PMs são condenados a um total de 149 anos de prisão por matar e ocultar corpo de frentista no Ceará

Os réus saíram do Salão do Júri presos, e três deles ainda perderam o cargo público, por decisão judicial. A mãe da vítima afirma que está 'mais aliviada'

Quatro policiais militares foram condenados a um total de 149 anos de prisão, por matar e ocultar o corpo do frentista João Paulo de Sousa Rodrigues, em julgamento concluído na madrugada desta quarta-feira (8). Os réus saíram do Salão do Júri presos, e três deles ainda perderam o cargo público, por decisão judicial.

O julgamento, ocorrido na 1ª Vara do Júri de Fortaleza, começou por volta de 8h30 da última segunda-feira (6). A sessão foi interrompida às 20h20 daquele dia e retomada às 9h de terça (7). Após o interrogatório dos quatro réus, a oitiva de quatro testemunhas e os debates orais entre acusação e defesa, o júri popular (formado por sete pessoas da sociedade) decidiu que os policiais deveriam ser condenados.

A mãe de João Paulo, Margarida Rodrigues, disse ao Diário do Nordeste que foi "doloroso" acompanhar o julgamento e reviver o desaparecimento do filho - que nunca teve o corpo encontrado, quase nove anos depois do caso. "Fazia muito tempo que a gente esperava a justiça. A justiça foi feita, eles foram julgados e condenados. Não traz meu filho de volta, mas fico mais aliviada", afirma Margarida.

Os PMs foram condenados pelos crimes de homicídio duplamente qualificado (motivo torpe e recurso que dificultou ou impossibilitou a defesa da vítima), ocultação de cadáver, roubo qualificado pela violência e grave ameaça - majorado pelo concurso de pessoas - e organização criminosa.

Confira as penas individuais:

  • Sargento Haroldo Cardoso da Silva  - 40 anos e 9 meses de reclusão; 
  • Cabo Francisco Wanderley Alves da Silva - 36 anos, 1 mês de 15 dias de reclusão; 
  • Cabo Antônio Ferreira Barbosa Júnior - 36 anos, 1 mês de 15 dias de reclusão; 
  • Soldado Elidson Temóteo Valentim - 36 anos, 1 mês de 15 dias de reclusão.

Além da condenação à prisão, o Ministério Público do Ceará (MPCE), representado pelo promotor de Justiça Marcus Renan Palácio no julgamento, pediu pela perda dos cargos públicos dos policiais que estavam na Ativa - caso dos cabos Francisco Wanderley e Antônio Ferreira e do soldado Elidson Temóteo. O sargento Haroldo Cardoso já se encontra na Reserva Remunerada.

O MPCE também pediu execução imediata da pena. O colegiado de juízes que atuou no julgamento - Marcos Aurélio Marques Nogueira, Valência Maria Alves de Sousa Aquino, Christianne Braga Magalhães Cabral - atendeu os pedidos do Órgão Acusatório, e os policiais condenados já saíram do Salão do Júri presos, sob escolta, em direção ao Presídio Militar. A decisão cabe recurso. A defesa dos policiais militares não foi localizada pela reportagem.

Como o frentista desapareceu

O frentista João Paulo de Sousa Rodrigues desapareceu no dia 30 de setembro de 2015, na ida para o trabalho. Uma câmera de videomonitoramento registrou o momento em que ele foi colocado dentro de um veículo, por policiais militares.

"Em síntese, a dinâmica dos fatos sustentada pela acusação mostra que há elementos mínimos de prova indicando que a vítima João Paulo foi abordada pela composição de policiais militares Wanderley, Ferreira e Valentim (viatura 14071), algemada e conduzida para o interior do veículo Pálio de cor preta pertencente ao policial militar Haroldo, permanecendo algemada no veículo particular", considerou a 1ª Vara do Júri de Fortaleza, na sentença de pronúncia.

Em seguida, a motocicleta da vítima foi subtraída por comparsa não identificado, saindo em comboio com a viatura 14071 que, de acordo com georeferenciamento de satélie, saiu de sua rota e adentrou em estradas e locais ermos por período de tempo considerável. Nunca mais sendo encontrado o corpo da vítima e a motocicleta."
1ª Vara do Júri de Fortaleza
Em decisão

João Paulo trabalhava em um posto de combustíveis que foi roubado cinco vezes, em Maracanaú. Em fevereiro de 2015, ele começou a trabalhar em um posto de propriedade de Severino Almeida Chaves. E, no dia 13 de setembro daquele ano, o estabelecimento foi assaltado. A sequência de crimes na presença do frentista fez o empresário desconfiar do empregado e encomendar a sua morte, de acordo com a denúncia do MPCE.

No entanto, João Paulo não teve participação nos casos ocorridos nos locais onde trabalhava. O jovem também não tinha passagens pela Polícia, nem mesmo quando ainda era adolescente. A mãe do jovem disse em entrevista ao Sistema Verdes Mares que ele sofria de gagueira desde criança e que esse fato fez com que o ex-patrão achasse que ele estava envolvido no roubo. "Meu filho era trabalhador, cidadão, não era envolvido com nada. Só trabalhava e me ajudava", ressaltou Margarida Rodrigues.

Empresário não foi levado a julgamento

O empresário Severino Almeida Chaves, conhecido como 'Ceará', proprietário do posto de combustíveis em que João Paulo trabalhava, chegou a ser acusado pelo Ministério Público de ser o mandante do homicídio. Entretanto, ele foi impronunciado pela Justiça (ou seja, a decisão judicial foi de não levá-lo a julgamento), por falta de provas.

A defesa do empresário, representada pelos advogados Leandro Vasques, Holanda Segundo e André Ramon Tabosa, afirmou que "seu constituinte foi impronunciado ante a total falta de qualquer indício de sua participação no suposto crime. Não havia sido sequer indiciado pela autoridade policial, tampouco denunciado pelo Ministério Público, vindo a ser incluído no processo apenas quando houve a mudança de competência para o Júri, sem qualquer fato novo e com base exclusivamente em denúncias anônimas que já haviam sido averiguadas e descartadas pela polícia judiciária". 

"A sentença de impronúncia sequer foi objeto de recurso, seja pelo Ministério Público, seja pela família de João Paulo, assistente de acusação", completou a banca de defesa.