A Justiça decidiu ratificar o recebimento da denúncia do Ministério Público do Ceará (MPCE) e manter presos três policiais militares acusados de extorquir uma mulher em Maracanaú, Região Metropolitana de Fortaleza. Eles teriam exigido R$ 3 mil da vítima e, em troca, não efetuariam a prisão dela. Conforme a acusação, durante a investigação também foram apreendidas drogas, armas e balanças de precisão, que seriam supostamente usadas pelos agentes "com a finalidade do forjamento de flagrantes, como meio para a prática de extorsões".
Os soldados Wiver Rodrigues da Silva, Lucas Valentim Pinto Andrade e o cabo Antônio Wellington Ribeiro de Andrade também são acusados de prevaricação e violação de domicílio. De acordo com a decisão proferida na Auditoria Militar do Estado do Ceará, a manutenção da prisão é necessária porque "no caso dos autos, o modus operandi dos suspeitos era justamente o de intimidação das vítimas para obtenção da vantagem".
"Nada impede que se utilizem do mesmo expediente para impedir a boa construção da prova judicial. Aliás, a prática nos evidencia que, tratando-se de policial militar, o medo da testemunha ou das vítimas com relação aos réus é ainda mais acentuado", segundo trecho da decisão. Uma audiência para ouvir testemunhas está agendada para o dia 30 de setembro de 2024.
O advogado Oswaldo Cardoso, que representa a defesa dos PMs Lucas e Wiver disse por nota que "acredita na plena inocência dos seus clientes e que tudo não passa de uma calúnia contra os mesmos, em depoimentos contraditórios e sem nexo, com a utilidade apenas, de difamar a atuação dos mesmos em determinada localidade dominada por uma facção criminosa, onde fizeram bastante apreensões e prisões. Seus clientes trouxeram prejuízos à criminalidade e por isso, a represália, além de não existir motivos para o recebimento da denúncia. Está ocorrendo uma grande injustiça, mas acreditamos que a verdade prevalecerá e será provado".
O juiz destaca que "em relação às teses defensivas, não se vislumbra a preliminar alegada pela defesa de que a denúncia é inepta, uma vez que foram detalhadas as circunstâncias de tempo e lugar em que ocorreram os supostos delitos, não existindo assim, qualquer causa de absolvição sumária".
EXIGÊNCIA DE PAGAMENTO VIA PIX
De acordo com a denúncia do MPCE, a vítima foi presa em flagrante em outubro de 2023, no bairro Jereissati I, em Maracanaú, em posse de drogas. Três dias depois ela foi solta em audiência de custódia, e voltou a ser abordada por PMs, de uma outra composição diferente da que a capturou.
"De acordo com o que a vítima narrou, três policiais militares adentraram na mesma residência e reviraram todos os móveis, em busca de ilícitos, mas nada encontraram. Então, iniciaram sessões de torturas, com uso de spray de pimenta e ameaças de que desfeririam uma paulada, a qual inclusive está gestante, caso não dissessem onde haviam armas e/ou drogas"
Dias depois, a mulher conta que foi novamente abordada quando voltava de um shopping e os militares teriam exigido R$ 3 mil para não a levarem até a delegacia, "com esse suposto material ilícito forjado".
A mulher chegou a conseguir R$ 900 e transferiu no dia seguinte aos policiais, mas as ameaças teriam continuado.
"Os agentes passaram a lhe exigir o pagamento de R$ 2.100,00, como condição para não lhe prenderem e até mesmo para não a matarem. Como ameaça indireta, um dos policiais diz que 'já mandou quatro para baixo do chão'. Diante de tudo relatado até aqui, está claro que os agentes de segurança pública estão agindo extra oficialmente, fora de serviço, através de extorsões perpetradas via telefone (WhatsApp), com a exigência de valores", conforme a denúncia.
PROVAS
Consta nos autos que ao longo da investigação um vasto material foi apreendido junto aos suspeitos. Com Wiver foi apreendido um aparelho celular com número de conta no WhatsApp "o qual mantinha contato com a vítima para a cobrança do dinheiro acordado, bem como para o envio dos comprovantes das transações bancárias".
Com Wiver também foram encontrados crack, maconha e cocaína, "bem como munições para as quais ele não tinha autorização de possuir, o que ensejou na sua autuação em flagrante". A droga estava no colete do PM.
"Não bastasse isso, ainda no colete de Wiver Rodrigues da Silva foi encontrada a quantia de R$ 2.070,00, de modo que todo o contexto traz consideráveis suspeitas sobre a origem do referido dinheiro. Por fim, foram também encontrados dois simulacros de arma de fogo, balança de precisão e sacos plásticos tipicamente utilizados para o acondicionamento de drogas".
Junto a Antônio Wellington, de acordo com a investigação, "foram também encontrados materiais ilícitos, além de aparelhos celulares. No caso, foram seis munições calibre 380, oito munições calibre .38, três munições calibre 12, treze munições calibre 9 milímetros (todas ilegais, ante a falta de autorização do investigado para possuí-las), seis balanças de precisão, diversas embalagens plásticas típicas de separação de drogas, um saco plástico contendo substância similar à cocaína e 88 pedras de crack".
"Ponto relevante trata-se de que os entorpecentes, duas das balanças de precisão e as embalagens plásticas encontradas com Antônio Wellington Ribeiro de Andrade estavam dentro de uma pequena bolsa que o denunciado afirmou usar exatamente quando vai para o trabalho, mais uma vez corroborando com as palavras da vítima, de que essa equipe porta sempre materiais ilícitos com a finalidade de ameaçarem o forjamento de flagrantes, como meio para a prática de extorsões"
Ainda com o cabo foram encontrados um simulacro de arma de fogo e três aparelhos celulares. "Vale destacar que o denunciado tentou esconder um dos telefones, no caso, o Iphone de cor branca, tendo alocado-o dentro de uma caixa de televisão vazia, em um dos cômodos da residência", que foi apreendido pelos policiais civis.
Com Lucas Valentim não foram encontrados ilícitos, mas sim uma balança de precisão, um cartão bancário em nome de terceiro e quatro aparelhos celulares. O processo segue em andamento.
[Atualização: 21/08/2024, às 10h21] Após a publicação da reportagem, o advogado Ivá da Paz Monteiro Filho, que representa a defesa do cabo Antônio Wellington Ribeiro de Andrade, enviou a seguinte nota:
"Os processos em andamento estão sob segredo de justiça, e os fatos alegados serão esclarecidos no momento processual adequado, sempre pautados pela busca da verdade e pela colaboração integral com a justiça, visando à restauração da paz e segurança na comunidade.
É imprescindível ressaltar que estamos iniciando a fase de instrução processual, através das audiências, na qual o militar terá a oportunidade de apresentar as suas testemunhas e a sua versão dos acontecimentos, visto que até o momento não teve a chance de se pronunciar. Em relação ao habeas corpus impetrado junto ao STJ, apesar da liminar ter sido negada, o processo está em tramitação regular, Ministério Público, portanto, ainda sem manifestação quanto ao seu mérito.
Dessa forma, diante da ausência de condenação até o presente momento, qualquer conclusão desfavorável ao militar seria precipitada e imprudente. Destacamos a importância dos princípios fundamentais do processo penal e da presunção de inocência, conforme estabelecido no art. 5º, LVII, da Constituição Federal. Até que haja uma decisão penal definitiva, a inocência do militar é uma premissa inquestionável. Reiteramos nossa confiança de que a inocência do militar será plenamente comprovada ao longo da instrução processual."