Por que o uso da máscara de proteção e a manutenção do distanciamento social ainda são tão importantes no combate à pandemia? Especialistas reforçam a tese de que o vírus permanece com alta transmissibilidade e somente com vacinação em massa – o que não tem ocorrido no Brasil – poderíamos avançar gradualmente para a desobrigação dessas medidas de segurança.
Outro fator que corrobora a manutenção destas medidas não farmacológicas é o alto índice de infectados assintomáticos. Sem manifestar quaisquer sintomas, o paciente infectado acaba se tornando ponto de transmissão do vírus sem saber que está contaminado. Uma pesquisa da Fiocruz e da Universidade Estadual de Feira de Santana (BA), mostrou que o percentual de assintomáticos chegou a 11%.
Para Fábio Miyajima, pesquisador da Fiocruz Ceará e coordenador geral da Rede de Vigilância Genômica da Fiocruz no Estado, este percentual é "altíssimo". No entanto, ele pondera que o número deve ser observado com cautela.
"A pesquisa foi realizada entre abril e maio e coincide com o pico da transmissão da segunda onda em todo o Brasil. [À época] a transmissão comunitária estava altíssima. Talvez agora essa taxa [de 11%] esteja menor", considera.
Embora possa existir redução na porcentagem verificada no estudo da Fiocruz Bahia, Miyajima reconhece o alto número de assintomáticos em todo o País e alerta para o risco de transmissão de variantes mais agressivas. "Só vamos achar esses casos se procurarmos. Se não testa, não sabe que tem [o vírus]".
O Brasil está muito aquém de países da Europa. A testagem tem que ser proativa e não reativa. Para identificar os assintomáticos, é preciso incrementação da testagem.
O estudo analisou amostras de 1.400 pessoas escolhidas aleatoriamente na cidade de Feira de Santana, na Bahia. Cientistas identificaram que a variante gama, também chamada de P1, está sendo amplamente disseminada por pessoas assintomáticas. No Ceará, essa variante representa mais de 90% dos casos de infecções neste ano, segundo a Fiocruz.
Das 1.400 pessoas testadas com RT-PCR, 154 estavam positivas. Todas elas estavam indo trabalhar normalmente.
Transmissão
Sem sintomas, é natural que a pessoa infectada mantenha suas atividades laborais inalteradas. É desta forma que a pandemia se move e se arrasta por tantos meses no Brasil. "Por isso é importante que todos, sem nenhuma exceção, continuem usando máscaras, álcool em gel e siga o distanciamento social", alerta Fábio. Assim, a chance de um assintomático transmitir o vírus é menor.
A infectologista cearense e professora da faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC), Monica Façanha, alerta que a sociedade não pode partir do princípio de que se não há sintomas, não há doença. "Muitos não manifestam [sintomas] e ainda assim pode transmitir o vírus".
A analista da rede de vigilância genômica, Ticiane Cavalcante, é um desses casos. Ela testou positivo para a Covid-19 em manifestar sintomas. "A única manifestação foi uma congestão nasal de três dias. Podia ser qualquer coisa, uma alergia, rinite, uma gripe leve. Mas eu estranhei e resolvi fazer o teste".
Poucos dias depois, quando o resultado do teste saiu, e deu positivo, Ticiane conta que "já não sentia mais nenhum sintoma".
Muitas pessoas associam os sintomas leves a alguma doença mais simples e acabam optando por não realizar a testagem.
Após dez dias de isolamento social, Ticiane diz ter recebido autorização de três médicos para retornar ao trabalho. "Nos 15º refiz o teste e ainda estava infectada. Com 20 dias, repeti e o exame deu novamente positivo. Se tivesse retornado com 10 dias, estaria suscetível a transmitir o vírus no meu ambiente de trabalho", descreve a analista.
"Meu conselho é que todos continuem usando máscara e mantenham todas as medidas de segurança. O vírus pode estar em qualquer um de nós", conclui.
Carga viral nos assintomáticos
A infectologista Mônica Façanha avalia que, para este contingente específico de assintomáticos do qual Ticiane fez parte, a carga viral pode ser mais baixa, mas suficiente para contaminação.
Estudo apontam que pessoas assintomáticas podem ter uma menor carga viral. No entanto, dependendo do tempo que ela se expõe ao outro e se algum deles está sem máscara, pode sim acontecer a contaminação.
Fábio se mostra mais reticente. "Pode ser mais baixa, como pode ser alta. Já vimos de tudo desde o início dessa pandemia. Inclusive, mesmo nos casos dos sintomáticos, já pode existir transmissão entre 24 a 48 horas antes do início do surgimento dos sintomas".
Entre eles, no entanto, há o consenso de que as variantes que circulam atualmente no Brasil são mais agressivas quando comparadas ao ano passado.
Variante agressiva
A pesquisa da Fiocruz sequenciou os 122 genomas identificados nos assintomáticos para investigar qual variante havia infectado as pessoas. Foi encontrado apenas a gama e uma variação sua, chamada de P1.1. Essa gama, segundo os cientistas, pode ser mais de 2 vezes mais transmissível do que outras linhagens.
"Esse é outro grande problema. Não sabemos qual cepa o assintomático está infectado. Pode ser que ele esteja com mais agressiva e, assim, a disseminação é ainda mais danosa à sociedade", completou Façanha.
Miyajima acrescenta que já se sabe, "com 100% de certeza", que a variante gama foi importada do Amazonas. "É necessário melhorar a vigilância epidemiológica das principais portas de entradas (aeroportos, portos, estradas) dos estados para evitar que essas cepas continuem circulando".
A cepa a qual se refere o pesquisador do Ceará - e que foi encontrada nos assintomáticos da pesquisa baiana - tem capacidade de transmissão maior. "A carga viral é 10 vezes maior que a carga viral relacionada a variante comum. Além disso, a transmissão dela é 2,2 maior", descreve Fábio, ao dimensionar a gravidade da variante gama.
Imunização e proteção
Para a infectologista cearense, além do uso de máscara e do distanciamento social, é preciso avançar no processo de imunização. Ela sugere uma cobertura de 75% da população para que aja a imunização de rebanho.
No Ceará, foram aplicadas 3.757.881 doses contra a Covid-19, dentre as quais 1.089.344 são referentes a segunda dose. Ou seja, para cada 8 cearenses, um completou o ciclo de imunização. Os dados do Vacinômetro, plataforma da Secretaria da Saúde do Ceará.
"Só vamos avançar quando tivermos maior disponibilidade da vacina. Ainda há muitos grupos descobertos. Portanto, a orientação é seguir rigorosamente todos os protocolos vigentes", conclui Mônica. Fábio Miyajima compartilha do mesmo pensamento e acrescenta: "Não há nenhum super-humano que esteja imune, as recomendações são válidas para todos nós".
Por mais que não seja do grupo de risco, ou já tenha tido a Covid, ou já tenha se vacinado, as pessoas devem continuar se cuidando. Pessoas sem sintomas pode transmitir essa doença horrível. Se para um o vírus não causa nada, em outros pode ser fulminante. A Covid é extremante contagiosa e continua [o vírus] evoluindo.