Desde que um ataque surpresa do grupo extremista Hamas, formado por palestinos, ao território de Israel ocorreu, no início da manhã do último sábado (7), foram contabilizadas mais de 2,5 mil mortes nos dois territórios — número que não para de crescer. Entre as vítimas, a maioria são civis.
A escalada de violência na região, que vive um conflito há 75 anos, pegou o mundo de surpresa e a projeção é de que a situação deve ficar ainda mais grave. Nem o Hamas, que governa a Faixa de Gaza, nem o governo israelense, comandado pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, querem recuar da guerra declarada há exatamente uma semana.
Enquanto isso, países e organizações multilaterais tentam encontrar uma solução para diminuir o impacto — e as mortes — causadas pelo conflito.
No comando do Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU) neste mês de outubro, o Brasil tenta negociar um corredor humanitário, para retirar civis, principalmente crianças, da região de conflito, além de fazer chegar ajuda humanitária para Gaza.
Do lado israelense, pelo menos 120 pessoas são mantidas reféns pelo Hamas, que usou de táticas terroristas na invasão ao território israelense, atirando contra civis desarmados e deixando um rastro de destruição e desespero pelas cidades israelenses invadidas.
O Diário do Nordeste explica o que motivou a nova guerra entre Hamas e Israel, além do que aconteceu nestes sete dias de conflito.
Por que o Hamas atacou Israel?
O grupo extremista Hamas nomeou os ataques feitos no início do dia 7 de outubro contra Israel como "Dilúvio de Al-Aqsa", uma defesa a mesquita Al-Aqsa que, junto ao Domo da Rocha, é uma região sagrada para os mulçumanos, o Al-Haram al-Sharif (Nobre Santuário) — segundo a tradição islâmica, o profeta Maomé estava nesta mesquita quando foi levado aos céus.
Contudo, o mesmo território também é importante para a religião judaica, chamado de Monte do Templo pelos judeus. Ele é considerado sagrado porque, antes da destruição pelos romanos em 70 d.C, existiam dois templos judaicos importantes no local. Hoje, resta o Muro das Lamentações, local de peregrinação de judeus.
O local é um dos marcos da disputa entre israelenses e palestinos. Desde 1967, esta região pertence ao território israelense, mas é administrado por uma entidade islâmica independente do governo, a Waqf. Por anos, não mulçumanos não puderam rezar no local, apesar das visitas serem permitidas.
A presença cada vez mais frequente de judeus nacionalistas no local — inclusive obtendo permissão da polícia israelense para realizarem orações —, entre os quais, o ministro da segurança nacional de Israel, Itamar Ben-Gvir, vinham sendo lidas como provocações por lideranças palestinas.
A declaração da ala militar do Hamas, no dia dos primeiros ataques, cita diretamente a presença de judeus no complexo islâmico como motivação para a ação dos extremistas. Segundo o grupo, os ataques foram feitos "em defesa da mesquita de Al-Aqsa", devido a "ataques diários" que o tempo sofreria com a presença dos fiéis judeus no local.
Contudo, outros fatores podem ter influenciado a ação do Hamas neste momento. Um deles é a recente aproximação entre Israel e Arábia Saudita — país importante para o Islã e principal player do Golfo Pérsico. Este é um reflexo de outros países árabes que antes não reconheciam o Estado de Israel, mas passaram a normalizar as relações com o país.
Além disso, as divisões políticas internas de Israel e o aumento das tensões nos assentamentos judeus nos territórios palestinos podem ter tido influência direta da decisão do Hamas de atacar Israel.
Ataque surpresa de Hamas a Israel
Os ataques orquestrados pelo Hamas começaram às 6h30 da manhã do sábado, dia 7 de outubro. A novidade no ataque é que, além do lançamento de foguetes pela fronteira, houve também uma invasão do território de Israel.
Segundo o Hamas, 5,5 mil projéteis foram lançados contra o território israelense, tendo como alvos as cidades do país. O exército de Israel, no entanto, confirmou o lançamento de 2,2 mil foguetes, vindos da Faixa de Gaza.
Houve ainda um ataque coordenado às barreiras entre os dois territórios. O Hamas atacou, por meio de drones com explosivos, as torres de observação e os sistemas de defesa de Israel. Além disso, explosivos foram acionados em 29 pontos ao longo da fronteira entre Gaza e Israel.
Os extremistas atravessaram a barreira a pé, com motos, carros e até mesmo parapentes. Uma retroescavadeira também foi utilizada para derrubar uma parte da barreira. Além disso, integrantes do Hamas usaram um barco para chegar a uma cidade litorânea de Israel. Também havia entre 200 e 300 extremistas do Hamas infiltrados no território israelense.
Ataques foram registrados em quartéis e postos militares, mas também houve atentados em comunidades apenas com civis no sul de Israel. Além de atirarem em pessoas nas ruas, os terroristas também sequestraram dezenas de israelenses e não-israelenses.
Um dos locais atacados foi a edição israelense do Universo Paralello. A festa, que estava sendo realizada em deserto a cerca de 20 quilômetros da fronteira com Gaza, foi invadida por terroristas e teve, pelo menos, 260 pessoas mortas ainda no local, incluindo brasileiros. Outra parte, foi levada como refém pelos integrantes do Hamas.
Contra ofensiva de Israel
A contra ofensiva de Israel teve início ainda na manhã do dia 7 de outubro. Logo após o ataque, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, afirmou que o país enfrentaria uma "guerra longa e difícil" contra o Hamas. "O nosso inimigo pagará um preço que nunca conheceu", disse.
Netanyahu e o líder da oposição em Israel, Benny Gantz, colocaram as divergências políticas de lado e decidiram, por meio de acordo, instalar um governo de emergência para lidar com a guerra. Com isto, todos os projetos de lei ou decisões governamentais devem ser voltadas aos conflitos.
Além de combater os extremistas do Hamas que conseguiram invadir o território israelense, as forças de segurança do País iniciaram ataques aéreos contra Gaza ainda no primeiro dia de guerra. Existe ainda a perspectiva de uma invasão do território palestino por terra.
Até essa sexta-feira, pelo menos 1,9 mil pessoas foram mortas por ataques israelenses em Gaza, incluindo 614 mulheres. A informação é do Ministério da Saúde da Palestina. Já na Cisjordânia, também território palestino, o Ministério da Saúde Palestina informou que foram 47 mortes, desde o último sábado, devido a ataques israelenses.
Houve ainda ataques israelenses contra a Síria, após uma facção palestina disparar foguetes contra Israel, além de ataques contra o Líbano pelo mesmo motivo. Nesta sexta, um bombardeio atingiu um posto de observação do exército libanês próximo à fronteira entre os dois países após suspeita de invasão armada a Israel.
Cerco a Gaza
Ainda na segunda-feira (9), Israel impôs um bloqueio total de acesso à Faixa de Gaza. Isso impediu a chegada de alimentos, água e combustível ao território, além de eletricidade. Os pontos de passagem para fora de Gaza também foram fechados e, em alguns casos, bombardeados. Este tipo de bloqueio é proibido pela Convenções de Genebra, da qual Israel é signatário, e pode ser considerado crime de guerra.
A Organização das Nações Unidas alertou, na terça-feira (10), o governo israelense. "A imposição de cercos que coloca em perigo a vida de civis, privando-os de bens essenciais à sua sobrevivência, é proibida pelo direito humanitário internacional", destacou, em nota, o Alto Comissário da ONU para os Direitos Humanos, Volker Türk.
A Human Rights Watch denunciou ainda que Israel teria usado bombas de fósforo branco contra a Faixa de Gaza — a arma é proibida por convenção da ONU desde 1997. O governo israelense, no entanto, nega que tenha feito uso deste armamento.
As ações do Hamas — na qual extremistas atiraram contra civis desarmados, além de fazerem reféns — também foram consideradas como "crimes de guerra" pela Comissão de Inquérito sobre o Território Palestino Ocupado da ONU.
Nesta sexta-feira, o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, também ressaltou que "até as guerras têm regras" e que é urgente a "acesso humanitário" a Gaza para os civis possam ter acesso a água, alimento, combustível e eletricidade.
A declaração foi dada horas antes de encerrar o prazo de 24 horas dado pelas forças de segurança israelenses para que os palestinos deixassem a cidade de Gaza, no norte do território, em direção ao sul.
Em vídeo, o porta-voz do exército ressaltou que a recomendação, dada na quinta-feira (12), era para a "própria segurança" dos habitantes da região. Enquanto o Hamas disse para palestinos ignorarem o aviso dado por Israel, autoridades mundiais criticaram a ação israelense. Segundo a ONU, habitantes de toda a região norte — que somam cerca de 1,1 milhão de pessoas — receberam o mesmo alerta. Israel, no entanto, afirma que o alerta foi apenas para a Cidade de Gaza.
A União Europeia — aliada histórica de Israel — disse que "é totalmente irreal que um milhão de pessoas possam deslocar-se em 24 horas". A Organização Mundial de Saúde, por sua vez, enviou um comunicado a Israel pedindo que o País reverta a ordem para o deslocamento de palestinos.
Com a convocação "sem precedentes", segundo um porta-voz do exército israelense, de 300 mil reservistas, a perspectiva é de que uma invasão por terra do território palestino esteja cada vez mais próxima.
Resgate de brasileiros na zona de conflito
Até o momento, três brasileiros morreram vítimas da guerra. Bruna Valeanu e Ranani Glazer tiveram a morte confirmada na quarta-feira (10), após terem desaparecido quando uma festa em que estavam foi alvo de ataque do Hamas no último sábado (7). Nesta sexta, a carioca Karla Stelzer Mendes teve a morte confirmada. Ela também estava na festa atacada pelos terroristas.
Apesar do governo de Israel ter afirmado que existem brasileiros entre os reféns do Hamas, o Itamaraty disse que ainda apura e "até agora não há uma confirmação".
Ainda no dia 7 de outubro — dia em que começou a guerra — o governo brasileiro instituiu um gabinete de crise no Itamaraty para lidar com o conflito na região. Uma das prioridades é a repatriação de brasileiros que estão tanto em Israel como na Faixa de Gaza.
Quase 3 mil brasileiros pediram para retornar ao Brasil. A maioria, segundo o Itamaraty, eram de turistas que estavam hospedados em Tel Aviv ou Jerusalém. Até o momento, três voos trazendo brasileiros chegaram ao país, trazendo 494 pessoas a bordo.
Na sexta-feira, o quarto voo de repatriação saiu de Tel Aviv trazendo 207 passageiros, com a chegada prevista para a madrugada deste sábado (14). Também no sábado, parte a quinta aeronave para retirada de brasileiros. Possíveis novos voos de repatriação saindo de Israel estão sendo avaliados pelo governo brasileiro.
O resgate dos brasileiros que estão na Faixa de Gaza — 22 pediram repatriação ao Itamaraty, entre as quais 15 crianças — é mais complicado. Isto porque as fronteiras do território estão "fechadas e bombardeadas", segundo o próprio Itamaraty.
Neste caso, a retirada tem que ser feita por terra. O plano do governo é evacuar os brasileiros por meio da fronteira com o Egito, levando-os até a capital do país, Cairo, onde um avião estaria aguardando para trazê-los ao Brasil — a aeronave já está no espaço aéreo egípcio aguardando autorização para embarcar os brasileiros. O governo egípcio já recebeu a lista completa dos brasileiros que querem deixar Gaza, incluindo documentos, como a cópia dos passaportes.
O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, falou sobre a negociação com o Egito:
Apesar de toda a documentação estar pronta, os constantes bombardeios de Israel ao território de Gaza prejudicaram o posto de imigração de Rafah, na fronteira com o Egito. Agora o país está sem nenhuma estrutura de imigração na fronteira, o que impede a saída de brasileiros e demais civis deste território.
Enquanto não tenha conseguido fazer a retirada ainda, o Escritório de Representação do Brasil em Ramala alocou parte dos brasileiros em uma escola local, "onde lhes foram fornecidos alimentos, colchões e roupas de cama, entre outros gêneros", segundo o Itamaraty. De lá, eles devem ser evacuados para o sul da Faixa de Gaza, conforme determinação das forças de segurança israelenses.
A Embaixada do Brasil em Tel Aviv também solicitou, formalmente, ao Governo de Israel que não bombardeie a escola. A outra parte do grupo de brasileiros estaria, segundo informação colhida até agora, em Khan Younes, no Sul da Faixa de Gaza, para onde muitas pessoas se deslocam após o alerta de evacuação emitido pelas Forças de Defesa de Israel.
O Escritório contratou veículos para transporte dos brasileiros até a fronteira egípcia tão logo seja possível a passagem por Rafah.
Brasil no comando do Conselho de Segurança da ONU
Sob o comando do Brasil desde o início de outubro, o Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU) já realizou duas reuniões para discutir o conflito entre Israel e o grupo extremista Hamas. A primeira ocorreu ainda no final de semana em que a guerra começou.
Após a reunião, o Brasil condenou os ataques feitos contra civis pelo Hamas e fez um apelo para que as partes envolvidas pudessem "desbloquear o processo de paz".
"O governo brasileiro reitera seu compromisso com a solução de dois Estados, com um Estado Palestino economicamente viável, convivendo em paz e segurança com Israel, dentro de fronteiras mutuamente acordadas e internacionalmente reconhecidas", ratificou o governo brasileiro ainda no domingo (8).
Mauro Vieira destacou, na quarta-feira, que a intenção é usar o Conselho de Segurança "como foro para discutir as questões que afetam a paz e a segurança internacional. Essa é a função do Conselho de Segurança".
Já nessa sexta-feira (13), um dos temas centrais da reunião foi a criação de um corredor humanitário ligando a Faixa de Gaza ao Egito, como forma de retirar civis da região mais atingida pelo conflito. A medida havia sido defendida pelo presidente Lula ainda na quarta-feira.
"É preciso que o Hamas liberte as crianças israelenses que foram sequestradas de suas famílias. É preciso que Israel cesse o bombardeio para que as crianças palestinas e suas mães deixem a Faixa de Gaza através da fronteira com o Egito. É preciso que haja um mínimo de humanidade na insanidade da guerra".
O presidente conversou, por telefone, com o presidente de Israel, Isaac Herzog, a quem voltou a reforçar o apelo para que o governo israelense permita a implantação de um corredor humanitário para a saída de civis da Faixa de Gaza.
História da guerra entre Israel e Palestina
A criação de um Estado judeu é uma discussão que remonta a, pelo menos, o início do século XX. Contudo, a demanda do povo judaico ganha força após a 2º Guerra Mundial e aos horrores do Holocausto — com a morte de mais de 6 milhões de judeus.
Em 1947, a recém criada Nações Unidas (ONU) aprova a Resolução 181, segundo a qual o território palestino seria dividido para a criação de dois Estados: um árabe e um judeu. Considerada sagrada para os dois povos, Jerusalém seria declarada uma cidade internacional, sob gestão da ONU.
Contudo, o plano acabou não sendo aceito pelos árabes, por conta da previsão de que 56% do território seria do Estado judeu, incluindo regiões férteis. O plano acabou nunca se concretizando.
Apesar disso, o Estado de Israel é criado em maio de 1948, o que ocasionou a primeira guerra árabe-israelense. A paz só viria a ser reestabelecida em janeiro de 1949. A guerra deu início ainda a diáspora dos palestinos, com mais de 700 mil cidadãos procurando abrigos em outros países do mundos.
Dois territórios ficaram sendo compreendidos como palestinos: a Cisjordância, sob comando da Jordânia, e a Faixa de Gaza, sob comando egípcio. Contudo, a Guerra de Seis Dias, em 1967, mudaria o cenário.
Na época, Israel ocupou as áreas de Gaza, da Cisjordânia e da Jerusalém Oriental (também comandada pela Jordânea), o que origem ao conflito. O conflito levou a uma nova lega de refugiados, com mais de 500 mil palestinos saindo dos territórios.
A Guerra dos Seis Dias criou ainda outro ponto de tensão: a criação de colônias de judeus dentro dos territórios palestinos ocupados.
Um levante de palestinos contra as forças israelenses em 1987 ficou conhecida como a primeira Intifada palestina. É também neste ano que é criado o grupo Hamas, que possui tanto um braço político como um braço armado.
Sob mediação dos Estados Unidos, o governo israelense e a liderança da Autoridade Nacional Palestina (ANP) assinam, em 1993, os acordos de paz de Oslo. À época, o acordo previa que a ANP assumisse os territórios palestinos, mas Israel só deixa a Faixa de Gaza em 2005.
Antes da desocupação, ocorreu a segunda Intifada palestina, na qual Israel retoma territórios que já estavam sob administração da Autoridade Nacional Palestina e constrói assentamentos na Cisjordânia para colonos judeus, o que é considerado ilegal pelo direito internacional.
Em 2007, os palestinos da Faixa de Gaza votam pela primeira vez, com a vitória de Hamas. Considerado terrorista por Israel, a eleição do Hamas fez com que o governo israelense decretasse bloqueio aéreo, terrestre e naval à Faixa de Gaza.