PM afirma no júri da Chacina do Curió que viu três corpos no chão, mas não parou para socorrer

Argumento do policial é de que as vítimas já estavam sendo atendidas por outras viaturas da Polícia Militar e por ambulância do Samu

O primeiro policial militar interrogado nesta quinta-feira (14), no terceiro dia do terceiro julgamento da Chacina do Curió, admitiu que chegou a ver três corpos no chão, na região onde os crimes foram cometidos, mas alegou que não parou para socorrê-los porque as vítimas já "estavam em atendimento" e sua composição estava em busca dos suspeitos de matar o soldado Valtermberg Chaves Serpa. "Nós iniciamos uma missão e não podíamos parar", afirmou ele em depoimento ao júri, no Fórum Clóvis Beviláqua.

O cabo Antônio Flauber de Melo Brazil, um dos oito réus do terceiro julgamento, estava em uma viatura descaracterizada, sem farda, à paisana, a serviço do Centro de Inteligência Policial (CIP), à época do massacre que culminou em 11 pessoas mortas, três tentativas de homicídio e quatro crimes de tortura. Ele, porém, negou participação em todos os crimes e disse que a composição vinha de outra ocorrência envolvendo um policial, antes mesmo da morte de Serpa.

"Não conhecíamos a geografia da área. Aguardamos que alguém pudesse nos direcionar. E foi a equipe da Inteligência do Batalhão [da área] que direcionou [Antônio Carlos Marçal, José Wagner Silva de Souza e José Oliveira do Nascimento, também réus e já interrogados]".

Segundo o PM, Marçal recebeu uma denúncia anônima sobre três suspeitos de matar o Serpa e duas equipes foram deslocadas para procurá-los. A equipe abordou um desses suspeitos — um dos sobreviventes, suposta vítima de tortura — e depois buscou os outros dois, mas não os encontrou. "Aquela região é muito perigosa, até hoje. Naquela época tinha gangues. Hoje, facções criminosas. Então, a movimentação de viaturas é normal, tem muitas ocorrências. E naquela noite estava normal", depôs o réu.

Flauber afirmou que a viatura levou a vítima sobrevivente para ser reconhecida pela esposa de Serpa no Batalhão da Polícia Militar, e não na delegacia da Polícia Civil, como o habitual. Disse que ficou no estacionamento da Unidade, mas não participou do reconhecimento. Mesmo assim, assegurou que "não houve nenhum tipo de violência". "Devolvemos ele à mãe, e ela até agradeceu", afirmou.

A vítima sobrevivente, no entanto, prestou depoimento ao júri nesta semana e garantiu que foi torturada pelos PMs e ameaçada de morte. Também relatou que os militares chegaram a colocar uma arma em sua boca.

'O protocolo da inteligência é trabalhar no sigilo'

Sobre as vítimas que viu no chão naquela noite, o réu disse que não parou para socorrê-las porque viu que elas estavam sendo atendidas por outras viaturas da Polícia Militar e por ambulância do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). "Vimos que estavam em atendimento e continuamos".

Também reforçou que não recebeu "nenhuma outra determinação" do comando fora a de buscar os suspeitos de matar o soldado Serpa. "Não recebemos nenhuma outra determinação. A determinação inicial era buscar os acusados [de matar Serpa] e fizemos isso até o final do turno. [...] O protocolo da inteligência é trabalhar no sigilo. Chegar e sair sem ser notado. Quanto mais invisível, mais seguro. Então, não faz parte do militar de inteligência parar em uma ocorrência para falar com alguém ou prestar socorro. Ainda mais porque tinham outras composições policiais", argumentou o acusado. "Se tivéssemos nos deparado com algum crime em flagrância, teríamos parado e agido, como manda a lei. Não havia necessidade de parar. A situação já estava sob controle", concluiu.