A desigualdade e pobreza da população, ainda mais expostas durante a pandemia do coronavírus, não são exclusividade do território cearense. Contudo, uma característica dessa situação a persistência de moradias inadequadas, que totalizam 75.872 habitações. A quase totalidade é feita de taipa. São 15.845 em meio urbano e 60.027 no meio rural. Os dados são do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece).
O agricultor aposentado Mardônio de Oliveira de Souza, 66 anos, mora sempre viveu em uma casa de taipa. “Nunca tive condição de fazer uma de tijolo”, justificou. Sentado em uma cadeira de couro, em frente à casa, no fim de tarde, na localidade de Barro Alto, zona rural de Iguatu, mostra as varas à vista entrelaçadas na horizontal e fincadas na terra na vertical. “Estão assim porque não tenho condição de rebocar”.
Na localidade de Quixoá dos Dinos, encontramos o casal Laura Alves e José Alves de Souza, que há mais de 30 anos mora em uma casa de taipa construída em 1991. “As varas tirei aqui na mata, perto”. Em dezembro passado, a família conseguiu fazer um piso cimentado. “Antes era de terra, a gente varria, molhava, mas tinha buraco e poeira”, lembra Laura Alves. Os dois também nasceram e cresceram em casas de pau a pique.
Problema de saúde pública
Esse tipo de moradia impacta a qualidade de vida da população de baixa renda. Em muitas das unidades, na área rural, falta água encanada, banheiro e sanitário. Outro problema que se relaciona com essa habitação é questão de saúde pública – o favorecimento de proliferação do barbeiro, que causa a doença de chagas.
Os anos se passaram e as casas de taipa ainda persistem na paisagem do interior e na vida do sertanejo. O principal motivo é a falta de renda familiar para se ter uma casa com condições mínimas adequadas. Todos os moradores revelam o aspecto financeiro.
“Se pudesse, claro, moraria em uma casa de alvenaria, com telhado mais alto”, disse a aposentada, Rita Cesário de Souza, 68, da localidade de Umarizeiras, na zona rural de Cedro, na região Centro-Sul do Ceará. “Desde que nasci moro em casa de taipa”.
Em busca de uma solução
O engenheiro civil e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), Alexandre Bertini, integra um grupo de trabalho da Secretaria das Cidades que estuda o problema das casas de pau a pique e solução para substituição dessas unidades. “A construção se relaciona com pobreza da família por não ter condição de comprar material industrializado”, pontuou.
Para o professor Bertini, a tecnologia antiga de construção de casas de taipa “em si, não é ruim, se for bem planejada e executada de forma adequada, com bom material, e dá conforto como outra ou até melhor”. Ele frisou que no litoral de Icapuí há “casas de taipa seculares” e em países da América Latina “há política pública de melhoria habitacional com uso de taipa”.
O arquiteto e urbanista Paulo César Barreto também ressalta o aspecto social e econômico da desigualdade. “A inadequação ou falta de moradia é um dos aspectos que mais tem afetado as famílias nestes tempos de isolamento no Ceará e Brasil”, afirmou.
Barreto pondera que “é evidente que a casa não precisa ser construída só com materiais adequados e seguros, mas precisa também ter ventilação e iluminação naturais em seus cômodos. Está inserida em local sem risco e com infraestrutura de água, energia, esgoto e bom acesso”.
Outra questão abordada pelo arquiteto Paulo César Barreto é a oferta de serviços públicos para que “possibilite à família o convívio social, a comunidade do entorno, o lazer, trabalho a curta distância”. Seguindo esse ponto de vista, ele mostra que ao substituir as casas de taipa “é fundamental humanizar e qualificar toda ação pública a partir de novas relações sociais pós-pandemia”.
Projeto
A persistência de casas de taipa e o risco de proliferação do mosquito barbeiro que transmite a doença de chagas, proporcionou que uma das primeiras pautas, neste ano, na Assembleia Legislativa seja apresentação de um projeto que propõe a criação do Programa de Substituição das Casas de Taipa por Alvenaria no Ceará.
A secretaria das Cidades, em nota, informou que em parceria com a Universidade Federal do Ceará (UFC) desenvolve “projetos de referência para serem usados na substituição desses imóveis, prioritariamente para atendimento das famílias em situação de extrema pobreza atendidas pelo Cartão Mais Infância”.
A pasta disse também que aguarda “a seleção de projetos da Funasa (Fundação Nacional de Saúde) apresentados em 2020 para a construção de mil casas em substituição às de taipa, por meio do Programa de Melhorias Habitacionais para o Controle da Doença de Chagas”.
A secretaria também frisou que a partir de 2010 foram construídas no Ceará cerca de oito mil habitações em substituição a casas de taipa pelo programa Minha Casa, Minha Vida.