A disputa pela Prefeitura de Fortaleza e pelo comando de municípios do Interior cearense envolveu lideranças locais, como o ex-prefeito Roberto Cláudio (PDT) e o governador Elmano de Freitas (PT), e nomes de destaque nacional, como o senador Cid Gomes (PSB), o ex-ministro Ciro Gomes (PDT), o ministro Camilo Santana (PT), o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e o presidente Lula (PT). Agora, com o resultado das urnas anunciado, o PontoPoder ouviu cientistas políticos para medir o impacto do desempenho dos padrinhos sobre os apadrinhados na Capital e em cidades cearenses estratégicas.
Na primeira pesquisa Quaest para a Prefeitura de Fortaleza, encomendada pela TV Verdes Mares e divulgada em 22 de agosto, o PontoPoder indicou o peso desses padrinhos políticos na corrida rumo ao Paço Municipal.
“Quando a gente pensa no Ceará, a gente pensa nessas figuras políticas que vão agregando outros nomes ao seu redor. A influência e o endosso dessas lideranças para as suas candidaturas reflete e respinga tanto no ônus quanto no bônus do resultado eleitoral final”
Considerando apenas o resultado eleitoral, o PSB, sigla que tem como principal liderança o senador Cid Gomes, é o partido com o melhor desempenho, chegando ao comando de 65 cidades. Em seguida, aparece o PT, com 46. Os dois partidos dominam 111 das 184 prefeituras do Ceará. A legenda, inclusive, pode ter seu quadro de eleitos ampliado já que, em Fortaleza, Evandro Leitão (PT) disputa o segundo turno contra André Fernandes (PL); e, em Caucaia, Catanho (PT) tem como adversário Naumi Amorim (PSD).
No caso do PSB, a sigla está consolidada, com ampla margem, como aquela que terá a maior quantidade de prefeituras. Cid reconstruiu seu rol de prefeitos aliados mesmo após o racha interno no PDT Ceará e sua saída conturbada da sigla. O senador enfrentou o rompimento com parte de seus antigos aliados, entre eles seu irmão Ciro Gomes. O parlamentar desembarcou no PSB e organizou o partido a menos de um ano para a disputa municipal.
Contudo, Cid Gomes inclui em seu balanço de resultados uma derrota histórica. Após 28 anos sob influência de algum integrante ou aliado da família Ferreira Gomes, a Prefeitura de Sobral passou para as mãos de um opositor: o prefeito eleito Oscar Rodrigues (União). A candidata derrotada foi Izolda Cela (PSB), na campanha de quem o senador embarcou de cabeça nas últimas semanas do pleito.
“Estamos vendo no Ceará, nesta eleição, um reordenamento das forças. É muito simbólico, neste momento, a derrota em Sobral dos Ferreira Gomes. O Cid estava lá na reta final de campanha, performou como ele sempre faz, mas é uma derrota que sinaliza esse enfraquecimento do grupo político”
Para Monalisa Torres, o resultado em Sobral torna-se um marco do enfraquecimento enfrentado pela liderança dos Ferreira Gomes nos últimos anos. “Desde 2020 que vemos uma perda de força desse grupo. Em 2020, eles tiveram o melhor desempenho eleitoral, elegeram 66 prefeitos. De lá para cá, eles têm tido dificuldade de manter essa força e essa hegemonia que eles tinham antes, até pelo distanciamento da máquina, embora o Cid seja senador, em um mandato relativamente inexpressivo, mas distante da máquina porque quem tem a caneta é que tem mais força”, analisa.
Considerando o desempenho dos aliados de Ciro Gomes — atualmente rompido com Cid —, o cenário é ainda mais dramático. O PDT elegeu cinco prefeitos neste ano — um número bem distante dos 67 de 2020 —, resultado da debandada de mandatários após a saída de Cid da sigla.
O ex-ministro não se envolveu na campanha de Izolda e conseguiu se distanciar da derrota da ex-aliada, contudo, acumula outra derrota histórica: seu principal apadrinhado na disputa cearense, o prefeito José Sarto (PDT), foi derrotado no primeiro turno. O político ficou com 11,75% dos votos válidos, o equivalente a 164,4 mil votos, amargando o terceiro lugar na disputa.
“Sarto é o grande perdedor, obviamente, porque entra para a história como o primeiro prefeito que não foi reeleito (em Fortaleza) e que teve uma votação pouquíssimo expressiva no final. E vem o Ciro e o Roberto Cláudio a reboque, mas, penso eu, a derrota do Sarto faz circular com mais força a dúvida sobre o que teria acontecido se o candidato tivesse sido Roberto Cláudio, se ele não teria garantido a vitória”, avalia Emanuel Freitas, professor de Teoria Política da Universidade Estadual do Ceará (Uece).
“O Roberto Cláudio não sai tão derrotado quanto o próprio Sarto e o Ciro, porque ficará sempre a dúvida de como seria se fosse ele o candidato. Até porque o próprio Roberto Cláudio foi muito utilizado durante a campanha para legitimar o mandato do Sarto, então, é óbvio, ele sai enfraquecido porque está fora do poder e porque o candidato indicado por ele perdeu, mas a própria derrota pode ser interpretada — por ele, inclusive —, como uma derrota esperada, já que ele (Roberto Cláudio) não era o candidato”
O pleito do último domingo também deu “ônus e bônus” para Camilo Santana, que saiu das eleições de 2022 como a principal liderança política do Ceará. O ministro investiu na associação de sua imagem à de Evandro Leitão (PT) em Fortaleza, tentando repetir a transferência de votos que ajudou a eleger o governador Elmano de Freitas (PT) ainda no primeiro turno em 2022.
O postulante petista conseguiu garantir a vaga no segundo turno na Capital, mas chega em desvantagem para a segunda etapa da disputa. André Fernandes (PL) aglutinou apoio de 40,2% dos eleitores — desconsiderando aqueles que votaram branco ou nulo. Já Evandro encerrou a primeira etapa quase 6 pontos percentuais atrás, com 34,3% de apoio popular.
No Interior, Camilo acumulou derrotas em municípios estratégicos, como Juazeiro do Norte, onde seu concunhado, o deputado estadual Fernando Santana (PT), foi derrotado pelo atual prefeito Glêdson Bezerra (Podemos) — o primeiro chefe do Executivo reeleito na história da cidade. Em Iguatu, por exemplo, mesmo com a benção do ministro, Ilo Neto (PT) foi derrotado por Roberto Filho (PSDB). Em Quixadá, ele apoiou Victor Marques (PT), que acabou derrotado por Ricardo Silveira (PSD).
Outra derrota simbólica de uma aliada de Camilo foi em Sobral, onde Izolda perdeu para Oscar Rodrigues.
“Em Juazeiro do Norte, o Camilo se jogou de cabeça na eleição, então é uma derrota importante para ele na região do Cariri, de onde ele veio. Se analisarmos a Região Metropolitana, o Catanho quase não foi para o segundo turno em Caucaia. Em Fortaleza, talvez o resultado não tenha sido o esperado, porque o Evandro está indo para o segundo turno em segundo lugar, e, historicamente, vence a eleição do segundo turno quem passa à frente. Acredito que a força do Camilo ainda está para se mostrar nessas eleições mais importantes”, analisa Emanuel Freitas.
Para o pesquisador, no caso de Sobral, a derrota resvala de forma dividida entre os padrinhos políticos, já que Cid se empenhou mais na campanha, mas Izolda ganhou projeção nacional durante o Governo Camilo e integrava, até o início do ano, os quadros do MEC. “Ainda temos que medir as forças do Camilo, se de fato é uma liderança importante assim como a gente pensava”, conclui.
“Em Fortaleza, o candidato chega ao segundo turno também levado por Camilo, que tirou até férias do MEC para fazer a campanha de Evandro (...) Isso representa a força do Camilo, que se coloca como liderança política em uma briga direta com o Cid, embora estejam aliados e no mesmo grupo, mas são nomes que, de alguma forma, têm esse embate direto do ponto de vista do peso que têm no Governo do Estado a nível de lideranças que agregam, de deputados que têm ao lado, e, principalmente, de prefeituras, porque os prefeitos puxam os votos para os deputados nas eleições gerais”, finaliza Monalisa Torres.
Polarização nacional
Conforme o PontoPoder mostrou nesta segunda-feira (7), a disputa no segundo turno em Fortaleza também deve agregar padrinhos políticos nacionais, com a reedição da polarização entre Lula e Bolsonaro.
“Fortaleza é a principal capital em que o PT e o PL vão se enfrentar diretamente agora. Até aqui, no primeiro turno, a estratégia do Evandro foi toda de se ligar ao Lula e ao (ministro) Camilo Santana, até por ele não ser do PT histórico, ele se filiou agora para disputar a Prefeitura, então precisava fazer essa ligação”
Para o pesquisador, o candidato petista em Fortaleza deve ser o principal incentivador dessa polarização. “Ele vai insistir na ideia de que o André é o candidato do Bolsonaro, embora ele (André) não tenha feito a utilização dessa identidade política no primeiro turno. É mais interessante para a campanha do Evandro fazer essa polarização do que para a campanha do André”, diz Freitas.
Nas primeiras entrevistas após o resultado da eleição, tanto André Fernandes quanto Evandro Leitão fizeram acenos em busca de apoio e já ensaiaram o discurso para o segundo turno.
O candidato do PL, de cara, destacou que sua mobilização não terá como foco a polarização entre Lula e Bolsonaro. Já Evandro embarcou na polarização já nas primeiras falas. Ele disse que "a disputa agora é contra a extrema-direita, contra o bolsonarismo" no Estado e na Capital.