É tempo de lapinhas no Cariri

Em Crato e Juazeiro do Norte, a tradição das encenações natalinas é renovada pela chegada das novas gerações

Juazeiro do Norte A tradição medieval das lapinhas vivas se mantém no Cariri. Em Crato e Juazeiro do Norte, são cerca de oito grupos que se apresentam de frente aos presépios de Natal. O brilho das festividades natalinas vai até o Dia de Reis, em 6 de janeiro, e assume um colorido especial. As loas a Jesus encantam quem passa pelas ruas e praças dessas cidades.

Os personagens principais são dramatizados na recepção ao Menino Deus: Jesus, Maria, José e o anjo Gabriel. Os reis magos Gaspar, Melchior e Baltazar, além dos animais, pastorinhas, caboclinhos, índios, astros, entre outros integrantes da lapinha, fortalecem as comemorações e trazem consigo os traços culturais de cada região.

Tradição

As lapinhas, para a mestre da Cultura, Zulene Galdino, têm uma diferença em relação ao seus personagens e ao número deles. Cerca de 30 crianças e adolescentes de Crato fazem a encenação. O trabalho vem sendo seguido desde o início dos anos 1970, ensinado pelos seus pais. Agora, é continuar mantendo a tradição a todo custo.

"É uma forma de não apenas mostrar o aspecto verdadeiro do Natal, contando a história do Menino Deus, mas um momento de alegria, que deve ser levado a todos", diz Zulene, ao alertar também para o consumismo exacerbado nessa época do ano.

Segundo ela, esse período merece reflexão. A mestre da Cultura participou do VI Encontro Mestres da Cultura, em Limoeiro do Norte. Levou junto os meninos que formam a dramatização da lapinha. Um momento importante para o fortalecimento das raízes e valorização do trabalhos dos mestres. Os ensaios começaram em outubro e cada componente é visitado por Zulene Galdino. Muitas vezes é preciso um bom argumento para convencer os pais a deixar as crianças participarem.

O trabalho é árduo, mas compensador, pela simplicidade e brilho. Até o Dia de Reis, os grupos se organizam para a queima das lapinhas. É uma data inspiradora, já que as pastorinhas se despedem das festas. No Nordeste, é um momento de grande significado, enraizado na cultura do povo.

Continuidade

A mestre da Cultura, Dona Tatai, como era conhecida Maria Pereira da Silva, falecida há dois anos, aos 82 anos, trazia a tradição que ano que vem fecha o ciclo centenário da Lapinha Santa Clara, criada em 1912, sob a coordenação de sua mãe, mestre Teodora. O legado agora está por conta da filha de Tatai, Wanda Pereira da Silva Gomes. São dois anos de continuidade do trabalho.

Hoje, Juazeiro do Norte reúne um maior número de lapinhas vivas na região. São sete delas, sendo a mais tradicional a Santa Clara. Para Wanda, é uma grande alegria poder estar dando continuidade a esse trabalho. Foi criado o Memorial de Dona Tatai, onde estão reunidas as inúmeras premiações do grupo. Ela assumiu a Lapinha Santa Clara em 1955. Mas, antes disso, a mestre Teodora foi autoriza pelo Padre Cícero a levar os seus personagens às ruas de Juazeiro.

A lapinha Santa Clara influenciou a criação de várias lapinhas da região. As apresentações do grupo vão acontecer durante o Natal, renovação na casa de dona Tatai, e também na queima das palhinhas, na Praça Padre Cícero, no dia 6, além de algumas apresentações em casas e instituições da região. Dona Tatai deixou a cargo da filha a continuidade o trabalho.

Zulene Galdino defende a simplicidade das lapinhas. Para ela, é importante que a comunidade se sinta convidada a participar, dentro das condições das pessoas. "É uma celebração da chegada do Menino Deus ao mundo. Por isso é tão importante poder envolver as crianças", afirma Zulene, que lembra que na sua infância sequer sabia da existência de Papai Noel.

Participação

30 crianças e adolescentes compõem a lapinha liderada pela mestra da Cultura, Zulene Claudino. O grupo está em atividade desde os anos 1970. Os ensaios acontecem desde outubro.

MEMÓRIA

História e tradição para encenar a vinda de Jesus

Com personagens, enredos e elementos diferenciados, as lapinhas são mantidas nos Estados do Nordeste

A tradição das lapinhas vivas vem sendo preservada principalmente no Nordeste brasileiro. Mas as encenações são diferenciadas de Estado para Estado, incluindo em algumas delas figuras como ciganas e pastorinhas. Há encenações que giram em torno de uma tentativa de rapto do menino Jesus, além de ofertórios, despedida e queima da lapinha.

A mestre da Cultura, Zulene Galdino, diz que aprendeu as falas dos personagens com os seus pais. Junto com João do Crato, pesquisou um pouco mais do enredo popular para acrescentar nas falas e nas vestimentas, já que os parcos recursos deixavam apenas que longos lençóis envolvesses as personagens.

Para o folclorista e dramaturgo Cacá Araújo, a lapinha assume uma espécie de demonstração da prevalência do cristianismo sobre as crenças e religiões dos outros povos. "Entretanto, não escapa à aculturação decorrente dessa convivência, sabida por nós nada pacífica ou cordial", observa. Segundo J. de Figueiredo, dentro desse contexto abrasileirado, foram inseridas as culturas indígenas e africanas, com a presença dos caboclos e da canção da formosa índia tapuia.

É a lapinha viva, segundo Cacá Araújo, a reconstituição dramática e popular da visita dos três reis magos ao recém-nascido Menino Jesus, com o fim de lhe ofertarem presentes.

"Sua significação transita da representação quase que ainda medieval, com pessoas interpretando santos, bichos e coisas da natureza, como simples e profunda louvação ao Deus-Menino, até a complexa peça de antropologia cultural que traz em si grande parte da história da humanidade", diz ele.

No Cariri cearense, de acordo com o folclorista, as lapinhas vivas de hoje apresentam praticamente as mesmas características dramáticas das encenações promovidas pelos antepassados, sendo acrescidas quase sempre da louvação de um grupo de reisado, que também representa a peregrinação dos reis magos a Belém, pertencendo ambos ao ciclo natalino, e, às vezes, de uma Banda Cabaçal. "Quando se juntam os três folguedos, multiplicam-se a beleza estética, o brilho dramático, o riso brincante, o alcance histórico", afirma.

Elizângela Santos
Repórter

MAIS INFORMAÇÕES

Lapinha de Zulene Galdino
Telefone (88) 3521.6342, Crato-CE
Lapinha Santa Clara, de Juazeiro do Norte-CE. Telefone (88) 3511.7826