Detalhes de um crime sexual: vítima de médico denunciado narra terror vivido dentro do consultório no CE

"Gritei e pedi socorro", conta uma das vítimas do ginecologista. O homem foi indiciado por violação sexual mediante fraude e estupro

A primeira consulta com um ginecologista. O momento que muitas mulheres aguardam ansiosamente e marcam uma nova fase da vida, se resumiu ao dia mais traumatizante já vivido por Liete (nome fictício). Aos 17 anos, a paciente foi abusada sexualmente por um médico, já idoso, dentro de um hospital em Catarina, Interior do Ceará. O crime cometido naquele dia já não era o primeiro ato ilícito do profissional. Mas somente 10 anos depois, os casos chegariam a público e passariam a ser investigados pela Polícia Civil do Ceará.

Aos 71 anos, o médico foi preso. A captura aconteceu em Orós, no fim do último mês de março, deixando nas vítimas a sensação de que a Justiça começará a ser feita. Nessa quinta-feira, o homem foi indiciado pela Polícia Civil do Ceará pelos crimes de violação sexual mediante fraude e por estupro. Os inquéritos devem ser finalizados nos próximos dias e remetidos ao Poder Judiciário.

Quando se recorda das cenas vividas dentro do consultório, Liete engasga: "É como reviver todo um sofrimento. Foram anos sendo perseguida até que esse momento chegasse. Hoje eu sei que ele fez muitas outras vítimas". A mulher de 26 anos de idade não se surpreendeu quando o caso veio à tona. Segundo ela, em diversos momentos soube que o ginecologista abusava sexualmente das pacientes, "mas não podia fazer muito, porque vivia sob ameaça".


"Eu era uma adolescente quando tudo aconteceu. Na época, não tinha acesso às redes sociais. Denunciei, fiz exame, mas como ele tinha prestígio na cidade, ficou por isso mesmo"

Ela conta que estranhou a atitude do médico desde o primeiro momento. Segundo Liete, o homem não deixou que a mãe dela entrasse para acompanhá-la no consultório. Já lá dentro, ele ordenou que ela retirasse a roupa. "Não tinha um banheiro para eu me trocar, então me troquei na frente dele. Estranhei aquilo, mas como eu não tinha experiência, aceitei".

Em poucos minutos, o crime sexual se concretizou. "Ele disse que ia fazer um exame. Então fiquei na posição. Foi quando senti o pênis dele penetrando. Gritei. Saí correndo já pedindo socorro. A minha mãe ficou desesperada", relata a vítima.

AMEAÇAS PARA QUE A FAMÍLIA SE CALASSE

A jovem conta que sua mãe tentou abordar o médico, mas ele foi protegido pela direção do hospital. Elas queriam a prisão em flagrante e buscaram as autoridades. Liete chegou a ser submetida a um exame que comprovasse o estupro, mas só agora, em 2022, a investigação caminhou: "naquela época a gente não entendia que precisava dar andamento à denúncia. Hoje já é diferente". 

Ela disse ter ficado em choque quando gestores do hospital tentaram calar a família.

"Chegaram em mim já perguntando o que houve e pedindo para conversar, perguntando o que eu estava precisando para que não denunciasse". Parentes próximos ligados à área da saúde começaram a ser dispensados.

Liete diz ter ficado aliviada quando soube que ele foi preso, mas chorou quando o homem pagou fiança e foi solto: "Pensei que ele viesse me matar, se vingar". O médico teve prisão em flagrante revogada ao pagar fiança de R$ 30 mil, mas não demorou até ser detido novamente, da última vez, por mandado de prisão.

AFASTADO DA FUNÇÃO

No dia que o caso repercutiu na imprensa, a Secretaria Municipal de Saúde de Orós, responsável pela gerência do Hospital e Maternidade Luzia Teodoro da Costa, emitiu nota afirmando que o médico detido é plantonista da unidade e foi imediatamente afastado do plantão e desligado do quadro de funcionários do Município. 

"A secretária de saúde e a diretora do hospital se fizeram presente no momento, repudiando a ação do médico,  e oferecendo a ajuda necessária à vítima", diz a pasta, acrescentando que o médico não quis se manifestar sobre o caso, mas nega as acusações da vítima. 

"O Município não compactua com qualquer desrespeito aos seus munícipes e orienta todos os profissionais das mais diversas áreas a bem atender as demandas da população prezando sempre pela: moralidade e eficiência no fornecimento de serviços", conclui a secretaria.

O hospital que se pronunciou em nota não é onde a personagem desta reportagem foi atendida

INVESTIGAÇÃO

Até o momento, sete mulheres se apresentaram oficialmente como vítimas do mesmo médico. A Polícia Civil do Ceará estabeleceu força-tarefa para identificar todas as possíveis vítimas. O delegado Glauber Ferreira adianta que também há pacientes abusadas em mais cidades, como Catarina, Acopiara, no Icó. 

"Eu recebi relatos de uma vítima de 1989. De lá para cá, quantas pessoas foram vítimas desse médico?", se pergunta o delegado.