Um dos homens acusados de assassinar três policiais militares em Fortaleza agora está solto. A Justiça decidiu impronunciar, ou seja, não levar a júri popular Rafael Mendes Almeida. A decisão veio após reviravoltas no processo em decorrência do crime ocorrido em 2018, em um bar no bairro Vila Manoel Sátiro.
A juíza da 5ª Vara do Júri de Fortaleza decidiu pronunciar Lucas Oliveira da Silva e Rafael Mendes Almeida ainda no ano de 2020. As defesas recorreram, até que no fim de 2022 veio a decisão, em 2ª Instância, de impronunciar Rafael, baseada em falta de indícios suficientes que apontem a culpa dele.
A reportagem do Diário do Nordeste apurou por meio de documentos que, em 2021 foi mantida a decisão da pronúncia por voto da maioria que acompanhou o relator da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE). A defesa entrou novamente com um pedido, desta vez, na Sessão Criminal, em forma de embargos infringentes.
Na Seção Criminal, o Colegiado acolheu o recurso. A desembargadora relatora destacou no voto que "os elementos em que se apoia a pronúncia são extraídos quase que exclusivamente da fase inquisitorial, e, aqueles poucos colhidos em juízo, constituem-se, em maior ou menor medida, em “testemunhos de ouvir dizer”, redundando, ao final, uma insuficiência para delimitar o que se exige, em termos de indícios de autoria, para a pronúncia".
"Não se pode, em tudo por tudo, a pretexto de se tratar apenas de um juízo de prelibação, compactuar com a ideia de que a dúvida autoriza a submissão do acusado ao julgamento pelo tribunal do júri, sem o devido sopesamento de provas, mediante o multicitado standard probatório. Inadmissível, a meu sentir, a supremacia do princípio in dubio pro societate, em detrimento de situações, não raras, em que a dúvida se estabelece mediante elementos frágeis, inseguros e desconectados, de modo a submeter o réu a julgamentos populares sem um mínimo lastro indicativo de sua autoria delitiva"
Apesar da decisão, dois meses depois, Rafael seguia preso. O alvará de soltura foi cumprido somente neste mês de fevereiro.
OUTROS ACUSADOS
Os demais acusados também alegam ausência de indícios de culpa. A reportagem apurou que a defesa de Lucas Oliveira pediu extensão de benefício alegando excesso de prazo para julgamento e que o réu está preso há quase cinco anos, sem previsão de data para o júri.
"Com base na ementa colacionada aos autos de despronunciar o corréu Rafael Mendes, é que a defesa técnica de Lucas Oliveira da Silva demonstra que os mesmos elementos utilizados pela desembargadora/relatora, são idênticos a também indicar a este juízo, por se tratar de matéria de ordem pública"
"Que seja determinada a revogação da segregação imposta ao requerente, subsidiariamente concedendo a ordem de medida cautelar mediante monitoramento eletrônico. Lucas Oliveira da Silva se encontra preso preventivamente amargando uma prisão antecipada, por um fato que já teve muitas reviravoltas, onde nunca se prendeu os reais executores", disse a defesa.
DENÚNCIA
Em dezembro de 2018, o Ministério Público do Ceará (MPCE) apresentou denúncia relacionada ao triplo homicídio. Nela, também foi denunciado pelas mortes o suspeito Charlesson de Araújo Souza.
Ainda no mesmo mês, a acusação foi recebida na 5ª Vara do Júri. No decorrer do processo, o órgão acusatório fez o aditamento da denúncia apontando que ao fim da instrução "se esvaeceram as suspeitas iniciais de que os denunciados Lucas e Rafael tenham participado, precisamente, dos atos de execução, muito embora ainda presentes elementos no sentido de que, de outro modo, tenham colaboraram para os homicídios".
No aditamento, o MP expôs que a dupla teria participado do planejamento da ação criminosa e que Charlesson não teria participado do homicídio: "permanece íntegra, entretanto, seja quanto aos denunciados Lucas e Rafael, seja quanto ao acusado Charlesson, a imputação inicial de envolvimento deles no delito conexo de organização criminosa armada".
Para as autoridades, a motivação do crime foi torpe, consistente de vingança.
O CRIME
O triplo homicídio aconteceu no dia 23 de agosto de 2018, por volta das 14h. Os policiais militares Antônio César de Oliveira Gomes, João Augusto de Lima e Sanderley Cavalcante Sampaio estavam em um bar no cruzamento das Ruas Padre Arimatéia e São Manoel.
Consta na denúncia que um quarto PM, Juciano de Lima Barbosa, alugava um imóvel para o pai do denunciado Charlesson. O militar teria informado que pai e filho precisariam se mudar, devido ao suposto envolvimento do acusado em uma facção.
A ordem de despejo gerou um desentendimento entre o suspeito e o PM. A informação teria chegado ao conhecimento das lideranças do grupo criminoso.
Em julho, Juciano foi morto, fato que teria desencadeado represálias na região. Um dia antes do triplo homicídio, outro homem foi assassinado, gerando a suspeita por parte dos denunciados que o crime teria sido praticado por PMs em vingança à morte do colega de farda.
A facção teria ordenado o triplo assassinato ao saber que agentes da Segurança Pública estavam em um bar, almoçando: "nas diligências realizadas, foi possível identificar e localizar os denunciados, e, com eles, feita a apreensão inclusive de armas, munições, drogas e outros objetos, que levaram à prisão, simultaneamente, por outros crimes não conexos".
As vítimas foram executadas quando um carro, modelo Voyage preto, chegou com os suspeitos já efetuando os disparos. Na época, o Comando Geral da Polícia Militar no Ceará decretou três dias de luto e o então governador do Ceará, Camilo Santana autorizou uma força-tarefa para prender os responsáveis pelo crime.