A auxiliar de serviços gerais Margarida de Sousa carrega há 6 anos a dor de ter o filho desaparecido. Para o Ministério Público do Ceará (MPCE), o frentista João Paulo de Sousa Rodrigues foi raptado em Fortaleza e morto por policiais militares, a mando do patrão da vítima - mas o corpo nunca foi encontrado. As defesas dos réus negam o crime.
João Paulo desapareceu no dia 30 de setembro de 2015, na ida para o trabalho. Uma câmera de videomonitoramento registrou quando ele foi colocado dentro de um veículo por policiais militares. A investigação levou à acusação contra os PMs Antônio Barbosa Júnior, Elidson Temóteo Valentim, Francisco Wanderley Alves da Silva e Haroldo Cardoso da Silva e contra o empresário Severino Almeida Chaves, conhecido como 'Ceará'.
[Atualização: 08/10/2021, às 8h54] Os 6 anos que se passaram ainda não foram suficiente para os cinco acusados serem julgados na Justiça Estadual. Questionado sobre a demora no julgamento do processo, o Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) respondeu que "A referida ação penal está em constante movimentação processual desde o início da tramitação na 1ª Vara do Júri da Comarca de Fortaleza".
"Vale destacar que o processo possui cinco réus e tem mais de 3 mil páginas, além de várias testemunhas que foram ouvidas ao longo da fase de instrução. Nesse período, foram proferidos diversos despachos e decisões interlocutórias necessárias ao andamento do processo, além de realização de audiências", justifica o TJCE.
Eu me sinto péssima (com a demora), porque fez seis anos já e nada foi resolvido. E saber que seu filho era trabalhador, pai de família, um menino muito bom, que não bebia nem fumava. Era só da casa para o trabalho. E, de repente, a pessoa vai e tira a vida da pessoa assim, sem explicação".
"O pior é que eu não consegui encontrar e velar o corpo dele", completa Margarida. O sofrimento é compartilhado com outros familiares de João Paulo, inclusive com a filha dele de 6 anos - que tinha 11 meses quando o pai desapareceu e irá crescer sem ele.
Processo está na fase dos memoriais finais
A primeira denúncia do MPCE pelo desaparecimento de João Paulo incluía apenas os quatro policiais militares. A acusação por tortura mediante sequestro com resultado morte e por ocultação de cadáver foi apresentada à 5ª Vara Criminal de Fortaleza em 1º de dezembro de 2015, cerca de dois meses após o caso.
Entretanto, o processo foi distribuído à 1ª Vara do Júri de Fortaleza, em 28 de novembro de 2017, após a juíza da 5ª Vara Criminal entender que o episódio se tratou de um homicídio. Então, o representante do MPCE na Vara do Júri acusou, no dia 1º de fevereiro de 2018, os quatro PMs por homicídio, ocultação de cadáver, roubo e organização criminosa; e incluiu o nome do empresário Severino Almeida Chaves na lista de denunciados, pelos crimes de homicídio, ocultação de cadáver e roubo.
A ação penal teve as oitivas dos réus e de testemunhas perante a Justiça e avançou para os Memoriais Finais - que antecede a decisão de pronúncia ou impronúncia do juiz, ou seja, se irá levar ou não os réus para serem julgados no Tribunal do Júri, respectivamente.
O Ministério Público do Ceará apresentou os Memoriais Finais em 19 de fevereiro deste ano. De acordo com o documento, o frentista João Paulo Sousa Rodrigues foi abordado por uma viatura da Polícia Militar do Ceará (PMCE) no caminho para o trabalho, na Avenida Cônego de Castro, em Fortaleza, na tarde de 30 de setembro de 2015. Estavam na viatura os policiais Antônio Barbosa, Elidson Valentim e Francisco Wanderley da Silva.
Após a abordagem, o jovem foi colocado dentro do porta-malas de um veículo de propriedade e guiado pelo militar da Reserva Remunerada Haroldo Cardoso, que estaria acompanhado de "pessoas até hoje não identificadas", segundo o MPCE.
Tanto aquela viatura quanto o referido veículo privado, passaram a trafegar por locais ermos, onde fizeram diversas paradas, e, na sequência, mataram e ocultaram o cadáver da vítima, cujo corpo nunca foi localizado. Nesse particular, cumpre ressaltar, que desde a data em que João Paulo saiu de sua residência para o trabalho, não retornou mais à sua casa, circunstância que, somada aos demais elementos constantes destes autos, comprovam, a mais não poder, que o mesmo restou incinerado, pelos ora acusados".
João Paulo trabalhava em um posto de combustíveis que foi roubado cinco vezes, em Maracanaú. Em fevereiro de 2015, ele começou a trabalhar em um posto de propriedade de Severino Almeida Chaves. E, no dia 13 de setembro daquele ano, o estabelecimento foi assaltado. A sequência de crimes na presença do frentista fez o empresário desconfiar do empregado e encomendar a sua morte, de acordo com o MPCE.
Empresário alega inocência no caso
O empresário Severino Almeida Chaves responde ao processo em liberdade, sem aplicação de medidas cautelares, desde 6 de maio deste ano, por decisão judicial. A defesa do réu, representada pelos advogados Leandro Vasques e Holanda Segundo, pediu pela impronúncia do cliente, nos Memoriais Finais apresentados no dia 30 de agosto último.
Procurados pela reportagem, os advogados de Severino responderam que "temos plena convicção da completa inocência de Severino, destacado e conceituado empresário no Estado do Ceará".
Confiamos que o colegiado de juízes que atua no caso, com a serenidade e o aprumo técnico que lhes são peculiares, impronunciará Severino, diante da ausência de qualquer elemento idôneo capaz de submetê-lo a um julgamento pelo Tribunal do Júri".
Segundo os advogados de defesa, "a Delegacia de Assuntos Internos da Controladoria de Disciplina do Estado do Ceará investigou a fundo o fato, realizou interceptações telefônicas, quebras de sigilos, buscas e apreensões e não encontrou qualquer indício que seja de participação de Severino neste fato, nem mesmo qualquer contato deste com os demais corréus do processo. Tanto assim o é que Severino não foi sequer indiciado no relatório final da Polícia Civil, tampouco denunciado pelo Ministério Público da 5ª Vara Criminal de Fortaleza, onde teve início o processo".
"Somente após a mudança do processo para a 1ª Vara do Júri da Capital, sem que tenha surgido qualquer fato novo, o membro do Ministério Público daquela Vara, de maneira surpreendente e inexplicável, aditou a denúncia para incluir Severino, com base apenas em denúncia anônima já investigada e descartada pela Polícia Civil, o que é inadmissível no ordenamento jurídico brasileiro", completam.
Os quatro policiais militares também respondem ao processo em liberdade. A defesa dos PMs não foi localizada pela reportagem nem apresentou Memoriais Finais no processo, até a publicação desta matéria.
O Tribunal de Justiça do Ceará acrescentou, em nota, que "diante da ausência de manifestação, o colegiado de juízes determinou a intimação dos acusados para regularizarem a situação processual. Com a juntada das manifestações pendentes, o Juízo da 1ª Vara do Júri pode decidir por pronunciar ou não os réus. Caso decida pronunciá-los, deverão ser submetidos ao Tribunal do Júri".