Faltando apenas quatro meses para as eleições presidenciais, o judiciário brasileiro tem sido provocado de forma cada vez mais contundente para resolver impasses atrelados à acusação de campanha antecipada. A polarização partidária é elemento central na pressão política aos tribunais às vésperas do pleito.
Ainda em março, o PL apresentou denúncia contra o festival Lolapallooza após manifestação da drag queen PabloVittar – decisão que chegou a ser acatada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mas, após repercussão negativa, foi retirado pelo próprio partido. Nesta semana, foi a vez do PT entrar com ação contra o presidente Jair Bolsonaro (PL) por motociata realizada no último dia 15.
Juristas ouvidos pelo Diário do Nordeste se dividem quanto à caracterização de propaganda antecipada na realização da motociata pelo presidente Bolsonaro.
Segundo a legislação, é vedado pedido - explícito ou implícito - de votos, mas outras condutas são autorizadas, como a exaltação de qualidades do pré-candidato. Quanto ao ato no Lollapaloza, no entanto, eles concordam: a manifestação individual do voto não configura antecipação da campanha.
Contexto dos atos
O presidente reuniu apoiadores e lideranças políticas em uma motociata em São Paulo. No total, cerca de 3,7 mil motocicletas acompanharam o ato, segundo dados da Agência de Transporte do Estado de São Paulo (Artesp).
O partido alega que o presidente convocou o evento publicamente, conduziu sua motocicleta durante o percurso, incitou os apoiadores com gestos típicos de suas campanhas, desfilou em carro aberto e subiu em carro de som, onde realizou comício e pediu votos, explícita e implicitamente.
Pré-candidato à reeleição, o presidente esteve acompanhado do ex-ministro da Infraestrutura Tarcísio de Freitas (Republicanos), pré-candidato ao governo do Estado, e do ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles – que também devem concorrer no pleito deste ano.
Para a coordenadora de Comunicação da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), Isabel Mota, é necessário entender o contexto em que o ato foi realizado. Advogada especialista em Direito Eleitoral, ela considera que é necessário existir elementos que provem a promoção do pré-candidato antes do período autorizado.
"A motociata é um evento que já se associa facilmente à campanha eleitoral, é um evento típico de campanha", exemplifica Mota. Ela considera que o evento acabou reunindo elementos que podem ser considerados campanha antecipada.
"O próprio discurso do pré-candidato Bolsonaro, no sentido de se promover, falar especificamente de questões eleitorais e já atacar adversários", cita a advogada. Ela reforça ainda que o evento acabou se organizando como um "típico ato de campanha".
"Foi um típico ato de campanha. Um ato para reunir apoiadores, para dar visibilidade e mostrar força", completa. Ela cita, por exemplo, que o evento presencial não foi a única forma de alcance, já que a motociata foi transmitida por meio do perfil do presidente no Instagram, com milhões de seguidores.
Pedido explícito de votos
Professor e presidente da comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil - Secção Ceará (OAB-CE), Fernandes Neto considera que é necessário haver o pedido explícito de votos para caracterizar propaganda eleitoral antecipada.
"Apesar de estarem todos de verde-amarelo (por exemplo), não enxergo na motociata do presidente Bolsonaro uma propaganda eleitoral antecipada, porque não há o pedido de votos. (...) Não enxergo naquele ato, como não enxergo em qualquer manifestação de outros pré-candidatos", explica.
Fernandes explica, no entanto, que existem sim palavras-chave ou condutas que são consideradas pela Justiça Eleitoral na hora de definir o que configura a antecipação da campanha. Ele fala, por exemplo, que a campanha negativa de adversários pode contribuir para a caracterização dessa conduta vedada, quando "ultrapassa os limites da crítica usual, da crítica válida...".
"Esses limiares são tênues. É difícil identificar o que é uma coisa ou outra entre esses fatos. Manifestação política pode ocorrer, mas pedido explícito de votos não".
Abuso de poder político e econômico
Fernandes Neto, no entanto, afirma que é preciso analisar a motociata realizada pelo presidente Bolsonaro no contexto de abuso de poder político ou econômico. "Pode caracterizar dependendo dos valores, públicos ou não, que estejam envolvidos nesses acontecimentos", afirma.
Ele cita, por exemplo, a segurança do ato, a estrutura do governo federal – inclusive para locomoção do presidente até o local da motociata – e eventuais apoios de empresários.
A vereadora de São Paulo, Erika Hilton (Psol), entrou com uma representação no Ministério Público de São Paulo (MP-SP) para que o órgão investigue a utilização de R$ 1 milhão pela Segurança Pública do Estado para reforço no policiamento da motociata liderada pelo presidente Jair Bolsonaro.
A secretaria informou durante a semana que um efetivo de mais de 1.900 policiais militares era previsto para formar a equipe responsável pela operação.
Isabel Mota considera que é necessário investigar se "houve extrapolação no uso dos recursos públicos envolvidos". Sendo uma agenda "de promoção" do presidente Bolsonaro, o uso destes recursos pode ser considerado inadequado, inclusive contribuindo para a desigualdade entre os candidatos.
Punição
Em casos de abuso de poder político e econômico, no entanto, a punição é diferente, e mais severa, do que a de campanha antecipada, podendo chegar à inelegibilidade ou cassação de mandato, dependendo do caso.
Já a representação da parlamentar pede aplicação de multa para Bolsonaro e para o empresário Jackson Vilar, que organizou a motociata em São Paulo. Para a advogada eleitoral Isabel Mota, é possível também uma punição mais severa caso seja acatado o pedido e haja reincidência.
O presidente Jair Bolsonaro começou a realizar as 'motociatas' em maio de 2021. Até agora, participou de mais de dez eventos do tipo. O último ocorreu em Rio Verde, no estado de Goiás, na quarta-feira (20).
Na última visita ao Ceará, na cidade de Quixadá, o presidente também participou de motociata pelas ruas do município do Sertão Central. Na ocasião, ele andou na garupa de um apoiador. Estados como Rio Grande do Norte e Mato Grosso também registraram eventos semelhantes.
Lollapalooza
Em março, outro caso de ato político também chegou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O PL, legenda do presidente Bolsonaro, notificou à Justiça a respeito de manifestação política da drag queen Pabllo Vittar durante o festival Lollapalooza.
Na ocasião, a artista levantou uma bandeira com a imagem do ex-presidente Lula (PT), pré-candidato à presidência da República.
O pedido da legenda chegou a ser aceito pelo ministro Raul Araújo, em liminar que proibia manifestações futuras no festival, sob pena de multa. A medida repercutiu mal tanto dentro do Tribunal como entre políticos e na classe artística e acabou sendo revogada. O próprio PL homologou a desistência da ação, o que fez o ministro Raul Araújo derrubar a liminar.
Para os especialistas ouvidos pelo Diário do Nordeste, no entanto, consideram que o que ocorreu no festival foi bem distinto das motociatas e não pode ser enquadrado em campanha antecipada.
"Aquela era uma manifestação política, mas não eleitoral. Ela não é candidata, ela é uma apoiadora que usa da liberdade de expressão para se manifestar", ressalta Isabel Mota.
Fernandes Neto concorda. "A Pablo Vittar se manifestou politicamente de forma individual, fora do contexto político ou de um envolvimento político, como é a motociata. Não está proibida a manifestação do voto", afirma.
Entenda o que é propaganda antecipada
O que é proibido?
- Pedido explícito ou implícito de votos;
- Menção à próxima eleição ou alusão ao cargo supostamente almejado;
- Propaganda negativa contra pré-candidatos, que extrapole o limite da crítica política;
- Uso de outdoors para exaltar qualidades de possíveis candidatos;
- Convocação de redes de radiodifusão para divulgar atos que denotem propaganda política ou ataque à partidos e seus filiados.
O que é permitido?
- Elogios e exaltação de características pessoais do pré-candidato;
- Menção à pretensa candidatura;
- Participação em entrevistas, programas, encontros ou debates no rádio, na televisão e na internet, inclusive com a exposição de plataformas e projetos políticos;
- Divulgação de atos de parlamentares e debates legislativos;
- Posicionamento de pré-candidatos sobre questões políticas, inclusive nas redes sociais;
- Impulsionamento de conteúdo nas redes sociais, desde que não haja pedido de votos;
- Livre manifestação de eleitores sobre o voto, inclusive nas redes sociais.