Plano Diretor de Fortaleza amarga mais um ano de atraso com prejuízos para a Capital

Documento que determina a organização urbana da cidade é, além de técnico, fruto de articulação política com participação do Executivo e Legislativo

Contrariando as expectativas de membros do Executivo e vereadores, a revisão do Plano Diretor de Fortaleza, após atrasos na discussão por causa da pandemia de Covid-19 em 2020, atravessou o ano de 2021 sem nenhum debate efetivo no Parlamento da Capital. 

Com o documento atualmente em vigência defasado, a demora para atualizar a legislação urbanística prejudica investimentos, inviabiliza melhorias urbanas e adia uma melhor estruturação organizacional da cidade.  

Por ser amplo, o assunto engloba decisões políticas e envolve também diversos seguimentos da sociedade interessados no planejamento urbano. Entidades pressionam para a elaboração de um novo plano desde a metade de 2019, ainda na gestão do ex-prefeito Roberto Cláudio (PDT).

Esse esforço se intensifica uma vez que, mesmo com as perspectivas de discussão, o primeiro ano de gestão de José Sarto (PDT) se encerra sem que um amplo debate tenha ocorrido junto à sociedade civil.  

O prefeito justifica que as atenções foram voltadas ao combate da pandemia de Covid-19 e sinaliza que em 2022 o documento, como prevê o Estatuto da Cidade, poderá ser apreciado pelos vereadores da Capital.

A reinvindicação se dá principalmente por já terem se passado 12 anos desde a aprovação da última peça – cujo prazo de acordo com a lei é de que seja renovado a cada década.  

A legislação em vigência em Fortaleza foi aprovada pela Câmara Municipal em 2009, ainda na gestão da ex-prefeita Luizianne Lins (PT). A revisão deveria ter ocorrido, portanto, até o final de 2019.

Importância do Plano

O Plano Diretor é o responsável por orientar a política de desenvolvimento municipal, que engloba ações econômicas, ambientais, culturais, sociais, dentre outras; além do planejamento territorial. 

São as diretrizes do plano que orientam o Estatuto da Cidade e a política urbana em relação, por exemplo:

  • Ao IPTU progressivo no tempo;
  • À desapropriação com pagamentos em títulos;
  • Às zonas especiais de interesse social;
  • Ao usucapião especial de imóvel urbano;
  • À concessão de uso especial para fins de moradia;
  • Ao estudo de impacto de vizinhança;
  • Às audiências e consultas públicas, dentre outras.

 

O Plano Diretor é a base do planejamento do município, e suas diretrizes e prioridades devem ser incorporadas pelas leis orçamentárias.

Plano defasado, impacto na cidade

“O plano diretor é o documento mestre, a lei que organiza o espaço da vida do cidadão urbano; permite, em tese, que as áreas que apresentam problemas possam ser pontuadas como áreas que merecem uma maior atenção seja pela questão ambiental e/ou social”, explica o professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) Alexandre Queiroz Pereira, membro da Rede Observatório das Metrópoles, Fortaleza.  

Para o especialista, o plano não é só uma peça técnica construída a partir das observações, números e necessidades do ambiente urbano, e evidencia a particiação das decisões políticas no processo. 

Esse documento guia o futuro da cidade e por isso é uma peça política, passa pela Câmara de Vereadores e é pautado pelas secretarias. A cidade é produzida pelos agentes com interesses diversos e vão encontrar na política seus vetores. 
Alexandre Queiroz Pereira
Professor da UFC

Como exemplo, o professor cita ainda a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) da cidade, que tem participação direta dos 43 vereadores da Capital e que, também, em certo ponto, tem ligação com o Plano Diretor.

A LDO é um documento obrigatório a ser enviado pelo Poder Executivo ao Legislativo indicando quais serão as diretrizes de aplicação de investimentos e gastos no ano seguinte.

Legislação

O Plano Diretor é previsto em duas leis federais: a Constituição do Brasil e o Estatuto da Cidade. Em ambas fica determinado que a elaboração desse planejamento deve ser participativa, prevendo a cooperação de associações representativas neste processo.

O Ministério das Cidades também publicou, em 2004, um guia basilar para elaboração dos planos diretores. Nele, são detalhadas as etapas para a elaboração priorizando esta participação social. A primeira delas é a criação do núcleo gestor, já efetivada.

Também é exigido que os poderes Executivo e Legislativo garantam promoção de audiências públicas, além de publicidade e acesso a qualquer interessado aos documentos.

O núcleo gestor não deve interferir no conteúdo do Plano Diretor, sendo o responsável pela coordenação do processo de participação popular.

2022, ano eleitoral

Alguns movimentos sociais chegaram a procurar o Ministério Público do Ceará (MPCE) diante da ausência de debate que incluísse diversos seguimentos. Essa inclusão é uma determinação do Estatuto da Cidade, uma Lei Federal que regulamenta o capítulo de “Política Urbana” da Constituição Federal.

Ainda em julho de 2020, em meio às restrições causadas pela pandemia de Covid-19, o MPCE determinou a suspensão da revisão do plano.

A justificativa foi de que seria necessário “promover igualdade de participação entre os diversos setores da população, de forma a evitar prejuízos aos grupos mais vulneráveis da sociedade”.

A participação de classes representativas torna-se importante uma vez que o documento também pode apontar, de forma atualizada, para os 10 anos subsequentes, qual será o planejamento da prefeitura para a mobilidade urbana, e indicar soluções para problemas da habitação e saneamento básico, por exemplo.

Para Rogério Costa, integrante do Campo Popular do Plano Diretor de Fortaleza, é importante que haja efetivamente a participação popular na elaboração do texto. Ele alerta para o fato de 2022 ser um ano eleitoral, o que pode prejudicar essa interlocução.  

“Em geral, é ruim fazer um processo de revisão em um ano assim, cheio de disputas eleitorais, que podem contaminar o processo. A principal preocupação do campo popular é que consiga realizar um processo sem comprometer a participação popular, que quer pensar o futuro da cidade, a redução da desigualdade”, destaca o ativista.

Sarto promete ampla discussão

O avanço da vacinação na Capital deverá permitir que as reuniões para elaboração do documento possam ocorrer de forma presencial, englobando setores da sociedade.

A expectativa, de acordo com o gestor, é que já na volta do recesso Legislativo, em fevereiro, o assunto possa ser retomado junto aos vereadores. 

Em entrevista ao Sistema Verdes Mares, o prefeito José Sarto disse que, ainda que de modo informal, as tratativas para elaboração do plano estão sendo retomadas no âmbito da administração municipal.

"Para alegria minha, o plano diretor está sob orientação do meu vice-prefeito Élcio Batista (PSB), que é presidente do Iplanfor (...). Creio que, a partir do próximo ano, com a retomada das atividades legislativas, nós vamos acelerar e tentar recuperar o tempo perdido”, assegurou o chefe do Executivo.

A reportagem tentou obter mias informações com a Secretaria de Governo, mas não houve contato até a publicação da matéria. 

Contratação de empresa

Ainda no âmbito de englobar setores da sociedade no debate, a Secretária de Urbanismo e Meio Ambiente, Luciana Lobo, afirmou que a Prefeitura deve iniciar licitação de contratação de uma empresa para auxiliar no processo. 

“A gente já iniciou os trâmites internos para retomada (da atualização) do Plano Diretor, a Prefeitura de Fortaleza já passou o ofício para as entidades que têm assento no núcleo gestor para confirmar ou renomear os membros, as que vão representar as entidades", completou a secretária.