Nenhum preso provisório votou nas eleições de 2020 no Ceará; quase 12 mil estão nesta condição

O TRE afirmou que em novembro de 2019, período anterior à pandemia no Brasil, a SAP se manifestou que já não seria possível viabilizar a votação dentro das unidades

Escrito por Emanoela Campelo de Melo , emanoela.campelo@svm.com.br
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Legenda: Quase 60% dos internos nas unidades prisionais do Ceará são presos em situação provisória
Foto: José Leomar

O número de presos provisórios no Ceará é próximo a 12 mil, chegando a quase 60% do total de detidos sob responsabilidade do Estado. Sem condenação na Justiça, aqueles que se encontram neste regime são, conforme a Constituição, pessoas com direito ao voto, porque ainda não foram julgados. Apesar do direito ser regido pela Lei, de acordo com o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Ceará, nenhum deles votou nas eleições municipais de 2020.

O fato de nenhuma seção ter sido instalada dentro das unidades prisionais do Estado foi, conforme o TRE, decisão em conjunto com a Secretaria de Administração Penitenciária do Ceará (SAP-CE). De acordo com o Tribunal, "as tratativas foram iniciadas em novembro de 2019, entre o TRE e a Secretaria de Administração Penitenciária do Ceará. Na ocasião, o gestor estadual manifestou estar implantando ações de reestruturação nas unidades prisionais e por esse motivo não seria possível viabilizar o voto do preso provisório. Com a pandemia, restou inviabilizada qualquer nova solicitação".

A inexistência do exercício ao direito dentro das unidades no ano passado foi fato inédito. Porém, dados de outras eleições indicam que o problema do acesso ao voto dentre este grupo é um problema antigo. Nas eleições de 2016 e 2018, o exercício do voto por parte dos presos provisórios não se anulou, mas já se mostrava ínfimo diante de um percentual quase 20% ainda maior de encarcerados sem pena definida pelo Judiciário.

Segundo dados do TRE, em 2018 foram 137 votos de presos no 1º turno e 113 no 2º turno, na 66ª zona eleitoral instalada no Instituto Penal Feminino Auri Moura Costa (IPF), em Aquiraz, Região Metropolitana. Já em 2016, também houve a 66ª zona, no mesmo equipamento, com 99 eleitores que compareceram às urnas; e outros 23 votos concedidos na 119ª zona, na Penitenciária Industrial Regional do Cariri (Pirc), em Juazeiro do Norte, cidade na região do Cariri.

Secretaria diz que motivação foi sanitária

A SAP afirma que a "realização do último processo eleitoral no sistema prisional cearense foi suspensa por razões sanitárias. A ação foi mais uma medida de combate ao risco de contaminação da Covid-19 que objetiva o cuidado com a saúde das pessoas privadas de liberdade e servidores públicos que atuam nas unidades prisionais".

De acordo com o presidente do Conselho Penitenciário (Copen), Cláudio Justa, é obrigação do Estado providenciar cumprimento deste direito constitucional do preso provisório sob custódia. Justa pontua que historicamente há dificuldade dos presos votarem, e que não é algo pontual de nenhuma gestão específica, assim como não se resume ao fato de as eleições aconteceram diante a uma pandemia.

"Este, como outros direitos, acaba sendo mitigado. Como o Estado pode afastar uma obrigação legal? Acredito sim que os protocolos sanitários interferem no momento, mas não é somente isso, há outras dificuldades. Uma das discussões é até que ponto a movimentação às urnas acarreta problema de segurança dentro das unidades. Essa logística pode interferir na vulnerabilidade da segurança. Por faltar até clareza ao preso, por eles não saberem que existe o direito a eles sonegados, até falta consciência de lutar por ele", disse o presidente do Copen.

Confira a entrevista completa com o presidente do Copen:

O presidente da Comissão de Direito Penitenciário da Ordem dos Advogados do Brasil Seção Ceará (OAB-CE), Márcio Vitor Meyer de Albuquerque, também vê com preocupação a ausência de milhares de votos. Para Márcio, a pandemia se mostrou como um obstáculo extra unido ao fechamento de cadeias públicas no Interior do Estado e, consequentemente, transferência de presos para a Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), onde em muitas vezes não é a cidade de origem e de voto do encarcerado.

"Essa ausência de votos no ano de 2020 é um prejuízo para a massa carcerária. Eles têm direitos políticos, e acaba sendo um direito sepultado. A administração penitenciária reage com falta de interesse pelo receio da insegurança nas unidades. Precisa de envolvimento da Secretaria e do TRE. Isso prejudica o estado democrático de direito e compete aos órgãos dar cumprimento. A Ordem é favorável à participação dos presos provisórios ao pleito", se posicionou Márcio Vitor.

Assista à entrevista completa com Márcio Vitor Meyer: 

A Secretaria foi questionada pela reportagem sobre os fatores apontados pelos especialistas como impeditivos ao voto. Por nota, a Pasta respondeu que "o sistema prisional cearense é, atualmente, modelo nacional de segurança e disciplina, que garante a inclusão de milhares de internos em cursos de qualificação e a instalação de dezenas de empresas e criação de postos de trabalho em diferentes unidades prisionais".

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