Romaria do Caldeirão atrai multidão

Crato (Sucursal) - Água, terra e sementes: patrimônio da humanidade. Este foi o tema da 4ª Romaria das Comunidades ao sítio Caldeirão do Beato José Lourenço, no Crato, que reuniu, segundo os coordenadores, cerca de dois mil romeiros no domingo, 21. A celebração foi comandada pelo presidente da Comissão Pastoral da Terra, padre Vilecy Vidal, que abriu a cerimônia fazendo uma comparação entre a comunidade do Caldeirão, destruída em 1936, e a luta camponesa em favor da reforma agrária.

“Assim como o beato Zé Lourenço valorizou a oração e o trabalho, somos estimulados por esta mística a recuperar a espiritualidade da terra, também lutando pela não privatização da água, pela preservação do meio ambiente, garantindo a biodiversidade do planeta, disse o padre Vilecy, acrescentando que é necessário que nos juntemos a campanha internacional na luta para que as sementes sejam declaradas patrimônio da humanidade e deixem de ser propriedade das grandes empresas scapitalistas”.

A missa foi intercalada por mensagens em defesa da terra e da vida. Uma delas, afirmava: “Todos têm direito ao necessário para viver. Para que haja verdadeira justiça, grupos e famílias necessitam de maiores recursos para se manterem. Para que a partilha seja feita, é necessário o esforço humano, o mapeamento, a decisão nossa, o amor aos outros e o amor de Deus”. A outra leitura destacou o livro do profeta Josué sobre a divisão de terras entre os israelitas, quanto sete tribos ficaram sem terras e Josué disse aos israelitas: “até quando vocês vão esperar para tomar posse da terra da Javé, Deus de seus antepassados, lhes deu?”.

O profeta Josué determinou que a terra fosse mapeada e, em seguida, sorteada entre os sete israelitas. Mas foi da comunidade da Santa Cruz do Deserto, do sítio Caldeirão, a 22 quilômetros do Crato, que veio o mais significativo exemplo de reforma agrária e partilha. “Aqui era uma terra de oração e trabalho. O beato foi expulso daqui por pura inveja dos poderosos”, disse o agricultor Elísio Moura, residente num terreno vizinho ao Caldeirão e apresentado como uma das testemunhas da perseguição sofrida pelo beato.

Na homilia, padre Vilecy lembrou a comunidade do Caldeirão e defendeu a necessidade de mapeamento da terra, como assim fizeram os israelitas, Canudos e Pau de Colher, na Bahia e o Caldeirão, no Ceará. Este mapeamento da luta pela terra está sendo feito pela Pastoral da Terra, quando se organiza, quando se encontra para refletir a espiritualidade da terra.

A romaria do Caldeirão, segundo o religioso, “está trazendo para nós o restante da história do Cariri, do trabalhador deste sertão, onde nós fazemos a nossa morada. É a esperança de que podemos investir numa política agrícola e que é possível levar em consideração a luta para fortalecer a vida da nossa gente”. “A luta da sociedade, neste momento, além da terra, é para colocar a água, a terra e as sementes como patrimônio da humanidade”, disse.

Referindo-se aos transgênicos, padre Vilecy condenou a produção de sementes em laboratório. O mais preocupante, disse: “está em discussão a padronização das sementes. Isso significa que a mesma semente daqui é a mesma da África”.

Exemplo de luta e organização de uma comunidade

O celebrante advertiu que é preciso respeitar a produção de cada cultura, de cada povo, a cultura e a história do povo sertanejo”. Lembrou, referindo-se à comunidade do sítio Caldeirão, que aqui nesta terra, quando ainda não se falava em associação e sindicato, existia a Irmandade da Santa Cruz do Deserto, que fortalecia a oração, o trabalho e a partilha.

Foi o beato Zé Lourenço, negro, pobre e sertanejo, que deu este belo exemplo de luta e organização. Padre Vilecy lembrou que na seca de 1932, quando muita gente morria de fome, o Caldeirão fornecia alimentos para outras comunidades. Hoje, quando a sociedade se mobiliza para vencer a fome e a miséria, a Conferência dos Bispos do Brasil também se movimenta no combate a fome.

“É conduzido por este sentimento”, disse, “que nós haveremos de construir uma sociedade nova e de vencer o sofrimento que marca o nosso povo, principalmente os idosos e as crianças”. A romaria do Caldeirão contou com o apoio da Prefeitura Municipal do Crato, através da Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Rural e Núcleo de Turismo, que pretendem despertar a consciência do homem do campo para a produção agrícola, seguindo o exemplo do beato e, ao mesmo tempo, transformar o Caldeirão num ponto de atração turística.

Foram dados os primeiros passos com a construção de um açude, banheiros, abastecimento d´água e limpeza da área. Mas o projeto é muito mais amplo. A diretora do Núcleo de Turismo, Antonia Márcia Arrais, que, em companhia do cineasta Rosemberg Cariry se reuniu na semana passada com a Secretária de Cultura, Cláudia Leitão, voltou de Fortaleza, anunciando a promessa de liberação de uma verba no valor de R$ 80.000,00 para restauração da capela e casa de oração e reconstrução da casa do beato.

Márcia sugeriu também um ponto de apoio aos turistas. Noutra etapa, serão construídas a estrada e a eletrificação. No caso da estrada, o percurso será pelos distritos de Santa Fé e Engenho da Serra, passando pelo assentamento 10 de Abril, com o objetivo de facilitar o escoamento do produção da área.