao Oscar. Neste ano, a cerimônia de anúncio dos vencedores acontece no dia 25 de abril e, desde já, otimiza olhares sobre o panorama de produções que marcaram a história da honraria até aqui.

Tratando-se do caso tupiniquim, desde 1945 os filmes nacionais integram a lista de indicados ao prêmio, reconhecimento que se estende até hoje. Contudo, de acordo com o jornalista e crítico de cinema Diego Benevides, talvez o momento em que o País esteve mais próximo de ser laureado foi em 1999, com “Central do Brasil”, de Walter Salles.

“Possivelmente, a indicação de Fernanda Montenegro como Melhor Atriz pelo filme, também indicado a Melhor Filme Estrangeiro, nos deu muita esperança de que a Academia consagrasse o cinema brasileiro”, observa.

“Além disso, as quatro indicações de ‘Cidade de Deus’ também foram expressivas e posteriormente decepcionantes, já que a Academia o ignorou completamente na premiação. São dois filmes com trajetórias riquíssimas não só no Brasil, mas também reconhecidos no exterior até hoje”.

Ele também recorda a derrota de “O Pagador de Promessas”, longa de Anselmo Duarte (1920-2009) que, em 1963, após conquistar a Palma de Ouro no Festival de Cannes, não teve o mesmo caminho de reconhecimento no Oscar. “Até hoje, o Oscar observa o desempenho de filmes estrangeiros em festivais com o porte de Cannes e similares”, considera.

O mesmo pode-se dizer de “O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias” (2006), de Cao Hamburger, que ficou na pré-lista dos últimos nove indicados pela Academia, mas não apareceu na lista final. Todas essas produções representam momentos distintos, com trabalhos especiais por diferentes razões, mas sem concretizar a tão esperada vitória. 

Um cinema de qualidade

Ao se debruçar sobre a filmografia brasileira – descrita pelo crítico como “de uma riqueza absurda” – Diego Benevides afirma que as produções nacionais não deveriam ser pensadas a partir de seu (não) reconhecimento pelo Oscar. Apesar de a honraria ainda ser vista com extremo prestígio por se tratar da principal premiação do setor, outros fatores devem ser considerados.

“Em nenhum momento significa que o nosso cinema não seja importante ou reconhecido em outros festivais e eventos de cinema. Neste ano, por exemplo, a categoria de Melhor Filme Internacional recebeu 93 submissões, o que é um montante expressivo considerando uma única categoria – ainda que eles também possam receber indicações nas demais”, salienta.

Todos os inscritos passam por comissões específicas até a formação de uma pré-lista de indicados, que faz a “peneira” desse montante e elege os que se mantêm na votação. Durante esse processo, várias obras de qualidade acabam se perdendo por inúmeros motivos, conforme Diego. Outras que conseguem ter uma trajetória de festivais mais expressiva ou mesmo um trabalho de divulgação mais incisivo entre os votantes podem ser priorizadas. 

“Particularmente, acredito que essa categoria ainda não conseguiu estabelecer uma dinâmica complexa o suficiente para garantir que todos os indicados possam ser vistos e analisados de forma justa, o que faz com que a fala de Bong Joon Ho, diretor de ‘Parasita’, no Globo de Ouro do ano passado, faça muito sentido. Premiações desse calibre ainda precisam superar algumas barreiras quanto ao acesso e à apreciação de obras estrangeiras, descentralizando o interesse apenas por filmes falados em inglês”, defende o crítico.

O caso de “Babenco”

Quando indagado sobre o caso da mais recente produção que ficou de fora da corrida do Oscar – o documentário “Babenco - Alguém Tem que Ouvir o Coração e Dizer: Parou”, de Bárbara Paz – Diego Benevides explica que não consegue dizer por quais motivos o filme não foi indicado para além do que já explicou sobre o funcionamento da categoria Melhor Filme Internacional.

“Não tenho acesso aos processos internos de análise da categoria, então estou na posição de comentarista externo. Acredito, no entanto, que a comissão que escolheu o representante brasileiro para o Oscar fez um trabalho coerente diante das opções, sobretudo pensando na possibilidade de também concorrer na categoria de Melhor Documentário (ano passado, ‘Honeyland’ recebeu as duas indicações, documentário e filme internacional, mas perdeu em ambas)”, compara.

“Também optou por trabalhar o nome de Héctor Babenco, cineasta reconhecido mundialmente, como possível fator de interesse para os votantes da Academia. Além de, claro, ser um belíssimo filme sobre arte, memória e morte”, completa.

O crítico ainda reforça a necessidade de ter em mente que organizar um lançamento no exterior e planejar estratégias de marketing para que o filme chegue na mesa dos votantes, também requer disposição e, principalmente, altos custos. A equipe de “Babenco”, por exemplo, chegou a organizar um financiamento coletivo para isso, mas, ainda assim, não conseguiu converter a indicação. 

“No ano passado, ‘A Vida Invisível’ também fez o possível para penetrar nessa complexidade, também sem sucesso. Para mim, isso só reforça a complexidade da categoria.  Mesmo que a Academia tenha tentado cada vez mais se abrir para a pluralidade de filmes, origens, gêneros e cores, ainda há muito a ser feito para furar definitivamente a bolha de mercado que ainda o caracteriza”, conclui.

13 produções do Brasil que já concorreram ao Oscar

A seguir, confira a lista de filmes e nomes brasileiros que já estiveram na disputa pela premiação.

1. Brasil

A primeira indicação do Brasil ao prêmio da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas veio com “Rio de Janeiro”, composição do mineiro Ary Barroso (1903-1964). A música disputava na categoria Melhor Canção Original pelo musical “Brasil”. 

Apesar do título da película, a produção era americana, estrelada por Tito Guizar (1908-1999) e Virginia Bruce (1909-1982). A criação de Barroso perdeu o prêmio para “Going My Way”, do longa “O Bom Pastor” (1944), de Leo McCarey.

2. Orfeu Negro 

Passaram-se 15 anos até o Brasil figurar novamente na lista de indicados ao prêmio. Ainda assim, não foi propriamente uma conquista nacional. “Orfeu Negro”, filme baseado na peça “Orfeu da Conceição”, de Vinícius de Moraes (1913-1980), conquistou a estatueta de Melhor Filme Estrangeiro em 1959.

A produção tornou-se a primeira em língua portuguesa a conquistar o título. Porém – apesar de retratar o Brasil e ser falado no idioma daqui – o longa concorreu como representante da França, uma vez ser uma coprodução entre os dois países e a Itália.

3. O Beijo da Mulher-aranha

Coprodução entre Brasil e Estados Unidos, o longa de Héctor Babenco (1946-2016) – sobre um diálogo entre dois homens que estão presos no período da ditadura militar nacional –  chegou ao Oscar de 1986, e com grande aposta: era um dos favoritos para receber o prêmio.

Foi indicado nas categorias de Melhor Filme, Melhor Direção, Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Ator. Apenas William Hurt foi premiado por sua performance.

4. O Pagador de Promessas

Desta vez disputando propriamente pelo País na categoria Melhor Filme Internacional – como é chamada hoje essa seção – “O Pagador de Promessas”, de Anselmo Duarte (1920-2009), fez história em 1963. 

Após uma aclamada recepção no Festival de Cannes – onde recebeu a Palma de Ouro, prêmio mais importante da competição – a obra chegou com grande prestígio ao Oscar. Contudo, perdeu para o francês “Sempre aos Domingos”, de Serge Bourguignon.

5. O Quatrilho

Novamente após longa espera, em 1996 o Brasil voltou a ocupar um lugar entre os indicados à premiação. O trabalho da vez foi “O Quatrilho”, de Fábio Barreto, com Glória Pires, Patrícia Pillar, Bruno Campos e Alexandre Paternost no elenco.

O filme – ambientado em 1910, em uma comunidade rural de imigrantes italianos no Rio Grande do Sul – perdeu a disputa para “A Excêntrica Família de Antonia”, dirigido por Marleen Gorris e representante da Holanda.

6. O que é isso, companheiro?

Baseado no livro do jornalista Fernando Gabeira, “O que é isso, companheiro?” foi lembrado pelo Oscar em 1998, repleto de várias coincidências. A primeira é que o longa é dirigido por Bruno Barreto, irmão de Fábio Barreto – diretor de “O Quatrilho”, concorrente em 1996.

A segunda é que o trabalho perdeu a estatueta de Melhor Filme Internacional novamente para um filme holandês. “Caráter”, de Mike van Diem, levou a melhor na disputa.

7. Central do Brasil

Certamente um dos mais lembrados pelo público quanto à corrida pelo Oscar, “Central do Brasil”, de Walter Salles, concorreu em 1999 nas categorias Melhor Filme Internacional e Melhor Atriz, após a aclamada atuação de Fernanda Montenegro na pele da professora aposentada Dora.

Coprodução entre França e Brasil, o filme concorreu por este último país, angariando vários prêmios na época do lançamento – entre eles, o Urso de Ouro, no Festival de Berlim. No Oscar, porém, foi desbancado por “A Vida é Bela”, produção italiana de Roberto Benigni, ao passo que Gwyneth Paltrow levou a estatueta de Melhor Atriz no lugar de Fernanda.

8. Uma História do Futebol

Foi a partir de um curta-metragem que o Brasil chegou ao Oscar de 2001. “Uma História do Futebol”, de Paulo Machline, foi indicado na categoria para produções de até 30 minutos. O trabalho é baseado no livro de José Roberto Torero, destacando uma das paixões nacionais.

Porém, quem levou a melhor foi “Quiero ser (I Want to Be)”, coprodução entre México e Alemanha dirigida por Florian Gallenberger.

9. Cidade de Deus

A história de “Cidade de Deus” no Oscar é, no mínimo, peculiar. Um dos mais aclamados filmes nacionais foi ignorado pela Academia em 2003, quando estreou e foi indicado como representante no Brasil.

Um ano depois, contudo, após grande sucesso da película na Europa e nos Estados Unidos, a organização do prêmio voltou atrás, atribuindo a ele o merecido reconhecimento. Não à toa, o longa concorreu nas categorias Melhor Direção, Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Edição e Melhor Fotografia.

Diante do estrondoso sucesso de “O Senhor dos Anéis - O Retorno do Rei”, a produção de Fernando Meirelles saiu sem nenhuma estatueta, contudo abriu as portas de Hollywood para o cineasta brasileiro, que, anos depois, dirigiu “Ensaio sobre a cegueira” e o recente “Dois Papas”.

10. Rio

A divertida animação comandada por Carlos Saldanha teve a música “Real In Rio”, da dupla Sergio Mendes e Carlinhos Brown, indicada a Melhor Canção Original em 2012.

“Man or Muppet”, do neozelandês Bret McKenzie, uma das faixas presentes no filme “The Muppets”, acabou vencendo, contudo. 

11. O Sal da Terra

Na categoria Melhor Documentário, o País voltou aos holofotes da premiação em 2015 com o lançamento de “O Sal da Terra”, dirigido pelo alemão Wim Wenders em parceria com o brasileiro Juliano Ribeiro

Explorando a vida e a obra do fotógrafo mineiro Sebastião Salgado, a produção perdeu a vitória para “Cidadãoquatro”, de Laura Poitras, sobre a trajetória do analista Edward Snowden.

12. O Menino e o Mundo

Novamente figurando entre as animações, o Brasil, em 2016, chega à Academia com “O Menino e o Mundo”, emocionante trabalho de Alê Abreu sobre a aventura de um garoto em busca do pai.

Apesar da conquista de um Annie Award, a produção foi desbancada por “Divertida Mente”, produção da Pixar dirigida por Pete Docter.

13. Democracia em Vertigem

O documentário de Petra Costa – a respeito do impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff e da ascensão dos discursos de extrema-direita no País – foi um dos destaques no Oscar do ano passado. Trata-se  do primeiro documentário exclusivamente brasileiro a chegar lá.

Apesar da trajetória de prestígio, a produção da Netflix perdeu a estatueta para “Indústria Americana”, de Julia Reichert e Steven Bognar.

Babenco

Neste ano, quem poderia concorrer ao Oscar pelo Brasil era outro documentário, “Babenco - Alguém Tem que Ouvir o Coração e Dizer: Parou”, de Bárbara Paz. O filme foi escolhido para ser o representante nacional, contudo não chegou a figurar na lista de pré-indicados à premiação.

Em relatos marcantes sobre as memórias, amores, reflexões, intelectualidade e a frágil condição de saúde do cineasta argentino naturalizado no Brasil, o documentário revela como o seu amor pelo cinema o manteve vivo por tantos anos.

Casos excepcionais

Além dos exemplos mencionados acima, é interessante relembrar alguns casos excepcionais envolvendo o Brasil na acalorada disputa cinematográfica.

Raoni

O primeiro exemplo é “Raoni”, documentário sobre o cacique homônimo ao título e as tribos indígenas do norte brasileiro. Indicado ao Oscar em 1979, é uma coprodução França, Bélgica e Brasil, com direção e roteiro do belga Jean-Pierre Dutilleux e do brasileiro Luiz Carlos Saldanha. Caso fosse premiado, contudo, nenhuma das estatuetas viriam para o País, e sim para o trio de produtores, todos estrangeiros. O filme perdeu para “Scared Straight!”.

Aventura Perdida de Scrat

Por sua vez, em 2004, o curta-metragem “Aventura Perdida de Scrat”, apesar de dirigido pelo brasileiro Carlos Saldanha, foi registrado na Academia como uma produção americana. Ainda assim, caso vencesse o prêmio, o cineasta levaria a estatueta.

Diários de Motocicleta

No ano seguinte, “Diários de Motocicleta”, de Walter Salles, sobre a trajetória de Che Guevara (1928-1967), apesar de dirigido por um brasileiro, envolveu muitos outros países na produção. Entre eles, Argentina, Chile, França e Estados Unidos. O portorriquenho José Rivera concorreu na categoria Melhor Roteiro Adaptado, ao passo que o uruguaio Jorge Drexler disputou e venceu na categoria Melhor Canção Original, com “Al otro lado del río”.

Lixo Extraordinário

Em 2011, o Brasil emerge novamente na lista de indicados a partir do nome do artista plástico Vik Muniz. Em “Lixo extraordinário”, acompanhamos o trabalho dele em um lixão no Rio de Janeiro. Embora codirigido pelo brasileiro João Jardim, o documentário, na indicação da Academia, registrou os nomes de Lucy Walker e Angus Aynsley, respectivamente diretora e produtor, ambos britânicos. Assim, mesmo se o filme vencesse, o prêmio também não viria para o País.

Me Chame Pelo Seu Nome

Mais recentemente, uma das personalidades mais requisitadas na contemporaneidade em Hollywood, o brasileiro Rodrigo Teixeira foi o produtor de “Me chame pelo seu nome”, de Luca Guadagnino (2018). O longa venceu na categoria Melhor Roteiro Adaptado, contudo, em razão da coprodução Itália, França e Brasil, a estatueta não foi destinada para este último.