O Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz) recebeu autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), na última segunda-feira (14), para dar início aos testes clínicos da LepVax, a primeira vacina desenvolvida contra a hanseníase no mundo.
A Fiocruz foi escolhida como o centro clínico responsável pelos testes em humanos devido à "larga contribuição científica" dada pelo órgão aos estudos sobre hanseníase.
Em comunicado sobre o início dos testes, a instituição garantiu que possui "alta capacidade" para realizar os estudos, uma vez que conta com equipe multiprofissional e estrutura adequada para análises imunológicas e moleculares.
O projeto da LepVax é financiado pela entidade filantrópica American Leprosy Missions (ALM), dos Estados Unidos, que lidera o desenvolvimento da vacina contra a doença desde 2002. No Brasil, a pesquisa é financiada, também, pelo Ministério da Saúde e pelo fundo japonês Global Health Innovative Technology Fund (GHIT Fund). O Instituto de Tecnologia em Imunológicos da Fiocruz (Bio-Manguinhos) será o patrocinador do ensaio clínico, que é um dos mais importantes do processo.
Brasil é o 2º país com mais casos da doença no mundo
Segundo Verônica Schmitz, chefe substituta do Laboratório de Hanseníase da Fiocruz e líder científica do ensaio clínico da LepVax, a realização do estudo no País é "histórica", especialmente porque o Brasil concentra 90% dos casos de hanseníase das Américas e é o segundo país com o maior número de novos casos da doença no mundo, atrás somente da Índia.
"A cada quatro minutos, é registrado um novo caso de hanseníase no mundo. A OMS [Organização Mundial da Saúde] já apontou que precisamos de novas ferramentas para controle da hanseníase e as pessoas afetadas pela hanseníase merecem uma vacina", diz Schmitz.
Diagnóstico da hanseníase
De acordo com o Ministério da Saúde, os casos de hanseníase são diagnosticados por meio de exame físico geral dermatológico e neurológico, onde são identificadas possíveis lesões ou áreas de pele com alteração de sensibilidade e/ou comprometimento de nervos periféricos, além de alterações sensitivas e/ou motoras e/ou autonômicas.
A pasta lembra ainda que casos de hanseníase em crianças podem sinalizar transmissão ativa da doença, por isso, reforça a investigação de contatos — especialmente, familiares. "O diagnóstico de hanseníase deve ser recebido de modo semelhante ao de outras doenças curáveis", desmistifica o Ministério.
No entanto, caso a descoberta da doença cause sofrimento psíquico, tanto ao paciente como aos seus familiares e amigos, a situação requer uma abordagem multidisciplinar.
"Cercada por preconceito, a hanseníase é uma doença negligenciada, que pode provocar lesões graves na pele e nos nervos. Com tratamento disponível no Sistema Único de Saúde [SUS], a doença tem cura. Porém, muitos casos são identificados com atraso, quando já existem danos que prejudicam a qualidade de vida e a capacidade de trabalho dos pacientes", entende a Fiocruz.
A hanseníase provoca 200 mil novos casos a cada ano, em todo o globo, e atinge principalmente pessoas que vivem em situação de vulnerabilidade ambiental, social e econômica.
Vacinação
Não existe, ainda, uma vacina específica contra a hanseníase. A imunização com a BCG, aplicada logo após o nascimento, é indicada para prevenir a infecção em uma população de maior risco, mas a proteção é considerada parcial.
"A eliminação sustentada da hanseníase enquanto problema de saúde pública requer uma vacina. Neste cenário, a LepVax surge como uma vacina profilática e terapêutica, que poderá contribuir para as metas de controle da doença", avalia Roberta Olmo, chefe do Laboratório de Hanseníase da Fiocruz.
Testes pré-clínicos (em animais) com a LepVax tiveram resultados promissores. Em camundongos vacinados, por exemplo, a taxa de infecção foi significativamente reduzida, mesmo o animal exposto a uma grande quantidade de bactérias. E quando a vacina foi administrada após a infecção, o dano no nervo motor e sensorial do roedor foi retardado.
Uma primeira etapa do ensaio clínico da vacina foi feita nos Estados Unidos, com a imunização de 24 voluntários sadios. Nesse grupo, o estudo demonstrou que a vacina é considerada segura, e não houve nenhum registro de evento adverso grave. Além disso, a etapa apontou "imunogenicidade", ou seja, capacidade de estimular resposta imunológica.
Teste em humanos no Brasil
No Brasil, o ensaio clínico servirá para confirmar a segurança e a imunogenicidade — ou eficácia — da LepVax. A avaliação levará em consideração o cenário epidemiológico do País, onde grande parte da população teve contato anterior com micobactérias, o que pode influenciar na resposta à vacina.
"No Brasil, mesmo as pessoas que nunca tiveram hanseníase podem ter entrado em contato com a M. leprae [Mycobacterium leprae] e temos circulação de outras micobactérias, como a causadora da tuberculose. Os brasileiros também são vacinados com BCG ao nascer. É uma realidade diferente dos Estados Unidos, onde não existe transmissão do agravo", explica Verônica Schmitz.
O ensaio contará com a participação de 54 voluntários adultos sadios, que serão divididos aleatoriamente em três grupos: dois receberão a vacina, sendo um com dose baixa e outro com dose alta, e um terceiro receberá o placebo — uma solução salina que não tem efeito biológico.
Se os estudos comprovarem que os benefícios da LepVax superam os riscos, "o medicamento experimental poderá ser registrado e disponibilizado no mercado brasileiro, desde que haja a solicitação por parte da empresa desenvolvedora/patrocinadora do desenvolvimento clínico", diz a Anvisa.