Lei Maria da Penha completa 14 anos com duas alterações importantes e desafios para ser aplicada

As leis nº 13.984, de abril, e nº 14.022, de julho, obrigam agressor a frequentar centros de educação e de reabilitação, para diminuir a reincidência da violência, e garantem a manutenção da rede de proteção às vítimas de violência doméstica e familiar durante a pandemia de Covid-19

A Lei Maria da Penha (nº 11.340/2006) celebra nesta sexta-feira, 7, 14 anos de existência. Principal instrumento jurídico no combate à violência contra a mulher, a legislação recebe constantes atualizações ao longo do tempo para se adequar à atualidade, se fortalecer e se aproximar de quem mais precisa do amparo, que vai muito além do jurídico. 

Só neste ano, ocorreram duas adaptações significativas: a primeira em 3 de abril, na lei nº 13.984, e a segunda em 7 de julho, na lei nº 14.022. 

A de abril tornou obrigatório agressores frequentarem centros de educação e de reabilitação e serem acompanhados psicossocialmente para evitar a reincidência dos crimes.

“Essa alteração vem buscar resgatar o agressor. Não se está justificando. A intenção é ressocialização. Onde a gente vê que tem esse acompanhamento, os índices (de violência contra a mulher) diminuem consideravelmente”, explica a presidente da Comissão da Mulher Advogada da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-CE), Christiane Leitão.

Para Jeritza Braga, supervisora do Núcleo de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher da Defensoria Pública em Fortaleza, a alteração “vem em muita boa hora” num contexto em que se busca desestruturar de vez o machismo e a cultura patriarcal. 

“Essa mudança de cultura não vai vir apenas com punição ao agressor. Tem que educar”, compreende a defensora, lembrando que, mesmo assim, as campanhas educativas devem continuar comunicando às vítimas seus direitos. Ela argumenta: “Se não trabalhar o agressor, dificilmente ele entra em outro relacionamento menos violento. O que a gente sempre escuta das assistidas é isso, que muitas vezes eles já têm outros B.Os (boletins de ocorrência)”.

Assistência durante a pandemia

A outra alteração na legislação, de julho, assegura a continuidade do funcionamento habitual dos órgãos que compõem a rede de assistência às vítimas amparadas pela Lei Maria da Penha. Além disso, inclui no grupo de amparados contra a violência doméstica e familiar idosos, pessoas com deficiência, crianças e adolescentes.

“A gente viu que esse problema se agravou em razão do isolamento social (necessário para diminuir o contágio da Covid-19). Sempre existiu, mas, na hora em que juntou todo mundo em casa…”, observou a advogada Christiane Leitão.

Socorro França, secretária da Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos (SPS), lembra que a Lei Maria da Penha “garante atendimento para casais de mulheres, transsexuais e travestis” e que a rede protetiva do Ceará atende 24 horas. “Não paramos”, garantiu a gestora. 

Vinculada à SPS, a Casa da Mulher Brasileira, referência na proteção à mulher vítima de violência doméstica e familiar, fez 5.403 atendimentos a mulheres em situação de violência entre março e junho deste ano, durante a pandemia de Covid-19. Apesar de o número ser menor do que o registrado no mesmo período de 2019, que contabilizou 6.012 atendimentos, não significa que a violência diminuiu. “Tivemos subnotificação”, admite Socorro França.

“A Casa da Mulher Brasileira continua funcionando para acolher, encaminhar e orientar mulheres do Ceará. É importante, neste momento de pandemia em que estamos distantes, mas, não, sozinhas, procurar ajuda. Ligar 180 ou 190”, reforça a coordenadora do equipamento, Daciane Barreto.

Desafios da Lei Maria da Penha

Tanto Christiane Leitão como Jeritza Braga defendem que um dos principais desafios para efetivar a Lei Maria da Penha é manter os serviços prestados e equipar melhor estados e municípios com órgãos essenciais para a assistência às vítimas, como delegacias especializadas, centros de referência e juizados. “Como advogada, sinto essa necessidade. Os juizados só não atendem mais porque não têm estrutura”, compartilha a jurista. 

Já Jeritza reforça que a situação precária do Interior requer atenção. “A Lei Maria da Penha é um patrimônio para nós, mulheres, e precisa ser efetivada em sua integralidade”, disse.

Lei Maria da Penha

A Lei Maria da Penha foi criada em 7 de agosto de 2006 no intuito de criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Maria da Penha é uma farmacêutica cearense que sofreu dupla tentativa de feminicídio em 1983 pelo seu então companheiro.