Polícia identifica queda no tráfico de drogas durante pandemia

Barreiras policiais, para evitar a propagação da Covid-19, obrigam traficantes a procurarem alternativas. O consumo e o preço da droga estão impactados. No Ceará, autoridades apreenderam quase 700kg de entorpecentes nesta semana

O principal objetivo das autoridades é combater a pandemia de Covid-19. Mas os decretos de isolamento social e as barreiras policiais que visam diminuir a circulação de pessoas estão reduzindo também o tráfico de drogas, no Ceará e no Brasil como um todo, segundo especialistas ouvidos pela reportagem.

"Acredito que o tráfico internacional de drogas tenha diminuído em face das maiores fiscalizações nas fronteiras e nos aeroportos, além das fiscalizações nas divisas dos estados. Até mesmo o isolamento pode ter diminuído o consumo de drogas", aponta o chefe da Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE), da Polícia Federal (PF), delegado federal Samuel Elânio.

O membro do Grupo Especial de Combate às Organizações Criminosas (Gaeco), do Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), promotor de Justiça Adriano Saraiva, corrobora: "como os aeroportos estão praticamente parados e houve um aumento na fiscalização das rodovias, isso tem dificultado e muito o tráfico por parte das organizações criminosas".

O pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência (LEV), da Universidade Federal do Ceará (UFC), sociólogo Luiz Fábio Paiva, analisa que as medidas de isolamento social e fiscalização refletem nas dinâmicas do mercado de entorpecentes: "No Ceará, claramente, os efeitos estão sendo sentidos nos preços e ofertas de produtos. Isto, também, estimula uma disputa mais violenta em torno de áreas e negócios de distribuição e comércio de drogas".

Para os negócios não falirem nem terem uma baixa significativa, os traficantes buscam rotas alternativas para trazerem a droga para o Estado, segundo o delegado Samuel Elânio. Outra alternativa encontrada pelas facções, de acordo com o promotor Adriano Saraiva, é a venda de drogas sintéticas.

"O crime organizado está modificando a dinâmica e fazendo mais o uso de vias clandestinas, para que o processo não pare, inclusive começando a comercializar drogas sintéticas, que até então eram vendidas apenas para pessoas de posse. Há informações inclusive da fabricação dessa droga por facção criminosa", revela o membro do Gaeco.

Apreensões

Com mais barreiras policiais nas divisas do Ceará e nos limites dos municípios e diante da necessidade das organizações criminosas de buscar novas alternativas para o tráfico de drogas, as autoridades cearenses têm conseguido identificar e apreender cargas de entorpecentes nas últimas semanas. Apenas na semana passada, foram retidos 682 kg de drogas no Estado.

A Polícia Federal apreendeu 540 kg de cocaína, que chegaram a Fortaleza em um caminhão-tanque com placas de Pernambuco e seriam deixados em um galpão localizado na Avenida Júlio Jorge Vieira, no bairro Cidade dos Funcionários, na última segunda-feira (11). O transporte da droga foi acompanhado por outros dois veículos, da Bahia até o Ceará.

"Um dos veículos utilizados foi um (Chevrolet) Celta. Nós recebemos informações que esse veículo poderia estar sendo utilizado por um traficante e, diante disso, passamos a acompanhar esse veículo. Foi quando identificamos o encontro desse veículo com um (Jeep) Renegade locado e passamos a acompanhar ambos, quando entrou nessa jogada esse caminhão-tanque. Também estávamos procurando galpões que poderiam estar sendo utilizados para receber drogas, e tínhamos alguns suspeitos. Quando os veículos se deslocaram para esse galpão, tivemos a certeza", detalha o chefe da DRE, Samuel Elânio.

Quatro homens foram presos em flagrante. A PF suspeita que eles são ligados à organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), sendo que alguns deles são originários da Baixada Santista, em São Paulo, onde está instalado um dos principais braços da facção no País. A cocaína apreendida é proveniente da Bolívia e, segundo as investigações iniciais, seria transportada para a Europa, através de algum porto cearense.

Na última quinta-feira (14), 42 kg de maconha foram subtraídos pelo Núcleo de Combate ao Tráfico de Drogas (NCTD) da Delegacia Regional de Juazeiro do Norte, da Polícia Civil do Ceará (PCCE), em uma abordagem a um veículo Chevrolet Celta, com placas da Bahia. Um pernambucano foi preso. A Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) ressaltou que essa foi a terceira apreensão de drogas do Núcleo em menos de um mês.

Por fim, na sexta (15), a Polícia Rodoviária Federal (PRF) apreendeu 100 kg de maconha, ao abordar dois veículos que se deslocavam pela BR-116 com destino a Fortaleza. Quatro suspeitos foram presos, inclusive uma mulher grávida.

Estratégia

Questionada sobre a dinâmica do tráfico de drogas e o trabalho da Polícia durante a pandemia do novo coronavírus, a SSPDS afirma, em nota, que "não houve alteração nos trabalhos ostensivos e de inteligência". "Todas as estratégias de combate ao tráfico de drogas e outros crimes estão mantidas. A Secretaria esclarece que as operações de fiscalizações contam com um efetivo acrescido sobre o número diário de profissionais de segurança nas ruas", completa.

Em todo o mês de abril deste ano, as Forças de Segurança do Estado apreenderam 78,6 kg de drogas. Em março, mês em que começou o isolamento social, foram 63,4 kg de entorpecentes retidos. Já em fevereiro e janeiro de 2020, a Secretaria da Segurança Pública apreendeu 66,5 kg e 343,31 kg de drogas, respectivamente.

Homicídios

A Segurança Pública do Ceará sofre com o aumento de homicídios desde o início deste ano. Já foram registrados 1.521 Crimes Violentos Letais Intecionais (CVLI), no acumulado de janeiro a abril de 2020, o que representa um crescimento de 100,6% no índice, em comparação com igual período do ano passado, que teve 758 mortes violentas.

Em março, o crescimento de homicídios foi de 89,9% (ao sair de 189 crimes no ano passado para 359, neste ano). E em abril, foi de 105,6% (ao passar de 213 casos para 438). Especialistas ouvidos pela reportagem acreditam que a redução do tráfico de drogas, causada pela pandemia, contribui para o aumento dos conflitos entre as facções criminosas e das mortes. "O dinheiro está escasso. Eles estão agindo com mais violência e isso preocupa", reconhece o promotor de Justiça Adriano Saraiva.

"O mercado continua em movimento e foram abertos espaços para ações violentas, com objetivo de estabelecer novos domínios territoriais e de esquemas criminais. Surpreende ainda a omissão do Estado frente a esse novo cenário de violência. Mesmo que toda atenção esteja voltada para combater a Covid-19, não é possível aceitar a atual expansão do crime violento e suas consequências para famílias que precisam conviver com a doença e o crime batendo na sua porta", critica o sociólogo Luiz Fábio Paiva.

Sobre o aumento dos homicídios no Estado, a SSPDS afirmou que as Forças de Segurança trabalham para reorganizar suas atuações e traçar novas estratégias. "Durante os motins (de militares) em fevereiro deste ano, quando foi registrada uma diminuição de efetivo nas ruas, ocorreram conflitos mais acentuados entre células de organizações criminosas no Estado, o que refletiu nos períodos seguintes e seguiu a tendência das disputas desses grupos", justifica.