Uma pesquisa realizada pela UFC e Cagece propõe criação de peixes em efluente tratado como alternativa
Fortaleza. Em tempos de reutilização, reciclagem e reúso, o esgoto não poderia ficar de fora de projetos com foco nestes conceitos. Aqui no Ceará, uma pesquisa iniciada há seis anos utiliza esgoto tratado doméstico para cultivo de peixes. A experiência, realizada pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e a Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece), no Centro de Pesquisa sobre Tratamento de Esgoto e Reúso de Águas, situado no Município de Aquiraz, dedica-se, atualmente, ao cultivo de peixes ornamentais. Em sua primeira etapa, o estudo mostrou que a prática pode ser uma alternativa para piscicultores que desejam obter maior produtividade.
"De 2005 até o início deste ano foram realizadas diversas pesquisas com o cultivo de tilápias do Nilo (Oreochromis niloticus). Observou-se a viabilidade do cultivo desta espécie em tanques abastecidos com esgoto doméstico tratado. Reduziu-se em até 75% a quantidade de ração fornecida aos peixes, reduzindo significativamente os custos de produção", garantiu o engenheiro de pesca e aluno de doutorado em Saneamento Ambiental (DEHA/UFC), Emanuel Soares dos Santos.
Segundo estudos, o uso de efluentes domésticos, além de influenciar no nível de produção dos peixes, possui mais qualidades que a água de poço na atividade da piscicultura. "Após o tratamento do esgoto, fica um ambiente propício para a criação de peixes, devido às propriedades deste efluente tratado", garante o professor e pesquisador da UFC, Rafahel Fontenele. As vantagens do efluente tratado de esgoto são alto nível da taxa de proteínas, baixo custo e a reciclagem de nutrientes.
Experiências como esta são realizadas em outros países e Estados brasileiros, apresentando resultados positivos. A novidade do experimento cearense é o cultivo de peixes ornamentais, iniciado a cerca de 120 dias. Segundo Emanuel dos Santos, "estudos com o peixe ornamental e o reúso são inéditos no Brasil. Existe um estudo iniciado, mas o autor não concluiu".
A ideia em cultivar peixes ornamentais veio da experiência no cultivo de flores com esgoto tratado doméstico, também realizado no Centro de Pesquisa da Cagece. "Nós vimos que o pessoal da agricultura tem cultivado flores e daí pensei no cultivo de peixes ornamentais", disse Emanuel dos Santos. Atualmente, os pesquisadores cultivam a espécie Molinésia (Poecilia sp.), peixe bastante popular nos aquários dos brasileiros. A unidade da Molinésia custa em média R$ 0,50 no mercado cearense. "Esta espécie foi escolhida por ser reconhecidamente resistente às variações na qualidade de água, ser bastante prolífera, ter tecnologia de produção simples, larga aceitação de mercado e bom preço de venda", justifica o pesquisador.
Os primeiros resultados apontam pontos positivos neste cultivo. "Estamos testando a espécie e pesquisando o ambiente de pesquisa. E os primeiros resultados mostram que a espécie está bem adaptada, inclusive para reproduzir", afirmou Santos. Os peixes da espécie Molinésia foram colocados em três tanques. O primeiro deles com água da natureza, a chamada água bruta. O segundo é composto por água de efluente e água da natureza. O terceiro somente com efluente tratado.
"No segundo e no terceiro tanque o peixe tem conseguindo crescer bem e engordar. Os peixes alcançaram o tamanho comercial, que é de 5cm, no tempo esperado, entre 90 a 120 dias de cultivo. Além disso, estão ganhando peso, sobrevivendo e até reproduzindo. É válido salientar que as características ornamentais foram mantidas", disse o pesquisador.
Os peixes são criados em nove viveiros de alvenarias, cada um com volume de 50m³, abastecidos com esgoto doméstico tratado. Por viveiro, são estocados 150 peixes vivos. "Considerando-se o preço de venda de aproximadamente R$ 0,50 por peixe, estima-se que o faturamento poderá chegar a R$ 2.500,00 em cada safra de cultivo", considera Emanuel.
As vantagens deste tipo de cultivo estão no custo da produção e nos benefícios para com o meio ambiente. Quanto à produção, o custo com ração é extinto, já que os efluentes tratados são nutritivos e possuem micro-algas, consumidas pelos peixes. Apenas um trabalhador é capaz de cuidar dos manejos, onde a área de produção é de 150m². Além dos benefícios em não utilizar a água bruta para os cativeiros e reaproveitar o esgoto.
Metodologia
A tilápia e os peixes ornamentais foram escolhidos como objetos de estudo por se caracterizarem como peixes filtradores.
Esse tipo de peixe consome algas, detritos orgânicos e plânctons, presentes no esgoto doméstico. Os resultados indicam que uma tilápia adulta cultivada em água de poço atinge em média 800g, com o cultivo em água de esgoto, os peixes chegam a atingir 1kg.
Sem contaminação
Segundo Fontenele, a carne do pescado não apresenta risco de contaminação para consumo humano. "Fizemos análise microbiológica na carne do pescado, e ela foi comparada com os dados da Anvisa. Todas as análises foram positivas". Em relação ao sabor, nenhuma análise sensorial foi realizada para atestar possíveis mudanças. Agora, a equipe de pesquisadores quer levar a tecnologia desenvolvida para os Municípios cearenses. "Nosso objetivo é levar este tipo de projeto para prefeituras e gerar renda para população de baixa renda".
Rendimento
5000 Peixes da espécie Molinésia é o total esperado por cada safra de cultivo em esgoto tratado. Se a unidade for vendida a R$ 0,50, o faturamento pode chegar a R$ 2.500,00 a cada ciclo
MAIS INFORMAÇÕES
Cagece
Av. Dr. Lauro Vieira Chaves, 1030 - Vila União, Fortaleza (CE)
Telefone: (85) 3101.1805
Emanuelle Lobo
Repórter