O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria de seis votos, nesta quinta-feira (9), para derrubar uma lei de Rondônia que proíbe a linguagem neutra nas escolas. A aplicação da lei foi suspensa de forma liminar em novembro de 2021 pelo ministro Edson Fachin, relator da ação.
O entendimento do magistrado é que legislar sobre diretrizes e bases da educação é competência privativa da União. Já acompanharam o voto do relator os ministros Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Dias Toffoli e Luís Roberto Barroso.
A votação é virtual, e os demais ministros podem inserir seus votos no sistema até 23h59 dessa sexta-feira (10).
A decisão do STF deve atingir leis semelhantes aprovadas em outros Estados e municípios. Isso porque a decisão produz o chamado efeito vinculante, firmando entendimento a ser aplicado em casos similares.
O que é linguagem neutra?
A linguagem neutra, também conhecida como linguagem não-binária, evita o uso dos gêneros tradicionalmente aceitos pela sociedade (masculino e feminino), com o intuito de tornar a comunicação mais inclusiva e menos sexista.
Nessa linguagem, os artigos feminino e masculino, como "a" e "o", são substituídos por um "x", "e" ou "@". A palavra "todos" ou "todas", por exemplo, na linguagem neutra ficaria "todes", "todxs" ou "tod@s". Há quem defenda, ainda, o uso do termo "elu" (no lugar de "ele" ou "ela") para se referir a qualquer um, independentemente do gênero.
Oposição de grupos conservadores
Essa modalidade tem enfrentado oposição de grupos conservadores, entre eles alguns ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), sob o argumento de que essas variações não são reconhecidas pela norma culta do idioma. Nos últimos anos, parlamentares apoiadores de Bolsonaro investiram, no Legislativo, na promoção de leis que vedam o seu uso.
Já o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) passou a adotar o pronome neutro ‘todes’ em eventos e cerimônias oficiais. "Boa tarde a todos, a todas e todes", disse o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, ao abrir o discurso de posse no dia 3, gesto que se repetiu em outros atos ao longo dos dias seguintes.
Segundo Fachin, no exercício de sua competência constitucional, a União editou a lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Com base nela, o Ministério da Educação fixa os parâmetros curriculares nacionais, que estabelecem como objetivo o conhecimento e a valorização das diferentes variedades da língua portuguesa, a fim de combater o preconceito linguístico.
Para Fachin, ao proibir determinado uso da linguagem, a lei estadual atenta contra as normas editadas pela União, no exercício de sua competência privativa. "A pretexto de valorizar a norma culta, ela acaba por proibir uma forma de expressão. Questões que digam respeito ao ensino e ao aprendizado da Língua Portuguesa, de caráter obrigatório - o que abrange o conhecimento de formas diversas e alternativas de expressão, de caráter formal e informal -, estão inseridas nesse espaço normativo, de aplicação nacional", escreveu.
O ministro lembrou que as razões trazidas ao processo pela Advocacia-Geral da União (AGU) e pela Procuradoria Geral da República (PGR) "evidenciam o vício formal de inconstitucionalidade da norma, motivo pelo qual, acolhendo-as, julgo procedente a presente ação direta para declarar a inconstitucionalidade da Lei do Estado de Rondônia n. 5 123/2021?. Em seu voto, ele propôs a fixação da seguinte tese de que "norma estadual que, a pretexto de proteger os estudantes, proíbe modalidade de uso da língua portuguesa viola a competência legislativa da União".
Autor da lei falou em 'aberração'
A lei estadual resultou de um projeto do deputado Eyder Brasil (PL), aprovado pela Assembleia Legislativa de Rondônia em setembro de 2021. Na época, o parlamentar defendeu que a linguagem neutra seria uma interferência ideológica no uso da língua padrão.
"Temos de valorizar a língua portuguesa culta em nossas políticas educacionais e impedir que os direitos de nossos estudantes sejam violados e que essa aberração seja aplicada nas escolas do nosso estado", disse.
Após a lei ser sancionada, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee) entrou com ação direta de inconstitucionalidade pedindo ao STF a revogação da norma. A entidade sustentou que a lei apresenta preconceitos e intolerâncias incompatíveis com a ordem democrática e com valores humanos.
Em relação ao conteúdo da lei, Fachin explicou que o uso da linguagem neutra ou inclusiva visa a combater preconceitos linguísticos, que subordinam um gênero a outro, e sua adoção tem sido frequente em órgãos públicos de diversos países e organizações internacionais. Segundo ele, seria difícil imaginar a compatibilidade entre essa proibição e a liberdade de expressão garantida constitucionalmente.
Para Fachin, a proibição imposta pela lei de Rondônia é censura prévia, prática banida pela legislação nacional. Ele lembrou ainda que o STF já decidiu que o direito à igualdade sem discriminações abrange a identidade e a expressão de gênero e, também, que a identidade de gênero é a manifestação da própria personalidade da pessoa humana e, como tal, cabe ao Estado apenas o papel de reconhecê-la, nunca de constituí-la. "Proibir que a pessoa possa se expressar livremente atinge sua dignidade e, portanto, deve ser coibida pelo Estado."
Fachin ressaltou que a norma tem aplicação no contexto escolar, ambiente em que, segundo a Constituição, deve prevalecer não apenas a igualdade plena, mas também a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber.