Pesquisadores defendem reclassificação da Covid-19 para febre viral trombótica

Segundo estudo, o novo coronavírus provoca formação excessiva de coágulos em pacientes internados

Pouco mais de um ano da pandemia no Brasil, um grupo multidisciplinar de dez pesquisadores defende que a Covid-19 passe a ser a primeira infecção classificada como febre viral trombótica. Isso porque, além dos agravos pulmonares, a Covid-19 aumenta a formação de coágulos ou trombos que podem obstruir a circulação. Atualmente, a doença causada pelo novo coronavírus Sars-CoV-2 é listada como Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG).

A nova classificação foi sugerida em um artigo publicado na revista científica Memórias do Instituto Oswaldo Cruz no dia 1º de abril. O estudo é assinado por especialistas em terapia intensiva, cardiologia, hematologia, virologia, patologia, imunologia e biologia molecular, que atuam em seis instituições de assistência médica e pesquisa científica no Brasil, como o Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz).

“A SRAG é uma nomenclatura utilizada para retratar um acometimento clínico inespecífico, uma vez que pode abranger uma série de manifestações. Já a febre viral trombótica, representaria uma síndrome específica. Essa definição é fundamental na área da Saúde”, justifica Rubens Costa Filho,  observada nas análises histopatológicas em casos de óbito por Covid-19”, afirma o coordenador da UTI do Hospital Pró-Cardíaco e primeiro autor do artigo.

Repercussão clínica

Conforme o estudo, o Sars-CoV-2 infecta as células endoteliais e a inflamação do tecido favorece um estado de hipercoagulação. O texto cita, por exemplo, que na Holanda, 16% dos pacientes em leitos de terapia intensiva tiveram complicações clínicas provocadas pela formação excessiva de coágulos, além de casos de embolia pulmonar, acidente vascular cerebral e trombose venosa. Já na França, esse indicador passou de 40%.

“Em pacientes internados, vemos manifestações trombóticas a despeito da prática clínica usual de tromboprofilaxia [terapia para prevenir a formação de coágulos]. Também há descrição de eventos tromboembólicos após a alta hospitalar, e a formação excessiva de coágulos é observada nas análises histopatológicas em casos de óbito por Covid-19”, reforça Rubens Costa Filho.

O autor sênior do estudo e pesquisador do Laboratório de Virologia Comparada e Ambiental do IOC, José Paulo Gagliardi Leite, também pondera que a descoberta auxilia no manejo clínico dos pacientes diagnosticados com Covid-19 e no avanço das pesquisas científicas sobre a pandemia.

"Essa definição coloca em evidência a necessidade de medidas para monitorar e tratar as alterações da coagulação e aponta para questões que precisam ser esclarecidas, como a identificação de biomarcadores de gravidade, que possam ser utilizados para orientar as condutas terapêuticas”.

Olhar integral

Apesar do impacto sobre a coagulação sanguínea, a Covid-19 traz manifestações em múltiplos órgãos, do cérebro ou aparelho gastrointestinal, o que deve ser continuamente monitorado pelas equipes de saúde. 

"Não podemos colocar todas as fichas em um único fator nessa doença. Mas não há dúvida de que a trombose ocorre e pode matar. Esse é um ponto inequívoco, que precisa ser observado", alerta o pesquisador do Laboratório de Imunologia Clínica do IOC e professor da Faculdade de Medicina de Petrópolis, José Mengel.