Após perder o controle da pandemia no começo de 2021 e até pedir ajuda internacional para tratar seus pacientes com Covid-19, Portugal registra agora uma das mais baixas taxas de contágio da Europa, 50 dias após adotar lockdown. A eficácia da medida virou exemplo no país europeu. Do outro lado do Atlântico, para que a estratégia tenha o mesmo efeito em Fortaleza, especialistas entrevistados pelo Diário do Nordeste defendem que o isolamento social rígido precisa ser seguido à risca nos 14 dias em que estiver vigente.
“Se tudo for seguido da mesma forma, [teremos o mesmo resultado] sim. As pessoas são vulneráveis e ponto, mas se for tudo seguido, a gente consegue as mesmas respostas de outros países”, avalia Caroline Gurgel, epidemiologista e professora da Universidade Federal do Ceará (UFC).
Com 10,1 milhões de habitantes, Portugal decretou lockdown desde 15 de janeiro. Em paralelo, com população de 2,6 milhões, a cidade de Fortaleza vive o momento mais crítico da pandemia, e espera desafogar os leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) adotando a mesma medida.
Efeitos
Alguns números dão a dimensão da importância do lockdown português. Em dezembro do ano passado, morriam 100 pessoas por dia no país por Covid-19. Foram 159 mortes no dia 15 do mês seguinte, e 303 óbitos no dia 31. Já na última terça (2), os dados de ocupação hospitalar divulgados pelo governo local indicavam a menor taxa de internação em decorrência da doença em quatro meses.
Na última quinta-feira (4), António Costa, primeiro-ministro de Portugal, pediu à população o cumprimento das restrições para que o lockdown seja suspenso de modo gradativo.
"A ideia de que uma tragédia não se repete é falsa, pode acontecer de novo se as pessoas repetirem os mesmos comportamentos", afirmou em entrevista.
Segunda onda
Apelo parecido fez o prefeito de Fortaleza, José Sarto (PDT), nesta quinta-feira (5), em entrevista ao Sistema Verdes Mares. "Obedeçam ao decreto. Estamos em um isolamento social rígido, só saia de casa para situações exclusivas que o decreto permite", pediu.
O pedido do prefeito é ancorado num dado: hoje, assim como no que foi estabelecido como a primeira onda, a Capital é novamente o epicentro da Covid no Ceará. O aumento de casos iniciado no mês de outubro evidencia a segunda fase do ciclo epidêmico.
Segundo o gestor, somente nesta quinta-feira (4), ao menos 2 mil pessoas com sintomas de síndrome gripal procuraram os postos de saúde da Capital – tendo sido a maioria já diagnosticada pelo novo coronavírus. Normalmente, esse número não chega a mil por dia.
Ainda que com lockdown previsto em decreto, comércio, shoppings e demais serviços não essenciais fechados até o dia 18 de março, há um prognóstico de que a procura por leitos de UTI não diminuirá tão rapidamente.
Segundo a professora Caroline Gurgel, “quem se infectou há duas semanas vai começar a procurar hospitais agora, nas próximas semanas [a procura] vai continuar. Por mais que houvesse o toque de recolher, as pessoas saíam durante o dia. O vírus não tem hora para circular, a gente ainda vai sentir um baque grande, só vamos ver o efeito ao final de março”, ponderou.
Variantes
Para o infectologista Lino Alexandre, duas semelhanças tornam os casos de Portugal e Fortaleza comparáveis. Uma delas é a presença de variantes, que no caso português trata-se uma cepa inicialmente detectada no Reino Unido. Na capital cearense - assim como em outras cidades brasileiras -, a variante é decorrente de Manaus, e tem capacidade maior de proliferação. Outra comparação que se pode fazer é que nos dois locais houve certo relaxamento durante as festas de fim de ano.
“A nova variante tem uma carga viral mais alta, e uma disseminação igualmente mais rápida; por isso o número de pessoas com o vírus é maior”, explica.
Leitos
Reduzir a circulação de pessoas em Fortaleza, por outro lado, tem efeito imediato na ocupação dos hospitais por acidentes, por exemplo. Ainda de acordo com o prefeito, o Instituto Dr. José Frota (IJF) já registra queda na quantidade de pacientes atendidos por trauma, condição que libera mais leitos para atendimentos de infectados pelo vírus.
O Governo do Ceará publicou, ainda quarta-feira (3), um chamamento público para a contratação imediata de estrutura de cinco hospitais de campanha. A decisão é motivada pelo agravamento da situação da pandemia no Estado, que fez o governador Camilo Santana decretar, a partir de sexta-feira (5), lockdown em Fortaleza.
Efetividade
Lino Alexandre faz ressalvas, porém, à efetividade da política de abertura de leitos sem que haja isolamento social de fato, assim como em território português. Ao concordar com a implementação de lockdown na Capital, ele diz que “os infectologistas vêm discutindo critérios de isolamento social para não se fazer só quando surgir um grande número de infectados [...] Embora muita gente não concorde, é importante pensar uma maneira de se proteger”.
“Nós estamos em março; e já com dificuldade de leitos", observa. "Vamos colocar quem para trabalhar nesses leitos? Temos profissionais suficientes? É uma preocupação que às vezes não está no olhar da população. Temos que perguntar: o que fazer para não precisar de tantos leitos assim?”, questiona o especialista.