O governo iraniano encerrou as atividades da “polícia da moralidade”, que patrulhava as ruas para conferir o cumprimento das regras de vestimenta e moral das mulheres no País, neste sábado (3). A decisão acontece a quase 3 meses de protestos devido à morte da curdo-iraniana Mahsa Amini, de 22 anos.
Mas quando surgiu essa lei, como funcionava o patrulhamento e em que nível as mulheres eram punidas? Confira algumas respostas e o contexto histórico iraniano nesta reportagem. As informações são do portal G1.
No caso de Mahsa Amini, a jovem foi abordada por supostamente violar as regras em relação às roupas, que exigem o uso de véu e de vestimentas largas. Em meio à pressão popular, o fim do patrulhamento foi anunciado pelo procurador-geral Hojatolislam Mohammad Jafar Montazeri.
Mesmo com o encerramento das atividades da polícia da moralidade, Montazeri anunciou que o governo ainda analisa a obrigatoriedade do véu, mas não antecipou se a lei será modificada.
As autoridades iranianas já haviam anunciado essa análise da lei de 1983 sobre o uso obrigatório do hijab, que o véu islâmico. Mas os protestos que acontecem desde 16 de setembro deste ano, quando Mahsa Amini morreu, deram agilidade às mudanças.
Com os movimentos nas ruas, mais mulheres saem de casa sem o véu, principalmente, na zona rica de Teerã, ao norte. O mais forte partido reformista do Irã também pediu o fim da obrigatoriedade do uso do véu no dia 24 de setembro.
O balanço mais recente divulgado pelo general iraniano Amirali Hajizadeh, da Guarda Revolucionária, aponta mais de 300 mortes nos protestos. O número verdadeiro pode ser maior do que o dobro disso, conforme organizações não governamentais.
A onda de protestos permanece ainda com o registro de violência sob o slogan "mulher, vida, liberdade". As mulheres lideram os movimentos, nos quais gritam palavras de ordem contra o governo, tiram e queimam os véus.
Isso acontece em memória à Mahsa Amini, que teria sido detida por deixar parte dos cabelos à mostra ou por não usar corretamente o véu.
A família da vítima denuncia que a jovem morreu depois de ser espancada sob custódia do patrulhamento, mas autoridades alegam que a causa do óbito está relacionada a problemas de saúde.
Os protestos também aconteceram durante uma sessão do Parlamento Europeu, onde uma parlamentar da Suécia cortou o cabelo em solidariedade às mulheres iranianas. Artistas na França repetiram o gesto.
A seleção do Irã não cantou o hino nacional na estreia na Copa do Catar numa maneira de unir forças aos manifestantes do País. Torcedores na Copa também protestaram nos estádios e parte foi coagida pelos seguranças.
Quando surgiu a lei do véu?
O uso obrigatório do hijab por mulheres iranianas e estrangeiras, que precisam cobrir o cabelo e usar vestimentas largas, acontece desde 1983. Isso foi definido quatro anos depois da Revolução Islâmica de 1979.
A obrigatoriedade vale para mulheres de todas as religiões a partir da puberdade, como determina a lei sem indicar a idade precisa. As normas do Irã costumam ser elaboradas a partir da interpretação da Sharia, que é o sistema jurídico.
Nesse caso, o texto exige que homens e mulheres se vistam modestamente. Não há uma indicação sobre o vestuário considerado inadequado e, dessa forma, a polícia da moralidade tem maior liberdade para agir.
Patrulha da moral
A polícia da moralidade é composta por homens vestidos com uniforme verde e mulheres em xador preto – uma vestimenta em que apenas o rosto fica exposto. O rigor com que a cobrança das regras acontece varia conforme o governo.
A função desta polícia sofreu alterações nos últimos anos, mas sempre causou insatisfação na classe política. O governo iraniano aponta os Estados Unidos e Israel como responsáveis por incentivar as manifestações.
Comitês da Revolução Islâmica, vinculados à Guarda Revolucionária, surgiram após 1979 e fiscalizavam as ruas para verificar a forma como as mulheres se vestem. A polícia da moralidade, é conhecida regionalmente como Gasht-e Ershad, ou patrulhas de orientação numa tradução livre.
Essa atuação policial foi criada sob o regime do presidente ultraconservador Mahmoud Ahmadinejad, que governou entre 2005 e 2013, com o argumento de "espalhar a cultura da decência e do hijab".
A Anistia Internacional cobrou "uma investigação sobre as acusações de tortura" e a Organização das Nações Unidas (ONU) recebeu "numerosos vídeos verificados de tratamento violento contra mulheres", recentemente.
Como essa lei é aplicada?
Essa determinação em relação ao uso do véu foi intensificada em julho deste ano, quando o presidente ultraconservador Ebrahim Raisi pediu a "todas as instituições estatais" o reforço na aplicação da lei do véu.
Até então, no governo do líder moderado Hassan Rohani, que governou o País entre 2013 e 2021, as mulheres saiam de calças jeans justas e véus coloridos nas ruas. Agora, quem descumpre o código corre risco de punição.
O véu já havia sido abolido
As mulheres no Irã já haviam ficado livres do uso obrigatório do véu entre 1936 e 1979, quando o País foi considerado liberal e todas poderiam usar as roupas conforme os critérios individuais.
Nesse período, não havia divisão entre gêneros nas escolas e as mulheres tinham direito ao voto. Por outro lado, quem queria usar o véu se sentia exposta na rua sem o hijab e muitos conservadores foram contrários a essa forma de liberdade.