Um grupo formado por 13 policiais civis que atuavam no Estado do Ceará, entre eles uma delegada, foi condenado. A sentença de 836 páginas foi proferida pelo Juízo da 32ª Vara da Justiça Federal no Ceará no último dia 10. A decisão vem após quase três anos desde a primeira fase da Operação Vereda Sombria, deflagrada pela Polícia Federal (PF) para apurar supostos crimes praticados pelos agentes da Segurança Pública, como extorsão, corrupção e envolvimento com o tráfico de drogas.
Foram condenados os policiais Antônio Chaves Pinto Júnior, José Audísio Soares Júnior, Thales Cardoso Pinheiro, Victor Rebouças Holanda, Fábio Oliveira Benevides, Raimundo Nonato Nogueira Júnior, Antônio Henrique Gomes, Francisco Alex de Souza, Rafael de Oliveira Domingues, João Filipe Araújo Sampaio Leite, Allan Wagner de Oliveira, Patrícia Bezerra de Souza Dias Branco e Petrônio Jerônimo dos Santos.
Dentre os crimes apontados pelo Judiciário estão apropriação de dinheiro público, tortura, abuso de autoridade e organização criminosa. A investigação teve início a partir da delação premiada de um traficante português preso em duas ocasiões pelos policiais civis da Divisão de Combate ao Tráfico de Drogas (DCTD), por vender anabolizantes.
A sentença varia conforme o grau de participação de cada um dos réus nas ações. Para 11 deles ainda ficou decidida a perda do cargo público, com exceção de Thales Cardoso e Victor Rebouças.
Patrícia Bezerra era delegada titular da DCTD quando foi alvo da primeira fase da operação. Em dezembro de 2017 a investigação foi a conhecimento público e a policial foi afastada da Especializada. Patrícia foi condenada pelo crime de organização criminosa.
A pena contra a delegada é de sete anos de reclusão, perda do cargo e interdição para o exercício de função ou cargo público pelo prazo de oito anos subsequentes ao cumprimento da pena. O regime inicial designado na sentença foi o semiaberto.
A defesa de Patrícia Bezerra, representada pelo advogado Leandro Vasques, se diz surpresa com a condenação e afirma confiar que o TRF reformará a sentença e absolverá a ré. "A defesa técnica da delegada Patrícia Bezerra comprovou fartamente, durante a instrução processual, através de fortes provas documentais e testemunhais, a completa improcedência da acusação. De maneira absolutamente surpreendente, o magistrado federal simplesmente houve por concluir que todas as testemunhas que corroboraram a tese defensiva estavam deliberadamente mentindo, em uma análise eivada de subjetivismos e processualmente atécnica", afirmou. O advogado disse ainda que não descarta a possibilidade de o processo ser todo nulo, "uma vez que entendemos que a Justiça Federal não é a competente para apurar o presente caso.
Outros dois delegados lotados na DCTD foram alvos da operação. No entanto, a Justiça decidiu pela inocência de Lucas Saldanha Aragão (à época diretor adjunto da Especializada) e Anna Cláudia Nery.
Sentença
Na sentença, o magistrado Danilo Dias Vasconcelos de Almeida destaca que o processo "descortinou a existência de uma organização criminosa dedicada ao cometimento sistemático de crimes por parte de policiais civis, boa parte destes com uso de violência ou grave ameaça. A ocorrência de tortura no âmbito da delegacia a que eram vinculados os réus não se mostrou algo pontual, mas sim situação recorrente", afirmou o juiz.
O juiz disse, ainda nos autos, não ter dúvidas que "Patrícia Bezerra tinha pleno conhecimento dos inúmeros abusos policiais praticados no âmbito da delegacia da qual era titular - tendo, inclusive, participado de parte deles" e ser "impossível cogitar de manter pessoas como os acusados no exercício de uma função pública - ainda mais de natureza policial, que exige uma idoneidade qualificada e um comprometimento acentuado com a legalidade no cumprimento do dever público".
Negociata
Consta nos autos que os policiais civis entravam em negociação com suspeitos de tráfico de drogas e tiravam vantagem para si. Conforme o processo, os policiais passaram a ser investigados após subtrair ou pedir dinheiro ou material ilícito, como drogas e anabolizantes, em troca de relaxar o flagrante ao criminoso. O português Carlos Miguel de Oliveira Pinheiro firmou um acordo de colaboração premiada com o Ministério Público Federal (MPF) no ano de 2016 e relatou que teve bens subtraídos por policiais civis nas duas vezes que foi preso. Diante da delação, o MPF encaminhou o caso à Polícia Federal, que iniciou a investigação do caso.
Defesas
O advogado Kaio Castro, que representa a defesa da maior parte dos réus, afirmou que "a sentença tem caráter arbitrário e injusto. Segundo ele, o juiz "precisou de quase dois anos do processo concluso para julgar, se tivesse prova robusta não precisaria de tanto tempo e esforço".
Em nome dos inspetores condenados Antônio Chaves Pinto Júnior, José Audízio Soares Júnior, Fábio Oliveira Benevides, Raimundo Nonato Nogueira Júnior, Antônio Henrique Gomes Araújo, Francisco Alex de Souza, João Filipe de Araújo Sampaio Leite e Petrônio Jerônimo dos Santos, o advogado Kaio Castro afirmou que "a instrução criminal ainda foi pautada no cerceamento de defesa".
Castro afirmou que ao longo desses dois últimos anos a defesa compartilhou novas provas que sequer foram analisadas no julgamento, foram ignorados princípios constitucionais, em uma verdadeira demonstração de arbitrariedade, afastando o juízo de convicção", disse.
Bruno Queiroz, representante da defesa do inspetor Rafael de Oliveira, irá recorrer da decisão. "Rafael só foi apontado em uma terceira ação, e mesmo nela não há indicativo de participação no crime contra o português. Rafael nunca participou de organização criminosa", disse o advogado.
Renan Benevides, advogado de Allan Oliveira, disse que ainda vai analisar a sentença, mas que certamente irá recorrer, por entender que o representado é inocente. A defesa de Thales Cardoso Pinheiro, representada pelo advogado Delano Cruz, também afirmou que irá recorrer da decisão e tem expectativa de absolvição. A defesa do inspetor Victor Rebouças não foi localizada pela reportagem.
Policiais civis investigados durante a Operação Vereda Sombria foram condenados em sentença proferida na 32ª Vara da Justiça Federal. Dos 13 condenados, 11 devem perder o cargo público, de acordo com a sentença