Quando o 'Cocó pegou fogo' e trouxe sérios danos à biodiversidade, além dos impactos na saúde da população próxima, ficou evidente o prejuízo das queimadas. Ao atingir 46 hectares em uma área de forte densidade populacional em uma das principais capitais do Nordeste, vu-se que o dano é sério.
Em 36 anos, quase um milhão e meio de hectares no Ceará foi tomado pelo fogo, nas mais diferentes áreas, sobretudo em vegetação nativa. As queimadas e desmatamento só não são os maiores vilões ambientais porque sujeito é quem faz a ação. "Na Caatinga, todas as queimadas são antrópicas, são ações humanas", lembra Francisca de Araujo, professora do Departamento de Biologia da Universidade Federal do Ceará (UFC).
Parte dos focos de incêndio no bioma caatinga tem motivação definida: preparo de terra para plantio. Se para capinar um hectare são necessárias 10 diárias de um trabalhador rural, por exemplo, quando ocorre a queima este custo laboral cai para dois ou três dias.
"Essa forma de uso da terra destrou a biodiversidade. A temperatura nos cinco primeiros centímetros chega a 150 graus celsius, isso esteriliza o solo, mata a fauna, mata as sementes das plantas herbáceas", explica Francisca Araújo.
Em maio deste ano a bióloga esteve em audiência na Câmara dos Deputados a convite da Comissão Externa Sobre Queimadas nos Biomas Brasileiros e apontou o diagnóstico: com desmatamento e queimadas, a região seca, embora biodiversa, fica ainda mais seca e traz risco direto às populações. E desmatamento ilegal não cessa, só piora.
Há um trabalho muito importante de ONGs ligados a sistemas agroflorestais, mas os principais desmatadores não são os pequenos, e sim os grandes. No caso do Ceará, o desmatamento fornece madeira para as indústrias cerâmicas.
E de acordo com o monitoramento do projeto MabBiomas, lançado neste ano e que reúne os dados mais precisos dos biomas nas últimas três décadas, 121 municípios cearenses registraram desmatamento em 2020. Isto representa 65,8% dos municípios cearenses, acima da média do Nordeste por município (57%).
A situação mais crítica foi registrada em Tabuleiro do Norte, no Vale do Jaguaribe. Em apenas uma área foram desmatados 476 hectares. Ainda de acordo com o MaPBiomas, 28% do desmatamento em todo o Ceará ocorreu em áreas protegidas pelo Código Florestal, como reservas legais, áreas de preservação permanente e as nascentes.
A Caatinga perdeu 17% de sua vegetação apenas por queimadas, que ocorrem especialmente entre os meses de agosto e janeiro. Piauí, Bahia e Ceará representam, juntos 85% do total de área queimada no bioma.
O pesquisador Washington Rocha, professor da Universidade Federal de Feira de Santana e coordenador do MapBiomas, aponta uma tendência preocupante: o aumento exponencial de áreas para agricultura.
Entre 1985 e 2020, o crescimento foi de 1.457%, ao passo que a área urbanizada cresceu em torno de 146% no mesmo período. "O que a gente observou da cobertura. Houve uma perda da cobertura natural de 10%. Então foram 5,9 milhoes de hectares perdidos nessas tres decadas de vegetacao natural", explica Rocha. No caso do Ceará, o destaque de perda se deu nas formações florestais, de 28%.
Patrimônio Nacional
Está na Câmara dos Deputados a Proposta de Emenda Constitucional PEC que torna os biomas Cerrado e Caatinga como Patrimônios Nacionais. O problema é que já são 11 anos desde que o então senador Demóstenes Torres (DEM-GO) relatou a importância do reconhecimento para gerar proteção e coibir ações predatórias.
Não houve avanços. Mas nunca houve tantos (e precisos) dados sobre a Caatinga quanto nos últimos anos, em que a rede MabBiomas cruza diferentes dados públicos inteligentes e com uso de avançadas tecnologias para acompanhar, quase em tempo real, a situação dos biomas.
"Temos visto um aumento do desmatamento, das queimadas, e isto tem um impacto enorme, principalmente se observarmos que o planeta está esquentando, e as áreas com maios tendência de desertificação estão mais vulneráveis por esse mau uso destonctolado do solo", explica Washington Rocha.
Uma situação que também não aponta tendência de melhora, conforme a professora Francisca Araújo, porque quem deveria combater não consegue. "O Ibama está sucateado. Não tem havido uma política de controle dos problemas ambientais, basta ver a situação da amazônia, com recordes de queimadas e desmatamentos. O que inibe é multa. Tem que multar"