Artesanato cearense é destaque em cenário de novela da Globo: ‘Incrível e gratificante’

Criações estão presentes em “No Rancho Fundo”, com grande parte do acervo oriundo da Central de Artesanato do Ceará, a CeArt

Preste bem atenção quando assistir aos próximos capítulos de “No Rancho Fundo”. Você vai se deparar com artesanato cearense no cenário da novela das 18h da Rede Globo. Desde a primeira semana de outubro, quando a personagem Tia Salete (Mariana Lima) abre uma loja na trama, peças feitas por nossos conterrâneos enchem a tela de beleza e graça.

“Achei incrível e gratificante. Nosso artesanato é de uma imensurável riqueza e ele precisa aparecer para todo o Brasil”, compartilha Maria Lúcia Campos, 63, responsável pela feitura de duas toalhas de mesa exibidas no folhetim. Foram cerca de 30 dias para a produção de cada uma. Elas já estavam na Central de Artesanato do Ceará quando foram selecionadas.

É da CeArt, inclusive – equipamento do Governo do Estado – que provém grande parte do acervo exibido na atração global. Entre as seleções estão redes, jogo americano, colchas, cestos de palha de carnaúba, além de pufes, esculturas e móveis. As toalhas de mesa de Maria Lúcia, por exemplo, tiveram preparação mista: uma por um design de uma coleção chamada Colcha de Retalhos; outra por uma artesã da associação na qual ela e várias outras pessoas fazem parte.

Eles são naturais de Jaguaribe, interior do Estado, e têm o artesanato cravado na própria ancestralidade. Aprenderam com as próprias mães a fazer encanto com as mãos de forma a complementar a renda das famílias. A comunidade, no entanto, começou a ganhar destaque em 2016 a partir da criação da associação chamada Artemus.

“Nela, estão as artesãs que desenvolvem várias peças. Nesse sentido, magia com certeza é a palavra certa a ser usada quando falamos de artesanato – principalmente da renda de filé [tipo de bordado sobre uma rede de fios, bastante característico de Jaguaribe]. Costumamos dizer que quem faz é por amor”.

Como as criações chegaram à novela

A forma como toda essa fartura de talentos chegou a “No Rancho Fundo” é interessante. No início do ano, a CeArt recebeu o curador da novela, Marco Aurélio Pulchério, imbuído da missão de identificar diversas peças para utilizar na trama. “Tudo foi levado e agora está sendo exibido da forma como foram produzidos ou mesmo repaginados”.

Quem explica é Onélia Santana, secretária da Proteção Social. Segundo ela, a aceitação foi tamanha que, no fim deste mês de outubro, os itens – em número de 290 de 50 diferentes nomes cearenses – serão comercializados nos estúdios da Rede Globo. Não deixa de ser mais uma conquista para nossos artesãos e artesãs.

Neste ano, o artesanato cearense foi comercializado na Casa Cor São Paulo, maior evento de arquitetura e design da América Latina. E, no ano passado, um grupo de artesãos expôs no Carrossel do Louvre, em Paris. “São ações importantes para apresentar nossos produtos com o potencial que eles realmente têm”, mensura Onélia.

Ainda de acordo com a secretária, atualmente são cerca de 40 mil artesãos cadastrados no Estado, com direito à qualificação e assessoramento no desenvolvimento dos próprios produtos. O foco é claro: dar visibilidade, valorizar e promover a comercialização dos produtos do jeitinho que merecem.

“Ter produtos cearenses em uma novela da Globo é apresentar nosso artesanato de forma sofisticada, o artesanato como um produto com valor agregado. É mostrar um produto acessível e, principalmente, de qualidade”.

Do ateliê para a Globo

Outro artesão com peças na novela é Cícero Evânio, 32, conhecido como Panta Tavares. Foi das mãos dele que saiu a imagem de Santo Antônio presente no cenário, inspirada nos santos do pau oco – expressão relacionada ao Brasil Colonial, quando as imagens de santo eram utilizadas para contrabandear ouro e pedras preciosas.

O exemplar foi esculpido em dezembro do ano passado e finalizado naquele mesmo mês. “Tive que acelerar um pouco o processo pois havia uma certa urgência para concluir a obra. Eles já estavam começando a gravar a novela”, explica Panta, natural de Juazeiro do Norte e no ofício de escultor desde 2011.

O primeiro contato com o objeto de trabalho se deu por meio do Centro de Cultura Mestre Noza, onde Panta teve a oportunidade de conhecer e praticar a arte. Depois de quase três anos trabalhando com arte popular, teve curiosidade e paixão súbita por arte sacra ao conhecer o mestre Edival Rosas, juazeirense especialista no segmento, criador de belíssimas obras presentes em várias igrejas de Salvador.

“Ele me apresentou o complexo mundo por trás das artes com o fascínio de uma criança. Aquilo me encheu os olhos e preencheu minha existência”, partilha o pupilo. Depois disso, Panta também foi convidado a apresentar o próprio trabalho e a representar o Brasil na Áustria em 2019 no World Wood Day, um encontro de escultores.

Recentemente, também esteve em Portugal para estudar e ver de perto as obras barrocas as quais dedica o trabalho que desenvolve. Questionado sobre como espera que a exibição das peças na novela possa volver um olhar mais inspirado sobre o artesanato cearense, é enfático: “Que pessoas de todo o Brasil vejam que aqui no Ceará está um dos maiores celeiros artísticos do país”. 

Ao que a colega Maria Lúcia Campos completa: “Que todos possam valorizar nosso artesanato e vejam que isso pode ser uma fonte de renda. Que esse sentimento de valorização esteja até mesmo com as artesãs que, muitas vezes, não acreditam que podem chegar tão longe”.