Com a aproximação do fim do primeiro semestre de 2023, uma pauta deve concentrar os esforços na Câmara dos Deputados: a discussão da Reforma Tributária. Promessa de diferentes governos ao longo das décadas, a pauta, que está travada há mais de 35 anos, deve avançar neste mês de junho.
O Grupo de Trabalho sobre o Sistema Tributário Nacional apresenta, nesta terça-feira (6), relatório das atividades desenvolvidas pelo colegiado, instalado em fevereiro. O documento deve conter as "diretrizes" da Reforma Tributária, explica o deputado federal cearense Mauro Benevides Filho (PDT), que integra o grupo.
Este relatório deve indicar o caminho que o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-AL) irá seguir ao elaborar o substitutivo às duas propostas em tramitação no Congresso Nacional – a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/2019, da Câmara, e a PEC 110/2019, do Senado Federal. O parlamentar é o relator da Reforma na Câmara Federal.
O substitutivo – que tramitará como PEC – deve ser apresentado até o próximo dia 20 e a meta é que seja levado ao plenário até o final do mês. "Nós combinamos que ela tem que ir ao plenário da Câmara ainda neste semestre, antes do recesso [parlamentar]", disse Arthur Lira à CNN, nesta segunda-feira (5), após reunião com o presidente Lula (PT).
Segundo Mauro Filho, Lira chegou a indicar que, caso a discussão sobre a Reforma Tributária se alongue em julho, ele pode, inclusive, suspender o recesso da Câmara – que inicia, oficialmente, no dia 15 de julho. "O Arthur Lira disse 'olhe, vamos votar até dia 30 (de junho), (mas) se for passar do dia 15 (de julho), a Câmara não entrará em recesso'. Ele está realmente envolvido", aponta o cearense.
O que deve guiar o texto da Reforma Tributária?
O relatório do GT da Câmara dos Deputados ainda tinha pontos a serem fechados na noite dessa segunda-feira (5), em reunião entre os parlamentares do colegiado em Brasília. Entre eles, estão demandas do setor de agropecuária e também a definição sobre os recursos do Fundo Regional de Desenvolvimento.
No relatório, deve ser apontada a simplificação de tributos sobre consumo por meio de IVA (Imposto sobre Valor Agregado) em modelo de arrecadação dual – unindo PIS, Cofins e IPI no âmbito federal e, no regional, reunindo ICMS e ISS. O deputado Mauro Filho explica que o modelo adotado é uma forma de atender os Estados, que ficaram receosos de "ficarem dependentes da União" no recolhimento dos tributos.
Também deve ser trazida a proposição de criação do Fundo de Desenvolvimento Regional, que será responsável por compensações feitas a estados e municípios que percam com as mudanças realizadas pela reforma.
Deve ser adotado ainda o "princípio do destino puro", no qual a alíquota de ICMS será arrecadada pelo Estado em que a compra foi realizada. Atualmente, parte do imposto é arrecadado pelo Estado produtor – ou seja, aquele que vendeu o produto sobre o qual está incidindo o tributo estadual.
Existe a previsão de unificação da alíquota sobre os produtos em 25%, quando somadas as cargas do IVA federal e o regional. Contudo, deve haver um percentual diferenciado para o setor de serviço, como a saúde e educação.
O parlamentar afirma também que existe consenso para que não ocorra "incidência (de tributos) nem sobre a exportação nem sobre o investimento".
O relator da Reforma Tributária, Aguinaldo Ribeiro, antecipou que a transição prevista, do ponto de vista federativo, será a longo prazo. "É uma transição de 20 mais 20 anos, com critério de distribuição. Vamos manter o nível de arrecadação (para) fazer uma correção. Existe uma câmara de equalização destas receitas", afirma.
Um outro ponto que está em discussão é um instrumento chamado "cashback do povo", no qual consumidores inscritos no CadÚnico, por exemplo, teriam direito a devolução dos valores da tributação dos produtos que comprassem. Mauro Filho explica que esta, inclusive, tem sido uma das soluções apontadas para a incidência sobre a cesta básica.
Contudo, o cearense defende que haja uma isenção no momento da compra, em vez de uma devolução posterior. "Na hora, o computador da empresa que for fazer a venda, se comunicar com o Cadastro Único e se o CPF (do consumidor) estiver cadastrado, já não pagará na hora", detalha.
Diferencial da discussão em 2023
Professor de Direito Tributário da Universidade de Fortaleza, Elisberg Bessa relembra que o Código Tributário Brasileito é da década de 1960 – apesar de terem sido aprovadas outras legislações tributárias nas décadas seguintes.
Economista e consultor econômico financeiro da Associação de Prefeitos do Ceará, José Irineu Carvalho acrescenta que existem ainda mais de 5,6 mil leis tributárias municipais, além de 27 estaduais. "Uma coisa está patente: não podemos continuar com essa parafernalha", ressalta.
O "entrave", prossegue Bessa, está na "disputa entre os entes políticos da fatia de tributação". "O sistema tributário dividiu o poder de tributar entre os entes da federação, então, quando se fala em reforma, eles ficam muito temerosos em perder fatias de tributação", detalha.
Contudo, um outro elemento pode contribuir com o avanço: uma "presumida boa vontade política" a respeito da Reforma. "Nunca houve uma consonância tão grande, uma unanimidade tão grande de que a Reforma Tributária é necessária", completa o professor. "Essa reforma nunca se fez tão necessária".
O deputado Mauro Filho também vê com otimismo a possibilidade de aprovação da Reforma. O primeiro motivo, é uma maior harmonia com o governo federal. "O governo federal (agora) não tem uma proposta, a proposta é do Congresso. Antes, toda vida que o Congresso fazia uma proposta, o governo vinha com outra", ressalta.
Líder do Governo Lula na Câmara dos Deputados, José Guimarães (PT) ressalta que a Reforma Tributária "é uma das pautas prioritárias para o país", do ponto de vista da gestão federal. "Estamos dando aquilo que outros presidentes nunca deram: confiabilidade (...) perante os atores sociais e econômicos do país", disse.
O segundo ponto reforçado por Mauro Filho é a diminuição da "resistência federativa", a partir da inclusão de soluções como a compensação para entes que tenham perda de arrecadação – tanto com o princípio do destino puro como com o fim dos benefícios fiscais – e a preocupação de setores da economia, com a garantia de alíquota diferenciada, por exemplo.
Elisberg Bessa reforça como essa diferenciação na tributação é importante, tanto para diminuir a alíquota em serviços e produtos importantes, como a educação e saúde ou a cesta básica, como para majorar a alíquota como forma de "desestimular o consumo". Ele cita como exemplo a "tributação verde", uma forma de usar os tributos "como instrumento de política ambiental" ao incentivar um consumo ambiental sustentável.
Carvalho cita que as medidas a serem adotadas pela reforma irão trazer mais investimentos e podem, inclusive, acabar com a guerra fiscal entre entes federados.
Ele cita projeções de que os setores de agropecuária e serviços podem crescer entre 10% e 18%, enquanto o crescimento do setor de indústria ou de construção devem ficar entre 20% e 25%. O prazo das projeções é de 15 anos. "E quando há crescimento econômico, todos ganham", completa.