Coronel da PM e namorada denunciados por estupro de criança

Conforme a investigação, os crimes teriam se iniciado em 2014, quando a vítima tinha apenas 6 anos. Primeira audiência de instrução do caso já está marcada. Defesas dos réus alegam que mãe da criança inventou a história

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(Atualizado às 10:36)

O coronel da Polícia Militar do Ceará (PMCE) Jaime de Paula Pessoa Neto, de 53 anos, e a namorada dele, a universitária Lorena Bezerra de Melo, 37, são réus pelo crime de estupro de vulnerável, cometido contra uma criança de 11 anos, que convivia com o casal. Em decisão proferida no dia 1º de novembro último, a 12ª Vara Criminal da Comarca de Fortaleza ratificou o recebimento da denúncia do Ministério Público do Ceará (MPCE) e marcou a primeira audiência de instrução do processo para o dia 23 de março de 2020. A ação penal corre sob sigilo de Justiça.

Conforme documentos obtidos pelo Sistema Verdes Mares, a investigação desenvolvida pela Delegacia de Combate à Exploração da Criança e do Adolescente (Dececa), da Polícia Civil, aponta que os estupros teriam se iniciado em 2014, quando a menina tinha apenas 6 anos. Mas o crime foi denunciado pela mãe da vítima, através de Boletim de Ocorrência (B.O.), somente no dia 10 de maio deste ano.

De acordo com o B.O., a criança revelou à família ter sofrido abuso sexual após assistir a um vídeo educativo na escola. A menina contou detalhes dos atos obscenos, cometidos pela parente e pelo namorado dela, que muitas vezes eram acompanhados de filmes pornográficos na televisão. Segundo o relato feito aos investigadores, a vítima apresentou tumores e manchas brancas nos órgãos genitais, meses antes da denúncia.

A criança corroborou com a denúncia, em depoimento prestado à Polícia Civil no dia 13 de maio deste ano. Segundo ela, o casal fazia sexo na sua frente e também a tocava. "Disse que Jaime sempre pedia para ela que não contasse nada para ninguém, dizendo-lhe o seguinte: 'Você é só minha! Isso é só meu!'", descreve o termo de declaração da vítima. O militar teria o costume de presentear a menina, com ovo de Páscoa por exemplo, e de dar dinheiro para a namorada comprar outros mimos para a garota no shopping.

Os exames realizados pela Perícia Forense do Ceará (Pefoce) no corpo da vítima não encontraram esperma e atestaram que a membrana himenal e o ânus da mesma estavam íntegros. Apesar dos resultados, a Dceca indiciou o coronel PM Jaime Neto e Lorena de Melo, no dia 9 de setembro deste ano.

"Insta assinalar que a não constatação de vestígios não exclui a ocorrência de violência sexual, mormente pelo fato dos crimes contra a dignidade sexual serem praticados, via de regra, de forma extremamente efêmera e na clandestinidade, longe de eventuais testemunhas e sob ameaça ou recompensa da perpetuação do sigilo", explica o Relatório Final do Inquérito Policial. Em outro trecho, os investigadores concluem que "a pouca idade da vítima, ao réves de diminuir a força probatória dos seus relatos, presta-se para trazer ainda mais credibilidade às suas declarações, porquanto descrevem fatos que não guardam relação com a compreensão sadia de mundo infantil".

Defesa

Os réus negam o cometimento dos crimes. Ao ser interrogado pela Polícia Civil, o coronel contou que Lorena era uma espécie de "governanta" da sua residência e se tornou namorada em março de 2019. Quanto à menina, ele teria conhecido no Réveillon de 2018, e, somente a partir dessa data, ela teria passado a frequentar a sua residência. O oficial acrescentou que tem uma filha adolescente e que se acostumou a conviver com outras crianças, familiares de ex-companheiras, sem o registro de denúncias anteriores.

Já a universitária afirmou que passava os fins de semana com a menina e a levava para a casa do namorado porque a mãe da mesma a abandonava em casa, inclusive sem alimentação. A acusada contou que já teria cobrado à mãe da menina sobre a situação e pensava até em pedir a guarda da criança na Justiça. Lorena acredita que a cobrança teria sido a motivação das "falsas acusações" contra o casal.

Na resposta à acusação, presente na ação penal, os advogados Leandro Vasques, Holanda Segundo, Afonso Belarmino e Gabrielle de Melo - representantes da defesa do coronel - alegam que a mãe da vítima prestou depoimentos que trazem "versões incongruentes entre si e em clara contradição em relação àquelas aventadas pelas testemunhas"; enfatizam os resultados negativos de violência sexual demonstrados em laudos periciais; e pedem a rejeição da denúncia do MPCE "já que inexiste lastro probatório mínimo a embasá-la" - o que não foi acatado.

Já os advogados Mateus Henrique Rodrigues Araújo e Wyllerson Matias Alves de Lima, defensores da universitária, também em resposta à acusação, garantem que "jamais houve qualquer tipo de conduta inadequada da requerente e da pessoa do oficial (...) muito menos qualquer odioso ato de abuso sexual". Conforme a defesa, a criança "foi induzida pela mãe para inventar as malfadadas acusações".

Denúncia

O Ministério Público apresentou a denúncia à Justiça Estadual, contra o casal, pelo crime de estupro de vulnerável, no dia 24 de setembro deste ano, na qual rebate a versão da defesa dos réus: "Impõe-se registrar, a partir das versões formuladas pelos denunciados, que inexiste, nos autos, prova minimamente razoável de que a mãe da vítima possuía motivos para engendrar comunicação falsa de crime". Procurado através da assessoria de imprensa, o MPCE informou que não pode se pronunciar sobre o processo por se tratar de violência sexual praticada contra vulnerável.

A acusação foi aceita pela 12ª Vara Criminal, dois dias depois, e ratificada no início do mês corrente. "Entendo que a denúncia apresentada pelo representante do Ministério Público, na presente ação penal, narra de forma satisfatória os detalhes, os fatos referentes à suposta ação criminosa e o modus operandi dos denunciados", considera a juíza. "Claramente, trata-se de uma ação penal de extrema complexidade e vejo como medida indispensável à produção de provas em Juízo, especialmente a oitiva da infante".

Reserva

No depoimento prestado à Polícia Civil, o coronel Jaime Neto informou que está nos quadros da Polícia Militar do Ceará há 34 anos e afirmou que é um "militar vocacionado". De acordo com publicações do Diário Oficial do Estado (DOE), o PM já foi comandante de um Batalhão da Polícia Militar em Fortaleza, trabalhou na segurança da presidência do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), foi chefe da Coordenadoria de Defesa Social, da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), e esteve na Casa Militar do Governo do Estado.

Na Casa Militar, o réu chefiou a Unidade Militar da Vice-Governadoria, entre julho de 2018 e junho de 2019 - um mês após o início das investigações por estupro de vulnerável. Antes, em março deste ano, o militar foi promovido a coronel. E, depois, foi transferido para a Reserva Remunerada e não está mais exercendo funções na Instituição, segundo a própria Polícia Militar.

Administrativamente

A Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário (CGD) informou que "determinou a instauração de Investigação Preliminar para a devida apuração do fato na seara administrativa, estando esta, atualmente, em andamento. As investigações possuem caráter reservado".

A defesa do coronel, no processo criminal, afirma que o cliente "apresenta inúmeros destaques em sua trajetória profissional, ao longo da qual prestou relevantes serviços à nossa Segurança Pública". E cita um exemplo de um trabalho realizado pelo oficial, em um Conselho Comunitário, em que "foi solucionado o problema de mais de 50 crianças que se encontravam em situação de risco no Terminal da Lagoa, com o cadastramento, localização dos pais, fornecimento de alimentação e encaminhamento a abrigos".