A cada 38 horas uma criança ou adolescente é assassinado no Ceará
A morte de um adolescente durante tiroteio em Areninha de Fortaleza é mais um dos casos no Estado
O tiroteio que resultou na morte de um adolescente de 14 anos em areninha na periferia de Fortaleza, enquanto um grupo jogava futebol, escancara a realidade violenta presenciada por crianças e jovens em determinadas zonas urbanas da Capital. Em 2023, a cada 38 horas, em média, uma pessoa de 0 a 18 anos é assassinada no Ceará.
O número vem a partir da análise da reportagem de um compilado de dados disponibilizados pela Secretaria da Segurança Pública do Ceará (SSPDS). De janeiro de 2023 até o último dia 17 de outubro, 181 vítimas dos Crimes Violentos Letais e Intencionais (CVLIs) no Estado são crianças ou adolescentes. Quando somada à morte do menino de 14 anos, que brincava na Areninha do Barroso, nessa segunda-feira (23) são, pelo menos, 182 homicídios.
Se comparado a igual período do ano passado, o número representa redução aproximada de 15%. A SSPDS destaca ainda redução significativa quando observada a última década, indicando queda de 64% e 72,7%, comparando com dados de mortes violentas de adolescentes e crianças, respectivamente, em 2013.
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Já o Comitê de Prevenção e Combate à Violência da Assembleia Legislativa do Ceará pontua que "apesar da aparente redução dos homicídios no estado, 38 cidades apresentaram aumento de homicídios de adolescentes, entre essas Camocim, Crato e São Benedito".
Em 2023, o mês mais violento para este público, até então, foi janeiro: com 30 casos. No ano passado, fevereiro ficou no topo com ranking, com 33 mortes de crianças e adolescentes.
O ano de 2022 completo contabilizou 304 CVLIs de vítimas até 18 anos. De acordo com o Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca) do Ceará, destes, 267 eram meninos e 37 meninas.
"A SSPDS salienta ainda que realiza ações voltadas a proteção dessa parcela da população, desde a formação inicial e continuada dos servidores da Segurança Pública, por meio da Academia Estadual de Segurança Pública (Aesp), assim como nas ações de policiamento ostensivo e investigativo e no atendimento humanizado às vítimas, nas unidades da Polícia Civil do Estado do Ceará (PC-CE), na Coordenadoria Integrada de Operações de Segurança (Ciops) da SSPDS e na Perícia Forense do Estado do Ceará (Pefoce)."
CRESCENDO EM TERRITÓRIO VIOLENTO
Como é crescer e se desenvolver em um território violento? Dezenas de crianças estavam na Areninha do Barroso e no entorno, quando três homens armados chegaram ao local já efetuando disparos de arma de fogo.
Instantes após o ataque, uma menina de oito anos falou à reportagem da TV Verdes Mares que estava com medo e que viu seus "colegas serem feridos".
A coordenadora do Núcleo de Monitoramento do Cedeca Ceará, Ingrid Lorena Leite, aponta que os registros expõem que a maior parte das mortes violentas de menores de idades acontecem em bairros com menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).
"Crianças e adolescentes que moram na periferia são as principais vítimas. Há uma concentração grande de ocorridos devido ao cenário de disputa de território. Não se tem pensado na prevenção à vida de crianças e adolescentes. Os investimentos da Segurança Pública priorizam o policiamento ostensivo. Não há um equilíbrio com o campo dos direitos humanos", considera Ingrid Lorena.
O coordenador do Comitê de Prevenção e Combate à Violência da Assembleia Legislativa do Ceará, Thiago de Holanda, acrescenta que "há determinantes que vulnerabilizam os jovens vítimas da violência armada, como dimensão racial e dimensão espacial"
"Nesse processo de quererem aniquilar uns aos outros, muitas vezes o inimigo é um território. Precisamos considerar essa dinâmica para a prevenção, dar oportunidade para a juventude e que ela esteja protegida pelo Estado e não por esses grupos. A Areninha era. em tese, para ser um local seguro, mas o problema é complexo e é preciso articulação, trazer investimentos para esses territórios e espaços urbanos"
QUEM SÃO AS VÍTIMAS
O Comitê informa que em 2021 (dado consolidado mais recente), de acordo com o Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), aproximadamente 91,54% dos casos de homicídios envolveram vítimas que residiam em bairros periféricos de Fortaleza.
"Ao analisarmos os demais casos ocorridos em áreas tidas como "nobres" da cidade, é possível identificar uma correlação espacial entre o endereço que a vítima residia e assentamentos precários, conjuntos de assentamentos urbanos inadequados ocupados por moradores de baixa renda, incluindo as tipologias tradicionalmente utilizadas pelas políticas públicas de habitação, tais como cortiços, loteamentos irregulares de periferia, favelas e assemelhados, bem como os conjuntos habitacionais degradados", ainda segundo levantamento do Comitê.
"Se fosse só uma questão de Segurança Pública, a presença da Polícia daria uma resposta. Falta diálogo, falta articulação interinstitucional"
Por nota, a SSPDS destaca ações de prevenção e combate à violência em diversos âmbitos e cita que: "Forças de Segurança do Ceará promovem regularmente discussões nas escolas sobre temas como prevenção ao uso indevido de drogas e à violência sexual, entre as outras formas de violência. Pela PC-CE, as palestras são realizadas pela Divisão de Proteção ao Estudante (Dipre). Já na Polícia Militar do Ceará (PMCE), os trabalhos incluem ações desenvolvidas pelo Programa Educacional de Resistência às Drogas e a Violência (Proerd), vinculado à Coordenadoria de Gestão Interna do Ensino e Instrução (Cogei), e pelo Grupo de Segurança Escolar (GSE) do Comando de Prevenção e Apoio às Comunidades (Copac)".
VEJA TRECHO DA NOTA DA SECRETARIA:
"Outras iniciativas incluem um Grupo de Despacho do Copac (GD-Copac) da PMCE, na Ciops, que funciona desde janeiro de 2023. O serviço garante um atendimento diferenciado já na ligação para o Disque 190. Quando uma vítima ou terceiros fazem uma ligação denunciando a situação de violência integrantes dos grupos vulneráveis, uma cópia do registro é encaminhada para o Copac, que envia uma equipe do Grupo de Apoio às Vítimas de Violência (Gavv), um dos núcleos do policiamento especializado, para acompanhar a situação.
Em conjunto ao trabalho da segurança pública, visando ações voltadas para crianças e adolescentes, há, ainda, outras iniciativas promovidas pelo Governo do Ceará, como a entrega de 30 areninhas em 2023. Com as entregas, já são 329 areninhas em todo o estado, sendo 216 construídas no Interior e 113 na Capital. Outros 82 equipamentos desse tipo já estão com obras quase concluídas e prestes a serem inauguradas, com mais 85 em construção e 158 aguardando início das obras.
Além disso, em 2023, a rede pública estadual de ensino passou a contar com mais 80 Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral (EEMTI), elevando para 472 o número de unidades com a jornada ampliada, perfazendo o maior número de ampliação anual de escolas em tempo integral já anunciadas pelo Governo do Estado. O Ceará já conta com escolas nesse modelo em 66 municípios. Com isso, 71% da rede estadual proporciona uma jornada de sete a nove horas diárias, com até três refeições. A meta é garantir a universalização deste modelo de ensino na rede pública até 2026"
BALEADOS NA ARENINHA
Além do menino de 14 anos, morto após alvejado na Areninha, outros três ficaram feridos, sendo mais dois adolescentes. Um segue hospitalizado.
Todos eles estavam em uma partida de futebol do projeto Meninos de Deus, que existe há 15 anos e visa promover a cultura de paz entre crianças e adolescentes, de comunidades da região do Grande Jangurussu.
Dois homens foram presos em flagrante suspeitos de envolvimento no crime, são eles: Edivanio da Silva Nascimento, de 22 anos, com passagens por tráfico de drogas e roubo, e Lucas Felix de Sousa, de 26 anos, com passagens por roubo.
A captura aconteceu na madrugada dessa terça (24) e os suspeitos foram conduzidos para a sede do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), segundo informações da SSPDS.
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