Uma denúncia apresentada pelo Ministério Público do Ceará (MPCE) à Justiça Estadual expôs a suposta participação de um advogado e da sua irmã - uma servidora do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) lotada no Fórum de Independência, no Interior do Ceará - em uma célula da facção criminosa paulista Primeiro Comando da Capital (PCC). Os irmãos são suspeitos de utilizar a função pública da acusada para favorecer a organização criminosa em processos criminais. As defesas dos réus negam o cometimento de crimes.
O Ministério Público pediu a condenação de 11 acusados, conforme a participação individual, pelos crimes de integrar organização criminosa, tráfico de drogas, associação para o tráfico e comércio ilegal de arma de fogo, no dia 14 de março deste ano.
Confira as acusações:
- Antonio Ernandes da Silva: integrar organização criminosa, tráfico de drogas e associação para o tráfico;
- Antonio Jean de Sousa: integrar organização criminosa, tráfico de drogas e associação para o tráfico;
- Elyton Carlos Nogueira de Sousa: integrar organização criminosa e associação para o tráfico;
- Francisca Jaiciane dos Santos: integrar organização criminosa, tráfico de drogas e associação para o tráfico;
- Grazielli Sales Viana: integrar organização criminosa e associação para o tráfico;
- Helena Oliveira Loiola: integrar organização criminosa;
- Maria Erilane Rodrigues: integrar organização criminosa, tráfico de drogas e associação para o tráfico;
- Monica Pereira da Silva: integrar organização criminosa, tráfico de drogas e associação para o tráfico;
- Ricardo Pereira do Nascimento: integrar organização criminosa, tráfico de drogas e associação para o tráfico;
- Venceslau Pereira da Silva: integrar organização criminosa, tráfico de drogas, associação para o tráfico e comércio ilegal de arma de fogo;
- Wangleyson de Oliveira Brito: integrar organização criminosa.
Segundo o documento do MPCE, obtido pela reportagem, os acusados integravam uma célula do PCC que atuava no Município de Independência (que fica a cerca de 300 km de distância de Fortaleza), sob comando de Gracias Rodrigues de Morais, conhecido como 'Irmão Cipriano' - que foi acusado em outro processo criminal. A principal atividade da quadrilha seria o tráfico de drogas.
Entre os acusados, está a companheira de Gracias, Maria Edilene Alves Feitosa, que o ajudaria no "comando do tráfico de entorpecentes e delitos conexos, tais como lavagem de dinheiro no município de Independência", segundo o Ministério Público.
Outro acusado é o advogado Wangleyson de Oliveira Brito, que representava os integrantes da organização criminosa na Justiça e, conforme a acusação, "extrapolando os limites da boa advocacia e penetrou no campo da ilegalidade, eis que, em várias situações, o advogado embaraçou a presente investigação".
"Um dos episódios que demonstram tal alegação é retratado quando Wangleison convence Elyton Carlos Nogueira de Sousa a declarar que o entorpecente e o armamento que fora apreendido em sua casa não pertencem ao senhor Gracias", descreve o MPCE.
Wangleyson Brito atuaria junto da irmã, Helena Oliveira Loiola, uma servidora do TJCE, para obter informações privilegiadas e agilizar a movimentação de processos do interesse da organização criminosa no Fórum de Independência.
A servidora informava ao irmão até sobre mandados de prisão expedidos contra os seus clientes, segundo o Ministério Público. "Assim, pode-se afirmar que Helena Loiola valendo-se da condição de servidora pública municipal cedida ao Fórum de Independência/CE, acessando os sistemas de informática e aos dados a ela disponíveis, revelou ao advogado que atua para a ORCRIM (organização criminosa) citada e a outras pessoas fatos de que tinha ciência em razão do cargo e que deveriam permanecer em segredo, promovendo as atividades da organização criminosa armada", conclui o Órgão acusatório.
A reportagem apurou que Helena Loiola já foi demitida pelo presidente do TJCE, em um Processo Administrativo Disciplinar (PAD), mas recorreu da decisão à Segunda Instância. O recurso aguarda julgamento, enquanto a servidora continua a receber o salário pelo cargo de "escrivão estabilizado".
[Atualização: 09/07/2024, às 10h03] Após a publicação da reportagem, o Tribunal de Justiça do Ceará enviou nota em que explica que "a Justiça determinou o afastamento da servidora Helena Oliveira Loiola, ainda em 2020, em decisão proferida pelo juízo da Vara de Delitos de Organizações Criminosas em 30 de julho daquele ano. Desde então, a agente foi retirada de suas funções no Poder Judiciário, não mais retornando às atividades".
"Posteriormente, em agosto de 2020, foi instaurado, na esfera administrativa, Processo Administrativo Disciplinar em desfavor da agente pública e, atualmente, está em grau de recurso. No processo criminal, a ré apresentou suas alegações finais por memoriais no último dia 4 de julho. A ação segue em andamento na Justiça estadual", reforçou o Órgão.
O que dizem as defesas
As defesas dos réus no processo criminal já apresentaram Memoriais Finais à Vara de Delitos de Organizações Criminosas, da Justiça Estadual, em que negam o cometimento dos crimes e pedem a absolvição dos clientes.
Nos Memoriais Finais de Helena Oliveira Loiola, a defesa alega que o Relatório Final da Polícia Civil do Ceará (PCCE) "não aponta nenhuma prova que indique qualquer vazamento de informação sigilosa ou até mesmo privilegiada, pois, todas as conversas são claras e específicas sem nenhum cunho sigiloso, tanto é verdade que não foi informado no Relatório Final, na Denúncia, na Instrução e nas Alegações Finais nenhum ato, processo ou procedimento que tenha sido divulgado ou informado a quaisquer das partes que era sigiloso, nada mesmo".
Já a defesa de Wangleyson de Oliveira Brito argumentou, nos Memoriais Finais, que a investigação policial "indica suposições pelos diálogos existente entre o Denunciado, seus constituintes e sua irmã, esta última servidora do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, inclusive tenta enveredar supondo que o mesmo dificultou e atrapalhou as investigações criminais, agindo assim muito além das prerrogativas profissionais e, por fim, teria conhecimento de procedimentos e processos sigilosos".
"No entanto, (a investigação) não mencionou quais os obstáculos criados para dificultar ou impedir as investigações criminais, nem tão pouco informou quais os procedimentos sigilosos que tiveram as informações vazadas, pois, todas as conversas são claras e específicas sem nenhum cunho sigiloso, tanto é verdade que não foi informado no Relatório Final, na Denúncia, na Instrução e nas Alegações Finais nenhum ato, processo ou procedimento que tenha sido divulgado ou informado a quaisquer das partes que era sigiloso, nada mesmo", conclui a defesa.
Acusado condenado à prisão
Rones Cassiano Mamede Martins, acusado de integrar a mesma célula da facção Primeiro Comando da Capital, foi condenado a 21 anos e 10 meses de prisão, em outro processo criminal, pelo cometimento dos crimes de integrar organização criminosa, tráfico de drogas e associação para o tráfico.
A decisão proferida pela Vara de Delitos de Organizações Criminosas, no dia 18 de junho deste ano. O acusado deve cumprir a pena em regime inicialmente fechado, mas o colegiado de juízes permitiu que o réu recorresse da sentença em liberdade, pois ele já havia sido solto no processo.
"No caso dos autos, o acervo probatório revelou que o réu mantinha uma associação com outros indivíduos responsáveis pela venda de drogas em Independência/CE. O acusado era responsável pela traficância atuando em prol do grupo criminoso PCC, com regras estabelecidas, restando evidente a existência de um conluio entre o acusado e as pessoas do grupo criminoso, o que configura, sem dúvida, a associação de todos para o tráfico de drogas", considerou a Vara.