A Praça Basílio Alves, no Centro de Tianguá, é o mais tradicional ponto de encontro de ciganos no Estado. Os primeiros chegaram à cidade há 50 anos, vindos do Maranhão. Em seguida, foi a vez dos que andavam pelo Piauí, Sertão Central do Ceará e Fortaleza. A comunidade é formada por aproximadamente 500 pessoas.
"A convivência no início foi difícil. O pessoal tinha medo de se aproximar pelo simples fato de sermos ciganos e pelo preconceito. Diziam que nós éramos perigosos, desocupados e ladrões. Aos poucos, foram vendo que isso não correspondia à realidade", conta o líder do grupo, Rodrigues Valquimar Costa.
Apesar do avanço, Valquimar revela que muitos ciganos têm ainda que esconder sua etnia.
"Um dos nossos foi alugar um imóvel. Estava tudo acertado, inclusive o fiador. Ao saber que ele era cigano, o proprietário desfez o negócio. O respeito só acontece quando desfrutamos de uma boa condição financeira. Aí nos impomos. Mas esses casos são exceção".
"Ainda neste ano, registramos mais um caso de ódio contra nosso povo. Um rapaz da nossa comunidade foi selecionado para trabalhar como empacotador no comércio. Estava feliz no emprego e desempenhando sua função com o maior zelo e responsabilidade. Foram comunicar ao seu patrão que ele era cigano. No mesmo instante, ele foi chamado e demitido sumariamente, sem nenhuma justificativa", denuncia Valquimar.
Descaso
O irmão de Rodrigues, Rafael Costa, relata que sequer os órgãos públicos recebem as reivindicações dos ciganos. "Se for de outros segmentos da sociedade, eles pelo menos analisam. Se for da gente, nem isso. Somos discriminados, invisíveis perante a comunidade. Recentemente, numa comemoração por ocasião do Dia das Mães, num terreno particular e murado que nos pertence, a Polícia entrou e agrediu vários ciganos, inclusive idosos e crianças".
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As novas gerações, entretanto, já vislumbram um novo horizonte. É o caso do filho de Valquimar, Antônio David Costa Rodrigues, formado recentemente em Direito. "Ao contrário de meus pais e avós, não tive uma vida nômade. Isso me permitiu estudar sem parar um ano sequer".
Apesar do êxito, David sofreu durante toda a sua trajetória na escola o preconceito. "Nunca era chamado de David. As pessoas só se referiam a mim como o cigano. O mesmo processo discriminatória sofreu uma prima minha, a Natália, que também está se formando em Direito".
Mas David não se deixou abater. Sua perseverança superou as adversidades. Durante cinco anos, de segunda a sexta-feira, ele viajou 108 quilômetros para se deslocar de Tianguá até a cidade de Piripiri, no vizinho Estado do Piauí, para assistir às aulas na Faculdade Chrisfapi. "Mais uma vez me vi envolto com o preconceito. Alguns colegas daqui falaram da minha etnia. À essa altura, já não me importava, talvez pelo orgulho que tenho da minha origem, da nossa cultura".
David pretende atuar na área criminal. "Quando a gente decide estudar Direito escolhe um ramo. Eu me apaixonei pela área criminal. Meu objetivo é fazer concurso e me tornar delegado, na verdade, o primeiro cigano delegado do Estado. Uma coisa eu prometo: tratar todas as pessoas igualitariamente, independentemente da sua etnia, religião ou ideologia".
Feira da troca
Em Crateús, vivem cerca de 400 ciganos. Encontrá-los em grupos é muito fácil. Basta ir até a feira da troca, que funciona aos sábados ao lado da feira livre, na Rua Francisco Mariano. Lá, eles praticam uma das suas principais vocações: o comércio, incluindo o escambo. Trocar mercadorias, sempre em busca de vantagem, é claro, é típico do povo cigano.
A aproximação da reportagem para registrar os negócios foi vista com desconfiança. À medida que explicávamos que estávamos no local para mostrar um pouco da atividade, eles conversavam entre si e ficava claro que preferiam não se deixar filmar ou fotografar.
O líder do grupo, no entanto, concordou em se encontrar conosco fora da feira. Alcino Santana Gomes, o Alcino Cigano, 55 anos, nos revelou que a maioria dos ciganos residem na Rua Francisco Mariano e no bairro Planalto.
"Essa desconfiança faz parte do nosso povo. Imaginamos logo que alguém fez alguma denúncia anônima. Por isso não costumamos receber a imprensa. Nossa vida é de sofrimento"
Ele reitera o testemunho de outros ciganos. "Não temos direito sequer de buscar uma delegacia. Se um cigano for denunciar um roubo, o mais provável é que ele fique preso como suspeito. Já tivemos exemplos disso em outros locais".
Alcino conta ainda que "Há anos, em Santa Quitéria, um grupo cigano realizou um trabalho na propriedade de um fazendeiro. Como não tinha dinheiro para pagar, o homem combinou de dar alguns animais como forma de pagamento. O resultado é que o cigano que foi pegar os animais foi preso. Ficou na cadeia por mais de um ano. Se não fosse a ajuda de nossa comunidade, que se reuniu para juntar dinheiro e pagar um advogado, ele estaria detrás das grades até hoje".