Membros do PCC são denunciados por mortes de ‘Gegê’ e ‘Paca’

Sete homens foram acusados pelo duplo homicídio, enquanto outros três suspeitos, inclusive o piloto, acabaram responsabilizados apenas por outros crimes

Gilberto Aparecido dos Santos, o ‘Fuminho’, confabulou com Wagner Ferreira da Silva, o ‘Cabelo Duro’, que arregimentou outros nove membros da organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) para participarem direto ou indiretamente do crime que voltou a atenção do Brasil para o Ceará. Para as autoridades cearenses, os assassinatos de Rogério Jeremias de Simone, o ‘Gegê do Mangue’, e Fabiano Alves de Sousa, o ‘Paca’, líderes da facção paulista, estão esclarecidos, o que permitiu que o Ministério Público do Ceará (MPCE) acusasse os responsáveis pelo crime.

Em denúncia apresentada no último dia 7 de agosto e obtida com exclusividade pelo Diário do Nordeste, o órgão acusatório citou os dez membros do PCC – com exceção de ‘Cabelo Duro’, morto dias depois de ‘Gegê’ e ‘Paca’. Entretanto, apenas sete foram acusados pelo duplo homicídio ocorrido em Aquiraz, na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF).

‘Fuminho’, gerente financeiro do PCC, e ‘Cabelo Duro’, líder da facção na Baixada Santista, planejaram o crime motivados “por divergências internas e disputas de domínio no mercado do tráfico ilícito de entorpecentes”, segundo o MPCE. Quanto ao primeiro, não há informações sobre a sua presença no Ceará, até hoje. O segundo convocou um grupo formado por homens de confiança, cearenses “violentos” e empregados burocratas para ajudá-lo na execução da trama.

Eis que desembarcaram em Fortaleza, André Luís da Costa Lopes, o ‘Andrezinho da Baixada’; Erick Machado Santos, o ‘Neguinho Rick da Baixada’; Ronaldo Pereira Costa; Carlenilto Pereira Maltas, ‘Carlos’ ou ‘Ceará’; Tiago Lourenço de Sá de Lima; Renato Oliveira Mota; Felipe Ramos Morais; Maria Jussara da Conceição Ferreira Santos; e Jefte Ferreira Santos.

‘Andrezinho’, ‘Neguinho Rick’, Ronaldo, Carlenilto e Tiago teriam entrado no helicóptero pilotado por Felipe Morais, descido na aldeia indígena Lagoa Encantada, em Aquiraz, Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), e executado ‘Gegê’ e ‘Paca’ por volta de 10h30 de 15 de fevereiro deste ano. Renato sabia do plano ousado e teria dado todo o apoio logístico para o crime. Já Maria Jussara e seu filho, Jefte, se encarregaram de recepcionar a quadrilha e cuidar da hospedagem de todos.

Os corpos das vítimas, parcialmente queimados, foram encontrados por um morador da região no dia seguinte. Já a identidade dos líderes da maior facção do País foi descoberta apenas no dia 18 de fevereiro. Os dias e meses seguintes foram de revelações impressionantes sobre o crime misterioso e a vida luxuosa que a dupla do PCC levava com suas famílias no Ceará, desde setembro de 2017; enquanto a Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco) investigava o caso e tentava chegar aos criminosos, que já haviam se dispersado sem deixar rastros sobre o seu destino.

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‘Fuminho’, gerente financeiro do PCC, e ‘Cabelo Duro’, líder da facção na Baixada Santista, planejaram o crime

Mudança de plano

Único acusado preso, Felipe contou à Polícia que havia trazido ‘Cabelo Duro’, ‘Gegê do Mangue’ e ‘Paca’ ao Ceará, em um helicóptero, no mês de setembro último. Na ocasião, o grupo vinha da Bolívia e, após a troca de aeronave, chegou ao Aeroporto de Aracati, onde foi recepcionado por Carlenilto.

Durante essa viagem, Wagner da Silva demonstrou “exagerada veneração” por Rogério Jeremias e Fabiano Alves, segundo o piloto. A antiga aproximação entre os três traficantes justifica porque ‘Cabelo Duro’ também estava marcado para morrer pela facção. E o seu funcionário particular, o piloto Felipe Morais, poderia ser mais uma vítima do plano inicial.

‘Cabelo Duro’ revelou a Felipe que os cearenses Carlenilto e Tiago iam derrubar o helicóptero, com eles dois, ‘Gegê’ e ‘Paca’ dentro, com tiros de metralhadora calibre Ponto 50, assim que decolassem da Praia do Futuro, por ordem de um criminoso identificado apenas como “Veinho’ ou ‘Veião’. Mas Wagner descobriu o plano antes e “graças aos seus relacionamentos dentro da facção, conseguiu reverter”, conforme a denúncia.

“Wagner teria também externado que as vítimas estavam desviando quantias milionárias da facção, inclusive realizando gastos na aquisição de buggys no valor de R$ 500 mil. Além disso, pretendiam levar para o Paraguai as pessoas que lhes davam suporte e logística em Fortaleza”. Em seguida, ele fez “menção ao fato de que as vítimas estavam promovendo guerras, matando muitos pais de família e não ‘levantavam a b... de suas cadeiras em suas mansões para irem nas favelas a fim de resolverem os problemas da facção’”, traz o documento assinado por cinco promotores de Justiça.

Cearenses

As mortes dos líderes do Primeiro Comando da Capital em Aquiraz trouxeram à tona uma presença da facção no Ceará maior do que as autoridades conheciam, como o Diário do Nordeste havia antecipado em série de reportagens publicada em janeiro deste ano.

‘Gegê’ e ‘Paca’ se estabeleceram em território cearense com o objetivo de ampliar o lucro com o tráfico de drogas internacional e transitavam em pontos turísticos do Estado com identidades falsas sem serem reconhecidos. Mas a morte dos dois também revelou a existência de cearenses na alta cúpula do PCC.

Segundo a denúncia, Carlenilto Maltas, conhecido na organização como ‘Ceará’, nasceu em Acopiara-CE e tem residências no bairro São Gerardo, em Fortaleza, e no Parque da Moca, em São Paulo. Ele era próximo de ‘Gegê’ e ‘Paca’, tendo frequentado o condomínio de luxo onde a dupla morava, no Porto das Dunas. Carlenilto também morava em uma mansão em um residencial dentro de Fortaleza a poucos metros do Fórum Clóvis Beviláqua. Já Tiago de Lima nasceu em Quixeramobim-CE e tem residências em Mombaça-CE e no Estado de São Paulo.

O município de Mombaça liga três acusados de participar do duplo homicídio. Além de Tiago, Renato Mota também tem residência fixa na cidade cearense, mas é natural de Jaciara, no Mato Grosso. Carlenilto também é conhecido em Mombaça, onde possui vários imóveis, conforme apurou a reportagem.

‘Ceará’ e Tiago são vistos como “violentos e perigosos”, dentro do grupo criminoso, e deixaram registros de sua periculosidade em São Paulo – berço da facção – conforme o documento do MPCE. O primeiro responde a furto, porte ilegal de arma de fogo, receptação e corrupção ativa, no Estado. Já o segundo tem mandado de prisão em aberto por furto.

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Os casais administravam e se apresentavam como proprietários dos bens dos líderes do PCC, segundo o MPCE

Crimes

O Ministério Público pediu pela prisão preventiva dos dez citados na denúncia. Apenas o piloto Felipe Morais está detido, enquanto nove acusados estão foragidos. ‘Fuminho’, ‘Neguinho Rick’ e Tiago foram acusados por homicídio qualificado, organização criminosa, falsificação de documento e concurso de pessoas. Já ‘Andrezinho da Baixada’, Ronaldo, Carlenilto e Renato foram denunciados por homicídio qualificado, organização criminosa e concurso de pessoas.

Os outros citados na peça acusatória, Felipe Morais, Maria Jussara e Jefte, livraram-se da acusação de homicídio. O piloto foi denunciado por falsificação de documento e organização criminosa; enquanto mãe e filho, apenas por organização criminosa.

Supostos ‘laranjas’ se livram de acusação de homicídio

O quarteto apontado pela Polícia Civil como ‘laranja’ da vida de luxo de Rogério Jeremias, o ‘Gegê do Mangue’ e Fabiano Alves, o ‘Paca’, no Ceará, e suspeito de participar da execução da dupla, no início da investigação, se livrou da acusação de homicídio formulada pelo Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE).

“Depreende-se do caderno inquisitorial que, após se estabelecerem com suas famílias em Fortaleza e Região Metropolitana, a partir do mês de setembro de 2017, ‘Gegê do Mangue’ e ‘Paca’ passaram a adquirir imóveis e veículos de luxo com o produto das atividades ilícitas da facção, com claros indícios de lavagem de capitais, considerando a tentativa de ocultarem a propriedade dos bens e a origem dos recursos empregados na sua aquisição”, afirmou a peça acusatória.

Os líderes do PCC encontraram nos irmãos Francisco Cavalcante Cidrão Filho e José Cavalcante Cidrão e nas suas esposas, Samara Pinheiro de Carvalho Cavalcante e Magda Enoé de Freitas, a oportunidade para não deixar pistas que estavam no Ceará. Os dois casais e mesmo outros parentes “figuravam como peças-chaves no esquema de lavagem de dinheiro do PCC no Estado do Ceará, haja vista que não só negociavam, como também administravam e se apresentavam como proprietários dos bens dos líderes da organização criminosa”.

Os investigadores concluíram que Cavalcante, Cidrão, Samara e Magda não participaram sequer indiretamente dos homicídios. Por isso, a apuração acerca da lavagem de dinheiro e da participação em organização criminosa, dos quatro suspeitos, foi desmembrada para outro inquérito policial, que foi distribuído à 14ª Vara Criminal de Fortaleza.

Segundo o advogado de defesa dos dois casais, Kaio Castro, a família Cavalcante Cidrão não tinha conhecimento que os dois homens eram membros da alta cúpula do PCC, pois se apresentavam como empresários, com outros nomes: “Desde o começo, a gente pontuou que eles não estavam envolvidos com o crime, nem sequer sabiam quem eram aqueles homens. A relação entre eles era estritamente de amizade. Meus clientes ainda intermediaram compra e venda de imóveis, no máximo. Se eles soubessem, jamais iriam envolver familiares com pessoas dessa periculosidade”.

Liberdade

O grupo chegou a ter a prisão decretada pela Justiça. Samara Cavalcante e Magda Enoé se apresentaram à Polícia, prestaram depoimento e tiveram a ordem convertida em prisão domiciliar, com a justificativa de que elas têm filhos pequenos para criar. Após 30 dias de cumprimento da medida, a detenção das mulheres não foi renovada.

Já Francisco Cavalcante e José Cidrão tiveram o mandado de prisão recolhido pela Justiça, na semana passada, e vão ser investigados em novo inquérito policial em liberdade, segundo o advogado de defesa. Conforme Castro, a família está sofrendo por ter sido apontada como partícipe dos homicídios. “Houve transtornos psicológicos e prejuízos incalculáveis para a família. Vamos tomar as medidas necessárias para voltarem à vida normal”, concluiu.