Enforcamento e bala de borracha: advogados denunciam novas sessões de torturas em presídio do Ceará

A Corregedoria de Presídios da Capital e Região Metropolitana tomou conhecimento do caso e apura as denúncias. A SAP afirma que não houve tortura e salienta que os internos eram de uma facção criminosa e começaram um motim na unidade.

O Sistema Penitenciário do Ceará foi palco de novas sessões de torturas, de acordo com advogados e familiares de presos. Eles afirmam que policiais penais agrediram, na última semana, internos do Centro de Detenção Provisória (CDP), localizado na cidade de Aquiraz, Região Metropolitana (RMF). A Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) nega que aconteceu tortura e fala de um confronto entre internos e servidores e afirma que a ala onde ocorreu o fato é ocupada por membros de uma facção criminosa de origem cearense, que teriam iniciado um motim.

Há informação que os internos teriam sido enforcados e atingidos com balas de borracha. Um deles foi atingido na cabeça e precisou levar pontos para conter o sangramento. O caso chegou ao conhecimento da Corregedoria de Presídios da Capital e Região Metropolitana. 

Juízes foram até a unidade e realizaram inspeção extraordinária para apuração dos fatos. De acordo com o Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), os procedimentos investigatórios seguem em andamento. "Mais informações não podem ser repassadas em razão do sigilo. O Judiciário continua atuando, por meio da Corregedoria de Presídios, para fiscalizar e adotar todas as medidas necessárias no âmbito de sua competência", segundo o órgão.

A versão da SAP é outra. Por nota, a Pasta negou ter havido tortura e diz que na terça-feira da semana passada a ação dos agentes precisou acontecer para conter um amotinamento e revidar ofensas feitas pelos presos aos policiais penais.

Conforme a Secretaria, "os internos faccionados ofenderam verbalmente e arremessaram pertences pessoais contra os policiais penais daquela unidade. A tentativa dos criminosos foi frustrada com a pronta resposta dos agentes do Estado que controlaram o ataque do crime com técnica e o uso controlado da força previsto em Lei. No confronto, 7 internos tiveram ferimentos leves. Todos eles foram imediatamente medicados e passaram por exames de corpo e delito. Todos os infratores foram conduzidos à delegacia e responderão administrativamente e criminalmente pelos atos do dia 15 de novembro".

O QUE TERIA MOTIVADO AS AGRESSÕES

Um advogado criminalista que tem clientes nesta unidade denuncia ter ficado a par da situação ao conversar com um interno. Segundo ele, um policial penal tomou conhecimento do voto de um preso para um candidato a presidente e, não satisfeito, enforcou o interno.

"Os demais presos reagiram quando viram a situação e foi aí que aconteceu a sessão de tortura. O diretor da unidade teria sido conveniente com a situação, dizendo não se importar com as agressões. Um dos presos teve as costas retalhadas com o canivete", disse um advogado, que terá sua identidade preservada.

"Os presos feridos são colocados no isolamento para tentar disfarçar a situação. Entendo que não podemos ficar de braços cruzados. Com situações assim, os presos saem piores do que quando entram, ficam revoltados. É preciso uma solução rápida"
Advogado criminalista

A SAP diz que "a suposta politização do episódio é uma Fake News. Tentativa do crime organizado de confundir os veículos de comunicação e a opinião pública".

Presidente da Comissão de Direito Penitenciário da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Secção Ceará, Márcio Victor, diz que não teve conhecimento sobre episódio de tortura no CDP, mas que, em breve, a Comissão irá realizar inspeção nesta unidade: "vamos chegar a estrutura do presídio e a situação, se aconteceu algo por lá".

SITUAÇÃO PREOCUPA

Um familiar de um interno na unidade mencionada disse ter ficado preocupado com a situação nesse último fim de semana. "Fui a uma visita na unidade e os presos estão denunciando que são enforcados, que quando vão ao banho de sol recebem tiros de borracha", contou o parente, de identidade preservada por temer represálias.

O presidente da Associação Nacional da Advocacia Criminal Regional Ceará (Anacrim-CE) e advogado criminalista Alexandre Sales fala que a situação das frequentes sessões de torturas em diferentes unidades prisionais já acontece há quase seis meses.

"A gente vem recebendo denúncias de advogados e familiares. Eles falam que quando chega o dia da visita encontram presos com dedos quebrados, hematomas. Tentamos fazer a denúncia, mas é difícil porque as denúncias surgem e os presos seguem lá dentro sofrendo com isso. Falta uma ação mais contundente, como aconteceu no IPPOO. Nós, enquanto associação, comunicamos aos órgãos o que acontece, mas quando se lida com torturador é difícil fazer com que as pessoas tenham coragem, porque há pessoas vivendo lá dentro na mão deles. É uma questão que vai mudando de unidade para unidade", pondera o presidente da Anacrim-CE.

Os casos anteriores aos quais ele se refere foram noticiados pelo Diário do Nordeste nos últimos meses de setembro e outubro.

CRIMES ANTERIORES

Há dois meses, policiais penais, incluindo um diretor de presídio, passaram a ser investigados pela Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário (CGD) por suspeita de torturar detentos, na Unidade Prisional Professor Olavo Oliveira II (UPPOO II) - antigo IPPOO II - em Itaitinga, na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF).

A reportagem do Diário do Nordeste teve acesso a documentos onde constavam com detalhes os requintes de crueldade perpetrados por agentes no IPPOO II. Quatro policiais penais foram presos sob suspeita de tortura: Pedro Paulo Sales Damata (diretor do UPPOO II), Thiago Phelipe Mariano de Sousa (diretor-adjunto da mesma unidade), Daniel George Abreu Andrade e Eduardo Caldeira Rodrigues. Juntos, eles teriam cometido 18 crimes de tortura, em um dia.

70 detentos
do UPPOO II tinham lesões e hematomas, que indicam a prática de tortura.

Dentro da prisão, internos foram obrigados a beber 'asseptol' e banhados com água sanitária, conforme depoimentos das vítimas. Constam nos depoimentos que os internos seriam obrigados a se despir e dançar para os policiais penais músicas infantis ou constrangedoras. Um dos presos mencionou ter sido “obrigado a dançar a música Conga la Conga, sempre nus".

Os detentos afirmaram aos investigadores que as sessões de tortura praticadas pelos policiais eram frequentes, com uso de tonfas (armamentos semelhantes a cassetetes), além de tapas e socos. Os servidores ainda obrigavam os presos a cantarem e dançarem, como forma de humilhá-los.