Rua Ribeiro da Silva, 391, bairro Monte Castelo. Quem passava pelo endereço, ou até mesmo entrava para visitas esporádicas, provavelmente não se dava conta do que se passava na rotina atrás dos muros do local. Já os idosos que vivam lá dentro se deparavam com o horror. Após denúncias de quem já trabalhou no abrigo, a Polícia Civil do Ceará passou a investigar crimes sofridos por institucionalizados durante meses.
Dores, sangramentos e desnutrição: o horror vivido por idosos em abrigo interditado na Capitalhttps://t.co/XIiD4M8Lhv pic.twitter.com/RvaFrrXPQY
— Diário do Nordeste (@diarioonline) November 26, 2021
A Instituição de Longa Permanência para Idosos (ILPI) Espaço de Bem Estar Socorro Oliveira, comandada por Benedita de Oliveira de Sousa, 64, e agora presa, foi cenário para cenas de horror e até mesmo o último espaço visto por vítimas que não conseguiram sobreviver aos maus tratos recebidos no prédio.
A reportagem teve acesso ao inquérito da PCCE, onde estão listados crimes ocorridos na instituição. Os casos vão desde desnutrição até negligência que culminou em óbito. Todos eles são atribuídos à proprietária do Espaço, Benedita de Oliveira, detida na manhã dessa quinta-feira (25).
SEM ANESTESIA
Um dos primeiros relatos é sobre a queda de uma idosa. A mulher bateu a cabeça ao cair e precisava de atendimento de emergência para suturar a testa. Mas, conforme denunciante, Benedita costurou a testa da idosa com uma linha de costura e agulha sem qualquer tipo de anestesia. Só depois de oito dias, quando o ferimento estava muito infeccionado e amarelado, uma cuidadora que trabalhava no local teve informação de como o procedimento foi feito.
Outro fato citado por quem aponta Benedita como responsável por uma série de crimes é o de um idoso que foi obrigado a comer. A denunciante, de identidade preservada, diz que a chefe introduziu comida na boca do paciente e ele se engasgou. O homem precisou ser socorrido em uma UTI Móvel ao hospital, ficou internado por quatro meses porque broncoaspirou o alimento e como consequência perdeu a fala.
Um dos casos que mais chamou a atenção das autoridades e vem sendo investigado como homicídio é o de uma idosa, que fazia uso de sonda e não conseguia se comunicar. A mulher estava sem conseguir defecar há alguns dias, e quando as cuidadoras informaram à Benedita sobre a necessidade da ida ao hospital, a proprietária teria dito que sabia lidar com a situação.
De acordo com as denunciantes, Benedita introduziu duas ou três vezes frascos de nutrição enteral no ânus da idosa e a vítima começou a sangrar pelo nariz e pela boca. A mulher ficou roxa e gemeu de dor. Horas depois ela morreu.
A falta de trato de Benedita com os idosos era percebida em diversas situações. Em outras ocasiões, ela supostamente amarrava os idosos, os humilhava, dava água da torneira para beberem e escondia os aparelhos eletrônicos levados pelos familiares.
DIZIA SER ESPECIALISTA
Para evitar que profissionais da saúde entrassem no Espaço de Bem Estar Socorro Oliveira, a suspeita costumava dizer que tinha formação em cursos na área da saúde. Em determinada ocasião, conforme depoimentos, chegou a realizar procedimento inadequado em uma escara no pé de uma idosa. "Colocou uma faca no forno e quando a faca esquentou retirou o tecido necrosado, sem nenhuma anestesia. Depois para cessar o sangramento jogou água quente", relatou uma das mulheres que trabalhou no local.
O Ministério Público do Ceará (MPCE) destaca nos autos que Benedita de Oliveira de Sousa disse diversas vezes ser fisioterapeuta, mesmo sem preencher as condições por lei para exercer a profissão.
"No interior de seus muros passou a cometer atrocidades contra praticamente todas aquelas indefesas pessoas, sem capacidade muitas vezes, sequer de falar. Privando-as de socorro médico, passando-se por médica e realizando intervenções inadequadas levando à óbito idosa com deficiência mental. Espancando idosos que conseguiam informar para suas famílias a fome e os demais maus tratos, típico crime de tortura, humilhando desrespeitando, coagindo vítimas e testemunhas e inovando artificiosamente o estado das coisas, quando das visitas do Ministério Público", complementou o órgão.