O Ministério Público do Ceará (MPCE) denunciou 43 pessoas por integrarem uma quadrilha que burlava serviços do Departamento Estadual de Trânsito do Ceará (Detran-CE) e cometia uma série de crimes. Entre os acusados, estão servidores do Órgão, despachantes, empresários (proprietários de vendas e revendas de veículos) e um policial militar aposentado.
O grupo foi denunciado pelo MPCE pelos crimes de falsidade ideológica, adulteração de sinal identificador de veículo, corrupção passiva, corrupção ativa e organização criminosa, no dia 20 de julho deste ano. A Vara de Delitos de Organizações Criminosas, da Justiça Estadual, recebeu a denúncia, e os acusados viraram réus, no último dia 8 de agosto.
Conforme a denúncia do MPCE, "a organização criminosa atua essencialmente na adulteração veicular e em fraudes nos trâmites de transferências de veículos (inclusive com a falsificação de assinaturas), emplacamentos, vistorias veiculares, bem como, nos processos de habilitação do DETRAN, que englobam provas de legislação/prática, autoescola e exames".
O despachante Francisco Deimerson Batista da Silva, conhecido como 'Galinha', é apontado pela denúncia como o principal articulador do esquema criminoso. Apesar de atuar na área, o réu não possui registro no Conselho Regional dos Despachantes Documentalistas do Ceará (CRDD).
Integrantes do esquema criminoso
O Ministério Público pontua que 'Galinha' colocava informações falsas em documentações de veículos automotores, corrompia servidores públicos do Detran, recrutava despachantes para o esquema criminoso e captava novos clientes dispostos a pagarem pelas fraudes.
Destaca-se que a forma fraudulenta em que Galinha, em comunhão de desígnios com servidores do Departamento de Trânsito, realiza trocas de placas, vistorias e transferências de veículos facilita a clonagem dos referidos bens, o que fomenta o crime organizado, crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores, roubos e furtos de veículos."
Outro acusado de ser um dos articuladores da quadrilha é o policial militar aposentado Antônio Wirio de Moura. A investigação da Polícia Civil do Ceará (PC-CE) sobre a quadrilha encontrou indícios de que o PM interferia na "confecção e recebimento de carteira de habilitação, além de multas e suspensões envolvendo bafômetro".
documentos relacionados ao Detran-CE, outros 30 documentos relacionados ao Departamento Estadual de Trânsito do Piauí (Detran-PI), 11 cópias de Carteiras Nacional de Habilitação (CNH), 7 cópias de documentos de veículos, 4 multas veiculares e outros documentos foram apreendidos na posse de Antônio Wirio, durante o cumprimento de mandado de busca e apreensão contra ele. O acusado negou o cometimento de qualquer crime.
As fraudes seriam facilitadas por servidores do Detran-CE acusados de integrar o esquema criminoso, como Eliezer Verçosa Pereira, Francisco José Monteiro e Samuel Oliveira Moreira. Os serviços fraudulentos custavam entre R$ 150 e R$ 1 mil, segundo a investigação.
A quadrilha foi alvo da Operação Forger, deflagrada pela Delegacia de Roubos e Furtos de Veículos e Cargas do Ceará (DRFVC), da PC-CE, no dia 2 de julho deste ano. Naquele dia, 14 suspeitos foram presos e 41 mandados de busca e apreensão domiciliares, 41 mandados de busca pessoal e 3 afastamentos de funções públicas, cumpridos.
Na ocasião da deflagração da Operação, o Detran emitiu nota em que repudia "qualquer tipo de conduta indevida, seja de servidor público ou colaborador" e afirmou que "tomará as providências necessárias".
O Detran-CE reforça que vem investindo, frequentemente, em tecnologia, como vistoria digital, já implantada na sede e nos demais postos da Capital e Região Metropolitana, com sistemas de georreferenciamento, reconhecimento facial, entre outros, os quais combatem as tentativas de práticas indevidas ou criminosas, no sentido de resguardar as informações do proprietário do veículo e do próprio bem pertencente a ele."
[Atualização: 24/08/2023, às 15h30] Após a publicação da matéria, o presidente do Conselho Regional de Despachantes Documentalistas do Estado do Ceará (CRDD), Sérgio Holanda, enviou nota em que afirma que todos os despachantes acusados pelo Ministério Público de integrar o esquema criminoso não são registrados no Conselho.
"Ressaltamos que a atuação como despachante documentalista requer registro e cumprimento de normas específicas estabelecidas pelo órgão regulador da profissão. Acreditamos na importância da regularidade e qualificação dos profissionais para garantir um serviço de qualidade à população. Esclarecemos ainda que a profissão do despachante documentalista é reconhecida pela lei federal n 14282/2020 e que a nomenclatura ‘Despachante’ não deveria ser utilizada a revelia de um registro no Conselho”, ressaltou.
Confira a lista de réus:
Adriano Nascimento da Silva;
Amaury Nogueira Ferreira;
Antônio Wirio de Moura;
Arthur Pinheiro Soares;
Carlos Alberto Lima Marques;
Carlos Henrique Costa de Araújo;
Cássio Felipe Passos Benício;
Fábio da Silva Bezerra;
Eliezer Verçosa Pereira;
Eurides Ferreira de Oliveira;
Fábio Davi de Carvalho Rocha;
Francisco André Santiago da Silva;
Francisco Aurilo de Freitas;
Francisco Deimerson Batista da Silva;
Francisco Edson Barbosa Lobão;
Francisco Edson de Araújo Júnior;
Francisco Erivan da Silva Cavalgante;
Francisco José Monteiro;
Francisco Marinaldo de Abreu Batista;
Francisco Wellington Marques Felix de Sousa;
Hedio Pimenta Morais Sousa;
Helvercio Sidney Oliveira;
Jayro Ulysses Lima da Costa;
João Alberto Fontes Monteiro;
João Humberto Ripardo Júnior;
José Flávio de Amorim Moreira;
José Marineudo Santiago Barbosa;
José Weldon Pinto Sousa;
Juscelino Almeida Andrade;
Magnus Veras Aguiar;
Márcio André Freitas da Costa;
Paulo Henrique Aguiar de Vasconcelos;
Paulo Sérgio Santos da Ponte;
Pedro Renatto de Souza e Silva;
Rafael do Nascimento Lima;
Raimundo Milton da Silva Filho;
Raimundo Nonato de Oliveira Neto;
Robson de Sousa Almeida;
Rosemberg Saldanha da Silva;
Samuel Oliveira Moreira;
Sidney Uchoa Paes;
Wildeson Costa dos Santos;
Willtamim Gonçalves da Silva.
O que dizem as defesas
O advogado Taian Lima, que representa a defesa de Sidney Uchoa Paes, afirma que irá provar a inocência do cliente no processo. "Cotejando os autos, inexistem requisitos caracterizadores de Organização Criminosa, quais sejam: caráter de permanência ou estabilidade; estruturação e divisão de tarefas; ter como fim obter vantagem econômica. Com relação ao nosso constituinte, a denúncia está alicerçada numa única conversa tirada do contexto e interpretada de forma errônea", alega.
Após a publicação da matéria, o escritório FP Advogados, representado pelo sócio Filipe Pinto, que atua na defesa do réu Samuel Oliveira Moreira, afirmou, em nota, que "seu cliente não faz parte de qualquer Organização Criminosa, pois não há nos autos qualquer comprovação de estruturação e divisão de tarefas envolvendo seu cliente. Afirma ainda que na denúncia sequer o mesmo foi citado no gráfico feito pelas autoridades. Afirma também que só existe uma única ligação, com uma única pessoa e que nada de ilícito teve no diálogo. Com isso a defesa tem total convicção que ao final do processo, irá provar a inocência de seu cliente".
O advogado Caio Escóssia, que representa a defesa de José Marineudo Santiago Barbosa, enviou nota em que sustenta que "inexiste qualquer indício de participação do Réu José Marineudo em organização criminosa, tendo sido utilizado apenas trecho de uma única conversa descontextualizada com servidor do DETRAN/CE como forma de fundamentar a denúncia". "Não existe qualquer condenação criminal, o processo encontra-se em estágio inicial devendo ser assegurada a ampla defesa garantida a todos os acusados no Brasil, onde, nossa Constituição também resguarda a presunção de inocência", acrescentou.
Já o advogado Angelo Suliano Bento, que atua na defesa de Francisco Aurilo de Freitas, afirma que, "em face de seu cliente, não vislumbra nos autos provas suficientes que possam ensejar em uma condenação pelos crimes que ele foi denunciado, porém, tudo será esclarecido e provado durante a instrução processual".
A defesa de Francisco Deimerson Batista da Silva não quis se manifestar, neste momento. Já as defesas dos outros réus não foram localizadas ou não atenderam às ligações da reportagem, até a publicação desta matéria.