Uma nova tecnologia começou a ser desenvolvida para a Segurança Pública do Ceará, com aplicação inicial em Fortaleza. O Programa de Policiamento em Pontos Quentes (PPQ) promete aperfeiçoar o sistema de "pontos quentes" ("hotspots", como é conhecido em inglês), ao traçar rotas para o policiamento ostensivo.
O Programa será aplicado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV) e com a Superintendência de Pesquisa e Estratégia de Segurança Pública (Supesp), da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS). O anúncio foi feito na última quarta-feira (22).
Fortaleza foi selecionada em um edital do BID e será a primeira cidade do Brasil a implantar o Programa. "Estamos no início da pesquisa, na fase de análise. Depois vai para a parte de projeto, implementação. Tem uma longa jornada ainda", afirma o superintendente da Supesp, Helano Matos.
A ideia do Programa é escolher cidades brasileiras para fazer o mapeamento da chamada mancha criminal, ou 'hotspots', que é o ponto quente, onde tem maior incidência de crime. Vamos receber essa tecnologia toda gratuita. A nossa contrapartida é fornecer os dados, para eles trabalharem e construírem o sistema."
Segundo Helano, a Superintendência irá fornecer ao BID dados de Fortaleza de Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLIs) - mortes em geral; Crimes Violentos contra o Patrimônio (CVPs) - que são os roubos; furtos; crimes sexuais; agressões contra mulheres; e apreensões de armas de fogo e de drogas. Números esses que também são disponibilizados no site do Órgão, para o público em geral.
A socióloga e pesquisadora da Rede de Observatórios da Segurança e do Laboratório de Estudos da Violência (LEV) da Universidade Federal do Ceará (UFC), Ana Letícia Lins, pondera que "o Ceará vem repetindo a mesma ideia em relação à Segurança Pública desde a época da 'redemocratização' (1988)".
"Em diferentes projetos lançados ao longo dos governos, a ideia sempre foi mapear e identificar territórios sensíveis em relação aos 'indicadores criminais sensíveis'. Com essa informação, dividem território, usam a palavra integração, tentam modernizar a Segurança Pública", continua a socióloga.
Desde 2017, nota-se que isso está sendo feito por um outro caminho, mas com a mesma orientação. O novo caminho é o uso de tecnologias, a mesma orientação é a expansão do policiamento ostensivo como forma de resolver todos os problemas da Segurança Pública no Ceará. Sem transparência ou discussão sobre vigilância e privacidade, o videomonitoramento foi expandido em Fortaleza."
Ana Letícia Lins conclui que "querem nos fazer identificar isso como ação de prevenção". Mas, segundo a pesquisadora, faltam investimentos em ações sociais como o Fórum de Cultura do Grande Bom Jardim, que há dois meses está com a sede sem energia, em um bairro comumente lembrado pela violência e que, muitas vezes, serve de "laboratório" para ações policiais.
"Se estamos falando de prevenção, onde está o pleno funcionamento desse equipamento e a expansão de outros equipamentos como esse nas periferias que frequentemente têm vivenciado o encontro com o Estado apenas pelo policiamento ostensivo, torres de segurança, videomonitoramento e sendo dados estatísticos para preencher um banco de dados sobre 'indicadores sensíveis'?", questiona.
Mas o que são "pontos quentes"?
A Segurança Pública do Ceará - como em outros estados do Brasil e países - já se utiliza do mapeamento por "pontos quentes", desde fevereiro de 2021, para posicionar o policiamento e traçar estratégias de combate à violência, a partir da maior ou menor incidência de um crime em determinada região (as "manchas criminais"). Helano Matos explicou o principal objetivo do Programa de Policiamento em Pontos Quentes:
"Na verdade, a gente já faz esse estudo há bastante tempo. E esse Programa do BID vem complementar com alguma informação nova, alguma tecnologia nova, que a gente pode adquirir e avançar. Estão tentando ver se indicam a rota de atuação do policiamento, dentro daqueles pontos quentes", destaca o superintendente.
O Banco Interamericano de Desenvolvimento descreve que o Programa "é uma estratégia de policiamento ostensivo, realizada por meio do patrulhamento em determinadas quadras, esquinas ou praças, que concentram altas taxas de criminalidade".
De acordo com o BID, "o Policiamento em Pontos Quentes é uma estratégia que, de acordo com uma revisão de 50 estudos, gera redução de 19% nos crimes violentos, de 16% nos crimes de propriedade e de 20% nos crimes de desordem e drogas, sem gerar deslocamento do crime para outras áreas".
"A grande maioria desses estudos, porém, foi realizada no hemisfério norte e em países anglo-saxões. Na América Latina, as evidências ainda são incipientes. Enquanto estudos realizados no Uruguai e na Argentina mostram impactos positivos nos roubos, na Colômbia, os efeitos foram mistos", revela o Banco.
O Programa pretende responder algumas perguntas:
- Qual o tempo de permanência em cada ponto quente produz o maior efeito de dissuasão após a passagem dos policiais?
- Qual a melhor forma de realizar o patrulhamento (a pé/bicicleta/viatura, etc.)?
- A forma em que os policiais agem quando estão no ponto quente, na forma de fazer abordagens ou contatos comunitários, faz diferença?
- Existe um deslocamento do crime para áreas onde não está sendo feito o Programa? Existe uma difusão de benefícios (redução em outros crimes na mesma área, ou do mesmo crime nas áreas conexas ao local de intervenção?
Além da instalação do Programa de Policiamento em Pontos Quentes, o BID investiu R$ 72 milhões na Segurança Pública do Ceará neste ano: sendo R$ 31 milhões para ações de policiamento de proximidade implementados pelas Unidades Integradas de Segurança (Unisegs) e pelo Programa Estadual de Proteção Territorial e Gestão de Riscos (Proteger); e R$ 41 milhões para outras ações que envolvem a SSPDS, a Supesp e a Perícia Forense do Ceará (Pefoce).