Pesquisadores usam leite materno para tratar Covid-19 prolongada em paciente

Teste RT-PCR apontava a presença do coronavírus há mais de quatro meses e só foi negativado após o tratamento

Pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) usaram leite materno para tratar uma paciente com Covid-9 prolongada.

A mulher tem síndrome de imunodesregulação, doença genética rara que torna o sistema imune incapaz de combater vírus e outros patógenos. O teste de RT-PCR dela apontava a presença do coronavírus há mais de quatro meses em seu organismo — o que só foi negativado após o tratamento. 

O resultado veio após a paciente ingerir, durante uma semana, 30 mililitros de leite materno de uma doadora vacinada contra a Covid-19, a cada três horas. 

Para ter certeza de que se tratava do mesmo patógeno, e não de infecções sucessivas, os pesquisadores sequenciaram o genoma do SARS-CoV-2 isolado de três amostras coletadas em diferentes momentos para fins de diagnóstico. 

A pediatra Maria Marluce dos Santos Vilela, professora da Faculdade de Ciências Médicas (FCM-Unicamp) e autora do artigo sobre o caso, explica que o sistema imune humano e dos demais mamíferos produz normalmente cinco tipos de anticorpos: as imunoglobulinas IgM, IgG, IgA, IgE e IgD.

Pessoas com imunodesregulação, no entanto, têm pouco IgE e, em alguns casos, ausência completa de IgA, o principal anticorpo neutralizante de vírus e outros patógenos, que costuma estar presente no leite materno, nas secreções respiratórias e gastrintestinais.

Além disso, há uma produção muito baixa de IgG, normalmente o anticorpo mais abundante no sangue e responsável por reconhecer e neutralizar antígenos com os quais o organismo já teve contato prévio. 

Tratamento

Nos primeiros 15 dias de infecção, a paciente apresentou febre, perda de apetite e de peso, tosse e indisposição, mas o pulmão e demais sistemas mantiveram-se inalterados. Passados dois meses, o quadro permaneceu, e o grupo de cientistas então decidiu testar, em parceria com o Hemocentro da Unicamp, o tratamento com plasma de convalescente, ou seja, a transfusão de anticorpos produzidos por pessoas que haviam se curado da Covid-19.

Após o procedimento, a paciente apresentou melhora dos sintomas e redução de marcadores inflamatórios no sangue. Mas, após 15 dias, o exame de RT-PCR permaneceu positivo, e a paciente seguiu com sintomas leves e sinais do que os médicos chamam de adinamia, ou seja, uma grande fraqueza muscular associada a processos infecciosos prolongados.

“Ficamos receosos de que a infecção se prolongasse por muito tempo, o que a debilitaria ainda mais e aumentaria o risco de contaminar outras pessoas. Nessa mesma época, saíram os resultados de um estudo mostrando que mulheres lactantes imunizadas com a vacina da Pfizer produziam leite com uma quantidade razoável de IgA. Decidimos então fazer a experiência assistencial de reposição de IgA via leite materno”, contou Vilela. 

Consumo de leite e teste negativo

A segurança dos bancos de leite no País, garantida pela legislação, segundo a pesquisadora, foi essencial para que o ensaio fosse realizado. Isso porque somente mulheres saudáveis, com testes negativos para doenças como aids, sífilis e hepatite, entre outras, podem doar. O sistema também permite saber se a doadora foi imunizada.

“Recomendamos a ela o consumo do leite por via oral, pois o IgA funciona como uma ‘vassoura’, ou seja, vai grudando nos patógenos ao longo de todo o trato gastrointestinal e tudo que é impróprio é eliminado nas fezes. O intervalo de três horas entre as doses — exceto no período noturno — foi pensado para não dar chance de o vírus continuar se replicando”, disse a pediatra.

O teste negativou após uma semana, e outros dois exames, feitos com intervalos de dez dias cada, também não detectaram a presença do SARS-CoV-2. “E ainda seguimos fazendo testes de RT-PCR para SARS-CoV-2. Nossa preocupação é que, com as novas variantes, ela adquira uma infecção assintomática”, diz a médica.