Custo de produção elevado, preço reduzido e dificuldades de colheita e comercialização desestimularam pequenos produtores de algodão, na modalidade de sequeiro (que depende exclusivamente da água da chuva) nas regiões Cariri e Centro-Sul cearense.
O projeto começou no início de 2018 com apenas 30 hectares cultivados e alcançou cerca de 1500 hectares no ano passado, mas caiu para apenas 300 hectares na atual safra.
Os dados são Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), unidade de Barbalha, com base em informações disponibilizadas pela Agência de Desenvolvimento Agropecuário (Adagri) do Ceará.
O assessor técnico da secretaria de Desenvolvimento Agrário de Brejo Santo, Edgar de Souza, desde o início do programa que presta assistência aos produtores rurais, destacou que custos elevados contribuíram para provocar a desistência dos agricultores:
“Faltou incentivo, o custo de mão-de-obra é elevado, cerca de 40% da renda obtida na lavoura, e ataque da praga do bicudo na metade das áreas cultivadas no ano passado”, resumiu.
Condições de cultivo
A cultura do algodão de sequeiro é geralmente cultivada nos meses de janeiro e fevereiro, quando começa o ciclo chuvoso no Cariri cearense. O desenvolvimento da cultura ocorre entre 120 dias e 180 dias, dependendo da variedade.
O programa de incentivo à retomada da cultura do algodão está voltando para a agricultura de base familiar. “É um grupo que necessita de mais apoio, assistência técnica e capital para tocar os experimentos”, pontou Edgar Souza.
“Sem condições de contratar colheitadeiras mecânicas, torna-se inviável pagar mão de obra que é cara e escassa”, destaca Souza. O custo atual de um dia de trabalho no campo é de R$ 50.
O ex-secretário de Desenvolvimento Agrário de Brejo Santo, Arnou Feijó, confirmou que houve uma redução elevada neste ano.
“Não apenas aqui, mas em todos os municípios”, lamentou. “São idas e vindas que ocorrem no campo dependendo das condições dos agricultores, do mercado e do clima”.
Manutenção do plantio
O produtor rural José Edmilson Malaquias, em Porteiras, cultivou no ano passado 40 hectares de algodão e, em 2021, manteve a mesma área. Ele é um dos poucos que se mantiveram na atividade.
“A roça é uma atividade cada vez mais difícil e se não houver mecanização para plantio, colheita, o custo da mão de obra acaba com o lucro. Para mim, tem dado certo até agora, mas para o pequeno, ficou inviável”.
O produtor conseguiu uma colheita média de dois mil quilos de algodão em caroço. “Você tem um custo de um real por quilo só na colheita para vender por três reais a preço de hoje”, explicou. No ano passado, o preço de venda na roça do algodão em caroço foi de R$ 2,20.
Os pequenos produtores dizem que, sem incentivo, a produção algodoeira vai continuar minguando e vai continuar uma área insignificante na região.
“Plantei dois hectares porque vi com a experiência de outros agricultores, mas veio o bicudo que atacou parte da plantação e para mim só deu prejuízo”, contou o produtor Luís Alencar. “Desisti neste ano”.
'Seleção natural' do mercado
O técnico da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Gildo Araújo, previu que o crescimento exagerado do número de produtores e da área de plantio nos últimos três anos não daria certo.
“Não haveria condição adequada por falta de experiência, capital e custo de produção, assim já era esperado que ocorresse uma retração da área cultivada neste ano”, pontuou.
“A Embrapa continua acreditando no cultivo de algodão, no Semiárido, que produz a melhor fibra do Brasil, e até vemos essa diminuição de maneira positiva. Foi uma seleção de mercado”.
A crise desencadeada pelo coronavírus, segundo Araújo, também complicou a situação de agricultores que cultivaram algodão em 2020.
“Houve dificuldades de comercialização e logística, faltou sacaria para a colheita no campo, a pandemia afetou o trabalho na roça e nas usinas de beneficiamento, e a colheita manual enfrentou dificuldades por falta de trabalhadores. A gente observa que o trabalho manual tem maior custo em relação à colheita mecanizada”.
Tendência dos próximos anos
Para o técnico da Embrapa, o cenário de reduzido número de produtores e de área com o cultivo de algodão deve continuar nos próximos anos no patamar atual.
“Cerca de seis produtores que se mantiveram na região formaram uma associação, adquiriram uma unidade beneficiadora e vão descaroçar o algodão, para vender a fibra, agregando valor ao produto em até três vezes”.
O cenário de chuva na região do Cariri permanece favorável à produção de algodão de sequeiro na atual quadra chuvosa.
“É uma cultura que não exige muita água e é adaptada ao semiárido”, frisou Araújo. Ele ressaltou que a cultura algodoeira “exige organização, planejamento e profissionalismo e que é impossível manter sistema de produção das décadas de 1970 e 1980”.
Cultura do algodão no Ceará
O Ceará, que já foi o segundo maior produtor de algodão do Brasil com 1,3 milhão de hectares plantados em 1976, viu seu declínio na década de 1980 e, praticamente, se extinguiu diante da praga do bicudo nos anos seguintes.
Nos últimos 40 anos, já houve várias tentativas de retomada do conhecido ‘ouro branco’ por programas governamentais que esbarraram em questões técnicas, burocráticas, falta de assistência técnica e de incentivos concretos.
A mais recente tentativa de retomada da cotonicultura no Estado começou em 2017 em 2018 e alcançou uma área de produção, no Cariri, de 30 hectares. Em 2019, pulou para 700 hectares e chegou a 1500 hectares em 2020, até cair a 300 hectares neste ano.
O preço atual do quilo de algodão com coração é de R$ 3,00. Em 2020, a venda no campo foi de R$ 2,20 o quilo. O custo estimado de mão de obra para colheita de um quilo de algodão oscila entre R$ 0,80 e R$ 1,00.