Grupo que matou tubarão em Cascavel pode responder por crime ambiental; entenda o que diz a lei

O animal foi morto no último domingo (14). Os envolvidos podem receber pena de até um ano de detenção, além de multa por crime ambiental

Pescadores da praia do Balbino, em Cascavel, no litoral cearense, que aparecem em vídeo matando um tubarão e o arrastando pela orla poderão responder por crime ambiental. As imagens foram gravadas por banhistas no fim de semana e divulgadas na internet. A Superintendência Estadual do Meio Ambiente do Ceará (Semace)  disse que “tomou conhecimento sobre o ocorrido e que atuará em cooperação com a Polícia Ambiental para punição dos envolvidos, sem prejuízo de outras instituições também legalmente competentes para tanto como a Polícia Civil e o Ministério Público Estadual”. 

A Polícia Civil esclareceu que a Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente (DPMA) instaurou procedimento policial para apurar a morte do tubarão. “Imagens da captura e das agressões ao animal, que foram postadas em redes sociais, são analisadas pela PCCE. Equipes da delegacia especializada já foram ao local e iniciaram as diligências. Mais detalhes serão divulgados em momento oportuno para não comprometer o trabalho policial”, pontuou a nota. 

O chefe de fiscalização do Ibama, Miller Holanda, detalhou que o órgão também coleta informações para  localizar os responsáveis. "Toda a cena que foi montada, a forma como aconteceu, a gente entende que foi uma atuação desnecessária das pessoas que estavam lá", afirmou.

O que diz a Lei de Crimes Ambientais

O tubarão da espécie Carcharhinus leucas, popularmente conhecido como tubarão-cabeça-chata, foi tirado da água e morto na faixa de areia no último domingo, dia 14. Conforme a Lei de Crimes Ambientais, abusar, maltratar ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos, é considerado crime ambiental (artigo 32). A pena pode chegar a um ano de detenção, além de multa, cujo valor é definido judicialmente. 

A Secretaria de Agricultura, Pesca, Meio Ambiente e Defesa Civil de Cascavel, manifestou repúdio ao que classificou como um "ato de violência contra o tubarão". Já a Associação dos Moradores do Povoado de Balbino ressaltou que vai apurar os maus-tratos ao animal e fornecer apoio à Polícia. “Não nos furtaremos da responsabilidade que nos cabe, enquanto associação reconhecida pela sua história de luta pelo bem-viver nestas terras", afirmou a associação em postagem nas redes sociais. 

Contudo, o chefe de fiscalização do Ibama ressalta que a prática de pesca do peixe não é proibida, pois a espécie não corre risco de extinção. "Para a atividade pesqueira, ele estaria liberado", pontua.

Segundo Holanda, o Ibama já registrou casos de venda de carne de tubarão ameaçado de extinção, o que, sim, é problemático. Para ele, a população, pela falta de contato com animais do tipo, reagiu de forma inesperada. "As pessoas não têm esse grau de formação necessária para lidar com a situação (o aparecimento de um tubarão) — até porque é um evento raro na nossa costa —, e isso gerou uma certa 'convulsão' na beira na praia". 

Procedimento distinto da pesca

O professor Vicente Faria, da Universidade Federal do Ceará (UFC), classificou o incidente como violento. "Ali, realmente nada, nenhum procedimento foi feito em relação à pesca; virou um 'corredor polonês'", comentou, indicando que a ação de arrastar o animal pela areia, além de um simbolismo de violência, compromete a qualidade do pescado.

Por haver uma diferença entre os processos comuns após a captura, o chefe de fiscalização do Ibama frisou a necessidade de o caso ser investigado.

"É aquela história: temos de separar até onde foi o crime ambiental e onde foi a pesca. Por enquanto, a gente não acredita que tenha sido pesca, mas vamos ver se resta ser comprovado mesmo se foi simplesmente uma pesca ou uma matança", destacou.

Espécie do tubarão é comum

Miller explica que o tubarão cabeça-chata não está ameaçada de extinção, como os tubarões tigre ou lixa. O professor Vicente Faria acresceu que o espécime era uma fêmea, a qual pode chegar a 2,3 metros de comprimento.

A espécie é costeira em águas de todos os oceanos e pode ser encontrada de Nova York a São Paulo em águas rasas, com menos de 30 metros de profundidade, até mais profundas, com no mínimo 152 metros.

Apesar disso, o peixe também pode penetrar livremente em água doce, tendo sido registrado em grandes lagos do mundo. "É um tubarão muito 'versátil', que pode chegar às águas mais rasas e entrar nos rios", explicou, incluindo que a espécie já foi avistada até no Amazonas.

Embora a espécie se distribua em diversos locais, Holanda aponta que há poucos registros do peixe no Ceará, o que o levou a considerar a aparição como um "fato isolado". No Brasil, entretanto, o tubarão cabeça-chata é achado em maior quantidade no estado de Pernambuco, onde há mais registros de ocorrências. "Acaba tendo acidente porque parece que há uma população mais numerosa lá no litoral de Recife".

O funcionário do Ibama ressalta que, apesar de ser bem difícil de ocorrer na nossa costa, as pessoas devem tomar cuidado com o peixe, que se alimenta desde peixes e tartarugas até pequenos mamíferos e aves marinhas. "Nas próximas vezes, a população, ao avistar o animal, que apenas saia da água e comunique as autoridades para monitorá-lo, porque a tendência é o animal se afastar e ir embora", asseverou.

Crimes ambientais 

A Diretoria de Fiscalização (Difis) da Semace garantiu que nenhum crime desta natureza havia sido denunciado ou flagrado nos últimos dois anos. Ainda segundo a Difis, em 2019, os crimes mais comuns foram “construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar estabelecimentos, atividades, obras ou serviços utilizadores de recursos ambientais, considerados efetiva ou potencialmente poluidores, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, em desacordo com a licença obtida ou contrariando as normas legais e regulamentos pertinentes”. 

Somente naquele ano, foram 217 autuações desta natureza. Já no ano passado, o crime mais recorrente foi o de “ter em cativeiro ou depósito espécimes da fauna silvestre nativa sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade ambiental competente”. Ao todo, foram 273 autuações.  

Em 2020, inclusive, os crimes ambientais no Estado tiveram um significativo aumento, mesmo com o cenário de pandemia. O salto foi de 529% no valor de multas ambientais aplicadas em comparação com o ano de 2019. O ano passado fechou mais de 46 milhões de reais multas ambientais aplicadas. Já em 2019, ainda sem o cenário de pandemia, as multas somaram 8,7 milhões de reais.  

A Difis ressalta que, em 2021, esses números podem aumentar com a integração junto ao Batalhão de Polícia de Meio Ambiente (BPMA) nas atividades de fiscalização. “Vai dar mais agilidade ao atendimento de denúncias e fortalecer o combate aos crimes ambientais”, explica Carolina Braga, gestora de fiscalização da Semace. O Diário do Nordeste questionou ao BPMA quais os crimes mais recorrentes em 2020 e 2019 e o volume de autuações. No entanto, o órgão não respondeu.  

Como denunciar

Os canais de atendimento para registros de denúncias na Semace são os fones 0800.275 2233 (Disque Natureza), ou (85) 3101.5520 (Ouvidoria da Semace). A denúncia também pode ser feita pelo site www.ouvidoria.ce.gov.br ou através do aplicativo da Semace Mobile.