A estruturação de parte de um dos maiores grupos criminosos do País com divisão de tarefas no Ceará foi descoberta a partir de um objeto: um telefone celular. A comunicação entre membros faccionados, atualmente, se dá por grupos de WhatsApp e, foi por meio destes, que a Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco) identificou 240 integrantes do Primeiro Comando da Capital (PCC) nos lados de cá.
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Ao todo, foram encontrados indícios de batismo de 192 membros faccionados da organização, além de dois suspeitos de atuarem em cargos de confiança no sistema penitenciário cearense e 46 lideranças que formam parte da estrutura de comando no Estado. Entre os principais líderes estão um microempresário do ramo de festas e bufês, um peruano condenado por tráfico internacional de drogas e também um pescador condenado pelo triplo homicídio de uma família. A investigação partiu do telefone de James Machado Cordeiro, o 'Simpson'. Ele foi preso em 2018 após uma denúncia anônima chegar ao telefone institucional da Draco. Com tornozeleira eletrônica - pois há cerca de um ano ele havia saído da prisão -, o líder foi preso em sua própria residência. Quando os policiais chegaram lá, surpreendentemente, o portão principal estava aberto, assim como o da vila de casas no seu entorno.
No local, as autoridades apreenderam cocaína, duas balanças de precisão e comprovantes de depósitos. 'Simpson' disse que o dinheiro era relativo a pagamentos de drogas e forneceu a senha para que os investigadores analisassem o conteúdo do seu celular. Com a chave de acesso, os investigadores descobriram que ele integrava o chamado "Geral da Externa do Ceará", um cargo de liderança responsável por propagar a disciplina e a ideologia da facção fora do sistema penitenciário.
Para o público em geral, 'Simpson', na verdade, era o empresário James Machado, dono da empresa James Eventos e Produções desde outubro de 2012. Em depoimento, ele confirmou que detém o negócio e que a família depende financeiramente dele. Em relatório, os delegados da Draco afirmaram que o suspeito "passa despercebido inserido na sociedade como se fosse um microempresário no ramo de festas e bufê, porém é sabido que sua atividade principal é cuidar dos assuntos de interesse da empresa crime, o PCC".
Peruano e número 1
Walmer Ramirez Campos é peruano e foi batizado pela facção em dezembro de 2014, em João Pessoa, na Paraíba. Conhecido pela alcunha de 'Irmão Ricardo', ele atuava como "Geral da Rua do Estado do Ceará", antes de ser preso na operação da Draco. Ele era responsável pelos integrantes do PCC que estavam fora das penitenciárias cearenses. Walmer Ramirez tinha mandado em aberto, mas ainda não havia sido encontrado pelas forças policiais.
Em 2013, ele foi detido pelas polícias Militar e Civil da Paraíba no bairro Henrique Jorge, em Fortaleza, na Operação Prefixo. Chefe de uma quadrilha que gerenciava a venda de entorpecentes internacionalmente, viu sua esposa também ser presa na ação policial. Segundo as investigações, 'Irmão Ricardo' e Raquel Vieira de Lima, de 29 anos, organizavam a logística para distribuição de cocaína, crack e maconha.
As drogas vinham da Bolívia e entravam pelo País através das fronteiras em direção a Fortaleza. A partir daqui, os entorpecentes eram distribuídos para estados como Pernambuco e São Paulo, além de países como o próprio Peru e a Espanha. Ele já havia sido condenado no Ceará a três anos e oito meses por tráfico de drogas após ter tentado desembarcar no Aeroporto Pinto Martins, em Fortaleza.
Outra liderança, esta nacional com atuação no território cearense, é Antonio Zaquiel Luso, o 'Quiel'. Ele respondeu a um procedimento penal de 2011 por um triplo homicídio de uma família, na cidade de Tauá, quando ainda era identificado como pescador. No crime, morreram o pai, o filho e a namorada deste, que estava grávida de dois meses. O episódio ficou conhecido como a "Chacina de Tauá" e foi encomendado por uma das acusadas. Ele foi condenado a 32 anos e seis meses de prisão.
Em 2018, 'Quiel' respondia pela função de "Resumo do Cadastro do País". Em linhas gerais, ele compila as informações dos novos faccionados cadastrados para integrar a organização. Ele já ficou preso em Tauá e na Penitenciária Industrial Regional do Cariri (Pirc), mas, quando houve a operação, cumpria pena em um presídio da Região Metropolitana de Fortaleza (RMF). Segundo as informações obtidas pela investigação, ele se filiou à facção em janeiro daquele ano.
Antes
Outro companheiro de 'Simpson', também integrante da "Geral da Externa", identificado como Antônio Gonçalves Neto, o 'Zói de Gato', já havia sido denunciado pelo Ministério Público do Ceará (MPCE) por integrar o PCC, em uma operação anterior, em 2017. Segundo as informações obtidas, ele foi batizado em novembro de 2016 e já passou por três penitenciárias.
Por meio de interceptações telefônicas autorizadas pela Justiça, a Polícia Civil do Ceará identificou um núcleo da organização criminosa na cidade de Acopiara com hierarquia e organograma próprios. Ele e outras 33 pessoas foram denunciadas e aguardam apreciação da Justiça para saber se tornam-se ou não rés. 'Zói' está detido em um presídio da Grande Fortaleza.
Pormenores
As inscrições de batismo no PCC, adquiridas por meio do celular de 'Simpson', deram subsídios aos investigadores na busca pelos suspeitos. Com as informações, os dados foram cruzados com sistemas internos da Polícia, do Sistema Penitenciário e da Justiça.
Contudo, embora os mandados de prisão e busca e apreensão tenham sido expedidos em agosto de 2020, as informações são referentes ao ano de 2018 e podem não representar o atual comando, uma vez que as facções se adaptam conforme a disponibilização de integrantes dentro e fora dos presídios.
Cada cadastro contém nome do integrante ou parte dele; idade; o local onde a pessoa nasceu (quebrada de origem); o local onde a membro está atualmente (quebrada atual); e os presídios pelos quais passou, chamados de 'faculdades'.
Funções dos cargos no grupo
Geral do Estado: Abaixo da cúpula, é o chefe do PCC no CE;
Geral da externa: Responsável pelos integrantes que estão fora do sistema penitenciário;
Geral da interna: Responsável pelos integrantes que estão presos;
Geral da rua: Administra os interesses da facção por meio de membros que estão em liberdade;
Geral do progresso: Administra as atividades ilícitas da organização, como tráfico de drogas e roubo;
Geral do interior: Responsável pelo controle de membros de cidades pequenas;
Geral dos cadastros: Registrar novos membros, baixas, exclusões, dívidas e punições;
Geral dos caixas: Responsável por operacionalizar e fiscalizar as contas bancárias;
Geral da FM: Administra o comércio de drogas no varejo;
Geral da RF: Responsável pela arrecadação financeira da facção por meio de rifas;
Geral do paiol: Administra a estrutura bélica da facção.