O presidente Lula (PT) embarca nesta terça-feira (11) rumo à China. Além dele, a comitiva terá ainda empresários, parlamentares e governadores brasileiros, entre eles o chefe do Executivo do Ceará, Elmano de Freitas (PT). A visita presidencial ocorre duas semanas depois do previsto inicialmente, por conta do diagnóstico de pneumonia recebido por Lula no dia 24 de março – um dia antes da data prevista para embarque.
Mesmo antes da primeira data prevista para a visita presidencial à China, vinte acordos entre os dois países já estavam fechados e prontos para serem assinados. Os temas dos acordos, apesar de ainda não detalhados pelo Itamaraty, já indicam quais devem ser as pautas prioritárias da viagem.
Um deles, por exemplo, trata de meio ambiente e tecnologia: o desenvolvimento do satélite sino-brasileiro Cbers-6, cujo objetivo é monitorar áreas de desmatamento e que deve conseguir cumprir a tarefa mesmo em tempos nublados.
Também na área ambiental, o governo brasileiro articula uma declaração conjunta sobre o clima visando a criação de um fundo entre as duas nações de combate às mudanças no clima. Segundo Oswaldo Dehon, doutor em Relações Internacionais e professor de Ciência Política, esse momento marca uma retomada na cordialidade entre as duas nações.
“Esse é um momento de restabelecimento de laços que foram colocados em risco com as declarações desastradas do senador Eduardo Bolsonaro e do vereador Carlos Bolsonaro, que postavam em redes sociais, algumas ligadas ao ex-presidente Jair Bolsonaro, xenofobia ou associando a China ao regime comunista, criando um antagonismo em relação ao que era tão relevante e pragmático: o comércio e os negócios”
Foco da viagem
Guilherme Casarões, cientista político e professor na Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV–EAESP), endossa essa análise de reaproximação entre os dois governos e indica algumas áreas que devem ganhar protagonismo nos encontros, a começar pelo comércio.
“China e Brasil são parceiros já de longa data, a China é o maior parceiro comercial do Brasil. Existe aí, principalmente para o setor do agronegócio, uma preocupação muito grande em termos de exportações para a China, mas eu acho que também existe preocupação, sobretudo do setor industrial brasileiro, de criar mecanismos de competitividade com a China, seja por parcerias com empresas chinesas, seja tentando negociar alguma limitação de compras brasileiras de manufaturas chinesas para que determinados segmentos industriais possam voltar a ser competitivos”, ressalta.
Neste sentido, entre os acordos previstos entre os dois países está a formalização das transações comerciais com a China na moeda chinesa, o Renminbi, deixando de usar o dólar.
“O segundo tema é o de investimentos. Investimentos chineses têm ficado cada vez mais importantes nas diversas pautas brasileiras de infraestrutura, comunicações e energia. A China tem investimentos muito grandes em várias dessas áreas que são sensíveis para que o Brasil possa dar continuidade à sua agenda de políticas públicas, então negociar o aumento e a qualificação desses investimentos vai ser algo muito importante”
Por fim, a questão ambiental deve entrar em pauta. “É um tema multilateral que aproxima China e Brasil pela urgência. Temos cada vez mais uma preocupação com esse tema em nível global e, pelo fato de a China ser um grande ator nesse tema, um grande poluidor também, mas sobretudo um país comprometido com o investimento em energia renovável, energia verde, isso é muito importante”, lista.
Entre os investimentos que empresários e o Governo do Brasil devem buscar na China estão os relacionados ao setor de mineração. Na avaliação do professor Oswaldo Dehon, “apesar dos senões ambientais”, o assunto deve ser destaque. “Na comitiva estarão vários empresários e empreendedores ligados à mineração, então eles devem tentar estreitar esse relacionamento, já que a China fez dezenas de investimentos no setor em países como Chile, Bolívia, Argentina, Equador e Peru”, acrescenta.
Comitiva
Durante a visita presidencial à China também devem ser anunciados novos negócios das empresas brasileiras com o país asiático. Quando a viagem de Lula foi adiada, em março, a maior parte dos empresários brasileiros que iriam acompanhar o presidente já estava em solo chinês. Por conta disso, muitas reuniões foram mantidas e alguns acordos foram fechados.
A previsão inicial era de que mais de 240 empresários acompanhassem a visita a China, dos quais 90 seriam do agronegócio – a China é o principal destino das exportações do setor.
“Uma comitiva gigantesca que escancara o que é o pragmatismo político do Lula, um sujeito muito articulado que tem aí como uma das suas marcas a capacidade de conciliação”, destaca Guilherme Casarões.
“Não vejo isso como um problema, é a marca do pragmatismo e um governo pragmático geralmente costuma ter resultados melhores, sobretudo no campo econômico, onde a ideologia costuma curvar a visão de presidentes e governantes de uma maneira geral”, acrescenta.
A visita que inicia nesta terça também deve ser acompanhada por empresários, embora o governo federal ainda não tenha divulgado quantos serão.
A parceria comercial entre os dois países, portanto, também deve ser central nas discussões. A meta do governo brasileiro, neste caso, será o de tentar diversificar as exportações feitas para a China, incluindo produtos industrializados, por exemplo. O Turismo é outro setor que deve ser assunto das negociações.
A agenda intensa deve ter espaço ainda para discussões importantes para o reposicionamento do Brasil no cenário internacional. Lula já afirmou que pretende conversar com o presidente chinês Xi-Jinping sobre a criação de um grupo para mediar a paz entre Rússia e Ucrânia, que estão em conflito direto desde fevereiro de 2022.
Outros temas como o combate à fome – sobre o qual o Brasil tem intenção de liderar mobilização multilateral – também devem estar em pauta e, a participação do governo chinês pode impulsionar as iniciativas.
Relação Brasil-China
Além dos ganhos que o Brasil pode ter com uma reaproximação com o país asiático, os pesquisadores destacam os interesses da China em atrair o governo brasileiro.
“Para a China, a aproximação com o Brasil tem uma importância geoeconômica e geopolítica. Geopolítica porque ter um Brasil mais próximo e não-alinhado aos Estados Unidos é importante para o projeto geopolítico chinês de construção de hegemonia na região. O tamanho do Brasil deve pautar sua política externa, impondo cautela e prudência, não alinhamentos automáticos, algo que a diplomacia brasileira não entendeu na gestão anterior. Já do ponto de vista geoeconômico a China precisa do Brasil não só na exportação tradicional, como carne e minério, mas também para o desenvolvimento”
O cientista político e professor Guilherme Casarões analisa ainda os impactos que essa viagem pode ter também sobre as relações do Brasil com outra potência mundial, os Estados Unidos.
“O principal desafio da política externa brasileira nesse terceiro governo Lula vai ser justamente como navegar entre Estados Unidos e China no mundo que é fundamentalmente diferente daquele em que o Lula era presidente do Brasil há 20 anos. Eu acho que o Brasil tem uma virtude que é justamente o que a gente chama de universalismo, que é essa capacidade que a política externa brasileira tem de transitar por diferentes países, de manter boas relações com todo mundo sem necessariamente que isso prejudique o relacionamento do Brasil com um país ou com o outro”
Elmano de Freitas na comitiva presidencial
Anteriormente, o presidente iria chegar no país asiático no dia 25 de março – viagem adiada em um dia e, posteriomente, cancelada por conta de uma pneumonia diagnosticada poucos dias antes do embarque.
Com o adiamento, outros cearenses passaram a integrar a comitiva presidencial. Além do governador Elmano, que também participaria da viagem anterior, foram confirmados os deputados federais AJ Albuquerque (PP) e José Guimarães (PT), além da senadora Augusta Brito (PT).
Lá, o principal foco do gestor estadual deve ser atrair investimentos para o setor de energias renováveis no Ceará.
“Vamos na expectativa de lá assinarmos protocolos de intenções de investimento tanto com empresas na área de produção de placas fotovoltaicas quanto também de pás de energia eólica (...) nós queremos apresentar a investidores chineses o potencial do Ceará na produção de hidrogênio verde, de energia eólica e de energia solar, além da nossa capacidade de expandir para o mundo pelo Porto do Pecém, junto com a nossa zona de processamento e exportação"
Segundo Elmano, o Ceará estará na comitiva justamente por já ter memorandos assinados envolvendo esses setores junto a empresas chinesas. “Como já tínhamos conversas bastante avançadas, isso nos permitiu participar da visita, mas também teremos possibilidade de conversar com outros investidores”, explicou em entrevista no final de março, antes da primeira data prevista para viagem.
A senadora Augusta Brito afirmou que deve participar dos principais compromissos do governador Elmano durante a viagem a China. A intenção, segundo ela, é demonstrar o alinhamento entre a gestão estadual e a bancada no Congresso Nacional.
"Ter um governador alinhado com a sua bancada no Senado é muito positivo para o estado. Isso dá segurança aos investidores", ressalta a senadora. Ela ressaltou ainda o "potencial" do Estado na produção do hidrogênio verde e o foco em trazer investimentos para o Ceará.
"O mundo inteiro está se voltando para a descarbonização da economia. (...) A China já está entrando neste mercado e podemos trazer para o Ceará recursos chineses para esta área", disse.
Para Manuel Domingos Neto, historiador, ex-professor da Universidade Federal do Ceará e professor aposentado da Universidade Federal Fluminense (UFF), assim como a viagem é uma “chance de ouro” para o Governo Federal, a visita tem a mesma importância para o Governo do Ceará.
“O Ceará tem uma infinidade de assuntos que pode tratar na China, entre eles a potencialidade agrícola e o desenvolvimento científico. A China é um universo em ascensão, não há limite, é o único país que hoje tem capacidade de puxar a retomada econômica mundial. No Ceará, temos universidades de peso, se o Governo estiver atento ao desenvolvimento científico, essa é a oportunidade de amarrar vários convênios”